Empresas
e trabalhadores podem apresentar nova política econômica para o país.
Um diálogo entre as propostas da Agenda
Brasil Sustentável e as da Concut não só é possível como necessário para se
construir um “projeto de país”.
Por Jorge Abrahão*
O Brasil vive um momento de crise política e
econômica no qual todos os setores da sociedade saem perdendo. E é justamente
este o momento propício para fazer emergir o novo. No caso, a sociedade
brasileira, representada por seus setores mais organizados, tem a chance de
estabelecer uma agenda mínima para a retomada do crescimento em parâmetros que
permitam ao país enfrentar os grandes dilemas do século 21: as mudanças
climáticas, a transição para uma economia de baixo carbono, a inovação
disruptiva, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades – pautas
expressas, de modo geral, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODS)
recém-aprovados pela assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
No último dia 15/10, o Congresso Nacional da
Central Única dos Trabalhadores (Concut) discutiu e apresentou ao público uma
proposta alternativa ao ajuste econômico adotado pelo governo federal. Tal
proposta, de uma nova política econômica e fiscal para o país, privilegia o
desenvolvimento sustentável e a geração de renda e empregos. Em muitos pontos,
faz eco à Agenda Brasil Sustentável, que um grupo de empresas e entidades da
sociedade civil apresentou em 2014, no âmbito das eleições gerais, como
propostas a serem incluídas nos programas dos candidatos à presidência da
República.
Num momento institucional crítico para o país, a
congruência entre propostas dos segmentos mais organizados do empresariado e
dos trabalhadores mostra um caminho para uma concertação nacional
imprescindível para que o país possa enfrentar os desafios não só da crise
financeira, mas da transição para uma nova economia, nos moldes que estão sendo
desenhados pelos ODS e pelo acordo climático global a ser aprovado na COP 21.
No fundo, a questão que devemos enfrentar é: como
garantir dignidade a todos até 2030, mantendo as contas públicas em ordem, a
economia crescendo, o meio ambiente equilibrado e a sociedade com maior percepção
de bem-estar e justiça.
O cenário internacional aponta para superação dos
ajustes até agora aplicados, principalmente nos países industrializados. Um
sinal recente desta tendência é o reconhecimento a Angus Deaton, o economista
britânico-americano que acaba de receber o Prêmio Nobel de Economia.
Deaton trabalha há décadas analisando dados
estatísticos de séculos sobre consumo, pobreza e bem-estar. Com essas
informações, ele acredita ser possível desenvolver uma política econômica que
promova crescimento e bem-estar. Num estudo publicado no ano passado sobre
mudanças climáticas, o economista foi enfático ao concordar que as mudanças
climáticas representam um novo e real perigo para a sociedade.
As estatísticas pesquisadas por Deaton e as
formulações delas originadas estimulam os economistas de qualquer corrente de
pensamento a se preocuparem com o mundo real. Para Deaton, política econômica
que distribui renda e promove bem-estar social não é aquela que acompanha o
movimento do dinheiro, mas a que entende a lógica do consumo no cotidiano dos
domicílios.
Nesse sentido, o economista tem a ver com o que
as empresas e, agora, os sindicatos dos trabalhadores no Brasil preconizam em
suas demandas: a adoção de uma política econômica que promova o crescimento
econômico por meio da inclusão social, do equilíbrio ambiental e da
integridade.
Vamos comentar alguns pontos de convergência
entre a Agenda Brasil Sustentável e a política econômica proposta pela central
sindical.
O que é a Agenda Brasil Sustentável?
Essa agenda é, na verdade, um programa construído
de forma colaborativa entre empresas, organizações da sociedade civil e
movimentos sociais que integrou num único documento diversas iniciativas e
demandas vinculadas ao tema do desenvolvimento sustentável. As propostas da
Agenda Brasil Sustentável foram divididas em três dimensões: respeito aos
limites do planeta; redução das desigualdades; e integridade e transparência.
A agenda busca, em linhas gerais, diminuir as
diferenças de renda, melhorar a qualidade dos serviços públicos (saúde,
educação, transporte, habitação, saneamento e segurança pública), erradicar o
trabalho infantil e o análogo à escravidão, bem como promover a equidade de
gênero e raça. Mas quer atingir essas metas por meio de uma nova maneira de produzir
e consumir, tendo em vista que os recursos naturais são finitos e escasseiam
cada vez mais. Assim sendo, a Agenda Brasil Sustentável alinha-se aos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável, recém-aprovados pela ONU. O processo de
construção dos ODS foi bastante parecido com o da agenda: foram feitas
consultas multissetoriais em todos os países, com a organização de fóruns e
mesas de diálogo entre os mais importantes atores sociais, não só governos.
No caso da Agenda Brasil Sustentável, os
apoiadores propõem, para atingir as metas, reforma fiscal e gestão pública que
incentivem a sustentabilidade, bem como reforma política que garanta a
participação política dos cidadãos para além de eleger representantes aos
poderes Executivo e Legislativo. Algo muito parecido com o que os ODS
preconizam.
As empresas tiveram participação ativa na
elaboração dessa agenda e utilizam as propostas para elaborar seus
planejamentos estratégicos no caminho da sustentabilidade.
A Agenda Brasil Sustentável foi apresentada aos
candidatos à presidência da República em 2014, os quais se comprometeram a
executar suas propostas, a presidente Dilma Rousseff inclusive.
Há exemplos de ações empresariais
voltadas para os objetivos dessa agenda?
Sim, há nas três dimensões. No que se refere à redução
das desigualdades, por exemplo, o Carrefour tem forte atuação na valorização da
diversidade de seus quadros funcionais, nas comunidades do entorno e nas
cadeias de suprimentos. O projeto Conexão Varejo, parceria iniciada em 2012
entre a Fundação Carrefour e a Rede Cidadã (organização que reúne programas
patrocinados por empresas), já capacitou mais de 4 mil pessoas com deficiência
em São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Belo Horizonte, Brasília e Recife para
atuarem no varejo de alimentos. Na semana passada comentamos aqui uma
iniciativa de doze dos maiores grupos empresariais do país que lançaram a
Associação Movimento Mulher 360, que visa o empoderamento econômico feminino.
Entre eles, podemos citar a Unilever, a Coca Cola, a Diageo, a Cargill e a Nestlé.
A questão da valorização de gênero no mercado de
trabalho é muito importante para o progresso socioeconômico do país. No último
dia 15, o jornal Valor Econômico trouxe matéria com pesquisa da
consultoria McKinsey sobre o impacto da desigualdade de gênero na economia.
Segundo o levantamento, se o Brasil conseguir igualar a inclusão de mulheres no
mercado de trabalho com a participação delas na população (que é de 51%),
equilibrando carga horária de trabalho e a presença delas nos setores mais
produtivos, isso representaria um incremento de 30% do PIB à economia
brasileira (ver aqui).
Em relação ao meio ambiente, as empresas do Fórum
Clima foram agora, em 2015, tão decisivas para o Brasil assumir metas
desafiadoras de redução de carbono ao acordo global de clima da COP 21 quanto o
foram em 2009, para a COP 15.
Na questão da transparência e da integridade, a
atuação empresarial brasileira na prevenção e combate à corrupção e na melhoria
das relações público-privadas já adquiriu amplitude internacional, sendo
reconhecida inclusive pela ONU.
O que propõe o projeto da CUT e
quais os pontos de contato com a Agenda Brasil Sustentável?
A proposta discutida pelos trabalhadores reunidos
na CUT fala numa reforma fiscal que alavanque o desenvolvimento sustentável do
Brasil, corrigindo desvios e melhorando a arrecadação do país. O documento
também fala em “políticas sociais de segunda geração”, ou seja,
descentralizadas do Estado, tendo este a função de “provedor” das políticas que
estimulem a participação cidadã, inclusive na formulação e aprovação dos
orçamentos públicos. Assim, haveria uma “consolidação das leis sociais”, garantindo
as compensações de renda para quem ainda precisa e em determinadas situações.
Mas a decisão de como e quando aplicar essas políticas, que têm impacto no
orçamento, caberia a conselhos e fóruns populares, em conjunto com o Congresso
Nacional e outras instituições. Este é um exemplo de como funciona uma política
social de segunda geração.
Outros pontos importantes da proposta de
desenvolvimento econômico da CUT são o direcionamento do depósito compulsório
dos bancos para a habitação popular, a expansão do financiamento do BNDES para
as PMEs, a taxação de heranças e a redução de juros.
A Agenda Brasil Sustentável apresenta todas essas
demandas, algumas delas de maneira mais detalhada. O diálogo, por isso, não é
só possível como necessário para se construir um projeto de país.
Esta expressão chega a estar desgastada de tanto
que já foi mal utilizada. Mas nem por isso deixa de ser importante para o
contexto brasileiro.
O que é um projeto de país? É uma expressão que
resume para todos os segmentos da sociedade o que os cidadãos querem atingir
para si e para o coletivo, por meio das riquezas que ajudam a produzir.
Como destacou o economista Márcio Pochman em sua
palestra no Concut, a China definiu, ainda nos anos 1990, que quer ter, até
2025, 230 empresas chinesas entre as 500 maiores do mundo. Um objetivo simples,
de fácil compreensão, que inspirou e estimulou uma série de políticas em todos
os níveis (economia, educação, saúde, habitação, agricultura, exportação,
segurança, indústria, comércio etc.) para atingir esse propósito no prazo
estipulado.
O que o Brasil quer? A busca por esta resposta é
que deve incentivar o diálogo entre as partes interessadas para nos levar a
definir um caminho que construa um modelo de desenvolvimento sustentável que
nos leve a uma sociedade mais inclusiva e justa.
* Jorge Abrahão
é diretor-presidente do Instituto Ethos.
Fonte: Instituto
Ethos
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