Manobra
tenta aprovar Código da Mineração.
Projeto seria votado na Câmara em setembro, mas
reunião foi cancelada; nova comissão foi criada para se chegar a um consenso
sobre a proposta, que desagrada ativistas, prefeituras e empresas.
Por Étore Medeiros –
A Câmara dos Deputados criou há cerca de um mês uma
nova Comissão Especial para consolidar e votar o novo Código da Mineração, um
procedimento nada usual. Conhecida como Ceminera, ela ainda não
recebeu indicações suficientes para iniciar os trabalhos. Dos 37
deputados já indicados para integrá-la, entre titulares e suplentes, 17 tiveram
doações de empresas ligadas à mineração. O projeto tem sido criticado por
ativistas, por eliminar proteções ambientais presentes no texto anterior, de
1967, e por prefeitos, que temem perdas na arrecadação. Já o setor produtivo
tenta evitar cobranças maiores sobre a extração mineral.
Presidente da comissão que chega ao fim, o deputado
Gabriel Guimarães (PT-MG) explica que desde 2013 a Câmara tentou ouvir todos os
envolvidos no tema para tentar chegar a um texto definitivo. “Desde o final do
ano passado, minha tarefa foi aguardar a construção de um consenso, pelo
relator, com os demais membros da comissão”, afirmou, repassando a
responsabilidade pela não votação para o relator, Leonardo Quintão (PMDB-MG).
Após sucessivas tentativas de entrevista, Quintão disse, por meio de sua
assessoria, que não se pronunciaria sobre o novo código neste momento.
Enquanto aguardava um consenso, Guimarães explica
que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), procurou os membros da
antiga Comissão Especial para sugerir a criação do novo colegiado. “Ele
conversou conosco e disse que estava preocupado com a questão do prazo da
comissão, já que regimentalmente ele acabou. Assim, de forma consensual
conosco, o presidente criou uma nova comissão”, disse. Classificando o
movimento de Cunha como “cauteloso”, o deputado afirmou que o próximo passo é
verificar a possibilidade regimental de importar os trabalhos do grupo anterior
para o futuro – que precisa ter todos os integrantes indicados para, só então,
definir o presidente e o relator.
O deputado federal Gabriel Guimarães (PT-MG),
presidente da antiga Comissão Especial do Código da Mineração. Foto: Gustavo
Bezerra
O deputado Sarney Filho (PV-MA) não sabe dizer por
que houve a criação do novo colegiado. Integrante da comissão anterior e da
recém-criada, ele acredita que o enfraquecimento do governo federal e de
Eduardo Cunha, devido a denúncias de corrupção, facilita a atuação de grupos de
interesse. Ele cita como exemplos as mudanças do Estatuto do Desarmamento e a
aprovação da PEC 215, recentemente deliberados pelos
deputados. “Esses grupos de pressão querem fazer com que os seus
interesses, em geral pessoais, se sobreponham aos interesses difusos da
sociedade brasileira”, disse.
Conhecido pela atuação ligada às causas ambientais,
Sarney Filho é crítico a diversos pontos da nova regulamentação mineral. “Me
preocupa a falta de clareza sobre os direitos das populações atingidas pelo
minério, sobre a recuperação das áreas afetadas e também sobre o processo de
escolha sobre determinadas áreas, se devem ser objeto de exploração ou não. O
que se percebe é que querem sobrepor a mineração a qualquer interesse,
inclusive da nossa legislação socioambiental”, diz o parlamentar.
Para Jarbas Vieira, dirigente do Movimento pela
Soberania Popular na Mineração (MAM), o novo código chega a ser mais atrasado
em questões ambientais do que a versão atual, criada em 1967, durante a
ditadura militar. “O anterior diz que a mineração não pode danificar os
mananciais, a água, o solo, e no atual não tem nada disso”, critica. O
dirigente da MAM se mostra especialmente preocupado com o inciso 6º do artigo
46 do relatório preliminar, que estabelece como direito do minerador “usar as
águas necessárias para as operações da concessão”. O temor é que o texto dê
margem para que a exploração mineral se sobreponha a outras destinações da
água, até mesmo o abastecimento humano.
Vieira se mostra indignado ainda com o artigo 109
do texto do relator, que prevê que a criação de qualquer atividade capaz de
atrapalhar a mineração precise de uma autorização da Agência Nacional da
Mineração. O órgão, proposto pelo governo e mantido pelo relator, substituiria
o Departamento Nacional de Produção Mineral. “Um território com remanescentes
de quilombo, terras indígenas, assentamentos de reforma agrária e unidades de
conservação da natureza precisariam da anuência da agência para ser instalados.
Na prática, isso significa que, onde tiver minério, nada disso será criado”,
disse.
Na opinião de Vieira, o novo colegiado é fruto da
tentativa do relator Leonardo Quintão de agradar todo mundo. “Ao comparar os
deputados já indicados com os da comissão anterior, percebe-se que a mudança de
comissão não vai trazer alterações substanciais ao texto”, afirma. “Nem o setor
empresarial ficou contente com o Frankenstein que ele fez. Ficou inviável.”
Para Onildo João Marini, diretor-executivo da
Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira
(Adimb) e professor aposentado de Geologia da Universidade de Brasília, o
“monstrengo” criado por Quintão é o principal motivo para o texto não ter
prosperado. “A gente não sabe exatamente o que está ocorrendo, mas o próprio
silêncio e a falta de votação no Congresso é um sinal que o pessoal não está
mais seguro da conveniência desse novo código”, acredita. Marini defende a
manutenção da legislação atual com modificações pontuais. “Até mesmo o relator,
que é de Minas Gerais, no meu entender, percebeu que muita gente já não quer
mais esse novo marco, mesmo os prefeitos do estado dele. O governo federal
também está quietão, percebeu que já não dá pra forçar mais; se quiser levar
uma parte muito grande de imposto pra ele, as firmas não aguentam.”
Um lobby para prejudicar as cidades mineradoras
pode estar por trás da nova Comissão Especial, na opinião do presidente da
Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), José de Freitas
Cordeiro (PSDB), o Zelinho. Seu receio não se resume ao teor do texto que pode
sair do novo colegiado, mas inclui também o prazo dos trabalhos. “Essa comissão
[a antiga] trabalhou muito. A nossa insatisfação é só com a alíquota da CFEM
[Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais]. Criar uma nova
comissão pode significar voltar à estaca zero, até porque daqui a pouco vem o
recesso parlamentar e pode ser que demorem ainda mais para votar”, prevê.
Participação
social
Assim como o relator Leonardo Quintão, que teve 42%
dos gastos da campanha de 2014 bancados por empresas ligadas à mineração, 31
dos 52 deputados (entre titulares e suplentes) da Comissão Especial antiga
tiveram financiamento do setor mineral nas eleições do ano passado. O dado
consta em um relatório produzido pelo
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Uma das poucas
vozes do colegiado a apelar por um texto mais sensível às temáticas
socioambientais, o deputado federal Padre João (PT-MG) ataca o texto de
Quintão, que teria sido feito para agradar somente às mineradoras. “Quanto mais
demorar a mexer na CFEM, melhor pra elas”, analisa. A demora na votação, diante
da alta cotação do dólar, beneficiaria os exportadores.
O deputado também se queixa da participação do
governo federal na tramitação do novo texto. “O que houve até aqui foi um
monólogo do Ministério de Minas e Energia”, diz. Há cerca de um mês, ele pediu
um encontro com o então ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para
discutir o código. A ideia era tentar ampliar o diálogo sobre a proposta,
envolvendo mais órgãos, como os Ministérios do Meio Ambiente, do
Desenvolvimento Agrário e do Trabalho, a própria Casa Civil e a Funai. O pedido
de audiência teria sido renovado ao novo ministro da Casa Civil, Jaques Wagner.
Padre João defende a realização de uma espécie de
conferência nacional sobre mineração para debater o tema e as propostas para um
novo marco regulatório, passando por todas as unidades da Federação, ouvindo os
Executivos estaduais, o máximo de municípios onde existam atividades
minerárias, os trabalhadores e empresas do setor, além das populações atingidas
pela exploração. Para ele, o modelo conferência daria maior legitimidade a um
novo texto, uma vez que parte dos parlamentares, dado o sistema de
financiamento eleitoral, “não representam o povo, mas as empresas”. “Precisamos
de um mecanismo de democracia participativa, mais direta, porque a
representação da sociedade nesse modelo de eleição que temos é totalmente
capenga”, critica, mesmo tenha recebido doações de empresas nas eleições do ano
passado através do comitê financeiro e das direções estadual e federal do PT.
Questionado sobre a possível demora para um procedimento tão amplo, ele diz que
quem estava com aflição para votar eram os prefeitos, de olho na ampliação da
CFEM. Segundo o parlamentar, um plano de trabalho está sendo traçado por
movimentos sociais para tentar pautar a conferência.
Disputa por royalties
A cotação do minério de ferro
está em queda ininterrupta desde que atingiu recordes históricos no início
desta década. Em 2013, quando a Câmara começou a debater o novo código da
mineração para substituir o atual, de 1967, o preço do minério oscilou entre
US$ 114 e US$ 184 por tonelada, valor bem maior que os cerca de US$ 50 de hoje. “Quando
propuseram o código, o mercado internacional de commodities minerais estava em
alta. Hoje, as empresas não estão se aguentando como está, e ainda vem um novo
código com royalties mais altos?”, questiona Onildo Marini, da Agência para o
Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira. “A perspectiva de
aumento da cotação é muito baixa. A rigor, a economia da China [que em 2013
importou 51% do ferro brasileiro] teria que reverter a situação de crescimento
econômico, o que ninguém acredita que se dará no curto ou médio prazo.”
A Contribuição Financeira pela Exploração de
Recursos Minerais (CFEM) representa o que é arrecadado pelo setor, os royalties
citados por Marini. Embora não venha somente do ferro, a CFEM está fortemente
vinculada ao minério, que em 2014 representou 63,2% do total de R$ 1,71 bilhão
arrecadado. Em 2013, 76,4% foram relativos ao ferro do valor gerado de R$ 2,38
bilhões – montante composto por R$ 1,68 bilhão relativo à produção de 2013 e R$
700 milhões pagos sobre contribuições pendentes de anos anteriores. A alíquota
da CFEM oscila entre 0,2% e 3% do faturamento líquido, sendo a menor tarifa
cobrada para pedras preciosas e metais nobres, por exemplo, e a maior, para o
alumínio e o manganês, entre outras substâncias. Para o ferro, a taxa é de 2%,
e, para o ouro, de 1%. O valor é distribuído entre a União (12%), as unidades
da Federação (23%) e os municípios (65%).
O texto do novo marco, o Projeto de Lei nº 5807 de
2013, enviado ao Congresso pelo governo federal, propunha a elevação da CFEM
para 4% e também que ela incidisse sobre o faturamento bruto da produção, não
mais o líquido. Apesar do potencial de aumentar a arrecadação, o deputado
Leonardo Quintão (PMDB-MG) apresentou no relatório preliminar ao
Projeto de Lei nº 37 de 2011 (ao qual a proposta do governo foi apensada) uma
cobrança menos ousada. Pelo texto, a maioria dos minérios permaneceria com
taxação de até 2%, exceção para o diamante (4%) e para o ferro. Nesse caso, a
alíquota variaria de acordo com o preço do minério, sendo de 1% para cotações
de até US$ 60 por tonelada – cenário atual –, sendo elevada gradualmente até 4%
para quando o valor for superior a US$ 100 por tonelada.
Pressão das prefeituras
Pela proposta de Quintão, a divisão da CFEM seria
feita de forma diferente, diminuindo a parte do governo federal (10%), dos
estados (20%) e municípios (60%) de forma a criar espaço para os municípios
afetados pela mineração, quando esta não ocorrer dentro de seus territórios –
caso de localidades cortadas por estradas, ferrovias, hidrovias, que recebem
rejeitos da exploração, entre outras possibilidades. Na inexistência destes
tipos de município, os 10% originalmente destinados a eles seriam repassados à
União. Embora tenham concordado com a nova distribuição dos recursos, as
prefeituras, entretanto, não estão nada satisfeitas com a mudança na base de
cálculo da CFEM.
“De forma alguma podemos aceitar a proposta do
Quintão. Não podemos aceitar essa proposta imoral de 1%”, critica Zelinho, da
Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais. “O valor dos royalties
no Brasil é muito baixo, um dos menores do mundo. A Austrália, que é a nossa
maior competidora, cobra 7,5%, Mesmo no Brasil, o royalty do petróleo é de
10%”, compara. Ele lembra que existem descontos na taxação de 2%, o que gera
uma arrecadação real com a CFEM de cerca de 1,6%. “A cidade mineradora é
diferente. Tem renda, emprego, mas o impacto é grande”, afirma. “O transporte
pesado nos obriga a fazer reparos constantes nas vias. Tem que estar sempre
limpando. Em Congonhas, por exemplo, a mineradora está bem próxima da cidade, a
4 quilômetros, então os garis limpam 7 toneladas de pó de minério. É um
caminhãozinho por dia que vem no ar e nas rodas dos caminhões.”
Zelinho é prefeito de Congonhas, oitavo município
na lista de maiores arrecadadores da CFEM em 2013. Com a crise do ferro, o
orçamento de 2015 foi reduzido em cerca de 30%, segundo ele, tendo caído de R$
420 milhões para cerca de R$ 300 milhões. “A queda da receita foi generalizada
não só por causa da CFEM, mas pela redução dos investimentos das mineradoras,
que diminui a arrecadação de outros impostos, como o ICMS e o ISS. Aqui temos
outras fontes de receitas, mas algumas cidades mineradoras estão com os
salários dos servidores atrasados, com dificuldade de pagar o décimo-terceiro”,
observa.
Mineração na cidade de Congonhas, em Minas Gerais.
Foto: Mídia Ninja.
Apesar do “caminhãozinho” de minério de ferro
retirado diariamente das ruas de Congonhas, o prefeito diz que os impactos
socioambientais são um ônus com que a cidade tem de arcar. Segundo ele, uma das
maiores minas da cidade funciona há 50 anos e emprega, direta ou indiretamente,
5 mil pessoas. Inicialmente, os municípios apoiavam a alíquota de 4% de
arrecadação sobre o faturamento bruto. Zelinho afirma que até mesmo o setor
produtivo tinha concordado com a ideia. Procurado pela Agência Pública, o
Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa o setor, preferiu não
se manifestar. A associação das prefeituras agora defende uma CFEM de 2% para
cotações de até US$ 40 por tonelada de minério de ferro, com elevação gradual
para 4% quando o valor for superior a US$ 80.
Jarbas Vieira, do Movimento pela Soberania Popular
na Mineração, afirma que o setor produtivo não gostou da proposta inicial do
governo. Por isso, Quintão teria mudado o texto e criado a cotação mais branda.
“Nós defendemos que quanto mais, melhor”, explica. Ele lembra que os minérios
são definidos na Constituição da República como bens da União. “Reproduzimos
até hoje o sistema colonial: as empresas pagam apenas a taxa da CFEM, que é ínfima,
levam os nossos recursos para fora com a Lei Kandir [que isenta 100% do ICMS
para a exportação], e ficamos com o passivo. A mineração não é como o arroz ou
o feijão, que se planta e depois se colhe. Estamos falando de recursos finitos.
A produção mineral é importante, mas ao mesmo tempo é preciso criar a
capacidade de gerar alternativas para diversificar as economias locais e para
mitigar os passivos ambientais gerados.”
Para o Ministério de Minas e Energia, a demora na
apreciação do código não causa prejuízos para o setor produtivo, já que a
legislação anterior segue vigente e permite a continuidade dos trâmites
burocráticos e das políticas públicas para a mineração. Em nota, a pasta
informou que a determinação da CFEM com teto de 4%, e diferenciação por
substância mineral por decreto, na proposta do governo, se devem à necessidade
de “certa flexibilidade frente à dinâmica do setor e do mercado de commodities
minerais”. “A alteração em relação ao modelo vigente decorre da necessidade de
simplificar, aperfeiçoar e conferir mais transparência aos procedimentos que
envolvem a arrecadação, fiscalização e cobrança da participação governamental”,
diz o texto enviado à Agência Pública.
O ministério diz ainda que a proposta de código
busca atender às mineradoras e também ao “interesse nacional”. “A modernização
da legislação é medida prioritária e essencial para atrair mais investimentos
para o setor e fortalecer a mineração nacional”, defende o ministério, que diz
acompanhar as discussões no Congresso Nacional, “o foro legítimo e mais
adequado para promover o debate acerca da proposta”.
Fonte: Agência Pública
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