Piketty
propõe taxar carbono da classe alta.
O economista francês Thomas Piketty. Foto:
Universidade Pompeu Fabra/Creative Commons.
Economista francês diz que cobrar imposto dos 10%
da população que mais emitem, em todos os países, poderia financiar adaptação à
mudança do clima; tributo poderia vir em passagem aérea.
Por Claudio Angelo, do OC –
O economista francês Thomas Piketty está de volta à
carga, desta vez contra outro tipo de desigualdade: a de carbono.
O autor do tão comentado quanto pouco lido O
Capital no Século XXI, sobre o aumento do abismo entre os muito ricos e os
pobres neste século, resolveu investigar num novo estudo se a mesma disparidade que
detectou em suas pesquisas sobre a renda se verificava também nas emissões per
capita de gases-estufa em vários países.
Concluiu que sim e, no caminho, ainda apresentou
uma proposta de solução para o problema que atormenta as negociações de clima
há anos e ameaça avinagrar a conferência de Paris: quem deve pagar a conta da
luta contra a mudança climática? Apenas os países ricos ou também os
emergentes?
A resposta, apontaram Piketty e seu colega Lucas
Chancel, da Escola de Economia de Paris, é que está ultrapassada a maneira como
a Convenção do Clima divide os países entre ricos (o chamado Anexo 1) e o resto.
Uma vez que os países em desenvolvimento hoje respondem pela maior parte das
emissões do planeta, e responderão por mais ainda nas próximas décadas, a
melhor solução para a questão da equidade climática é olhar para a fração da
população que mais emite. E taxá-la para financiar a adaptação à mudança do
clima das populações dos países pobres.
Os dados mostram que os 10% da população mundial
que mais poluem estão espalhados por todos os continentes – um terço deles nos
países emergentes, como Brasil e China – e respondem por pelo menos 45% das
emissões do mundo. Os 50% da população que menos emitem respondem por 10%.
Os
emissores intermediários, a “classe média” do carbono, por assim dizer, também
estão espalhados pelo mundo: o 1% dos tanzanianos mais ricos pertence a essa
categoria, assim como a população de renda intermediária da França e da
Alemanha.
Segundo a análise de Chancel e Piketty, a
disparidade entre os milionários e os miseráveis do carbono, que era muito
maior entre os países em 1998, ano seguinte à assinatura do Protocolo de Kyoto,
hoje tão grande entre países quanto dentro deles. Isso se explica pela ascensão
de classes médias e altas no mundo emergente e pela própria concentração de
renda e consumo, tese defendida por Piketty em seu best-seller.
“As classes médias e altas nos países emergentes
aumentaram suas emissões mais do que qualquer outro grupo nos últimos 15 anos”,
afirmam os franceses.
Mesmo assim, os extremos de emissão alta per capita
continuam sendo os cidadãos de países ricos e de alto padrão de consumo: o 1%
da população mais rica de EUA, Luxemburgo, Cingapura, Arábia Saudita e Canadá.
Um ricaço americano emite por ano cerca de 318 toneladas de CO2, contra uma
média mundial de 6,2 toneladas e uma média de 22,5 toneladas para os Estados
Unidos. (A análise só considerou emissões por combustíveis fósseis, não por
desmatamento).
Na base dessa pirâmide econômica do carbono estão
os 10% mais pobres de Honduras, que emitem 90 quilos (isso mesmo, quilos) de
CO2 por ano, e de Ruanda, com 100 quilos.
Os autores escarafuncharam as bases de dados de
renda usadas pelo grupo de Piketty em sua pesquisa sobre desigualdade para
adicionar à análise um elemento que frequentemente passa despercebido nas
discussões sobre emissões de países emergentes: o chamado carbono
“terceirizado”.
Se é verdade, por um lado, que a China emite mais
do que os EUA e a União Europeia, por outro lado é verdade também que boa parte
dessas emissões se destina à produção de bens de consumo por empresas desses
países instaladas na China. Quando as emissões de consumo são acrescentadas ao
quadro, o nível de carbono per capita dos americanos cresce 13%, e o dos
europeus, 41%. Já o dos chineses cai 25%, e o dos latino-americanos, 15%.
Grandes fortunas
Diante desse quadro, Chancel e Piketty elaboram uma
série de sugestões para levantar os € 150 bilhões anuais que estimam serem
necessários para financiar a adaptação nos países pobres. Esse dinheiro é
distinto dos US$ 100 bilhões anuais que os países ricos prometeram para o Fundo
Verde do Clima, que hoje tem apenas US$ 5 bilhões em caixa, segundo os
franceses, e somente 20% disso destinado a adaptação.
A chamada lacuna financeira de adaptação poderia
ser atacada de quatro formas: primeiro, taxando toda a parcela população
mundial que emitisse mais do que a média – ou seja, 6,2 toneladas per capita ao
ano. Alternativamente, taxando os 10% que mais emitem. Uma terceira forma seria
taxar o 1% da nata dos poluidores, que emitem 9,1 vezes mais que a média mundial.
Seria uma espécie de imposto sobre grandes fortunas de carbono.
Nos três casos a contribuição da classe média e
alta da China seria relevante: 15,1% de toda a verba no primeiro caso, 11,6% no
segundo e 5,7% no terceiro. Mas quem contribuiria com a fatia do leão ainda
seriam os americanos (35,7%, 46,2% ou 57,3%, respectivamente) e os europeus
(20%, 15,6% e 14,8%). “A contribuição dos europeus cairia proporcionalmente,
mas subiria em termos absolutos”, afirmam Piketty e Chancel. “Na estratégia 3,
a mais favorável aos europeus, o volume de finanças vindo da Europa chegaria a
€ 23 bilhões, mais de três vezes a contribuição atual.”
Chancel diz que renda é um indicador imperfeito
para a taxação. “É um bom preditor de emissões de gás carbônico, mas pode haver
exceções – famílias de baixa renda que precisam dirigir longas distâncias até o
trabalho, por exemplo. O ideal seria ter informação sobre as emissões
individuais, mas essa informação não existe”, disse o pesquisador francês ao
OC.
Uma quarta opção, que a dupla admite ser menos
precisa, mas mais fácil de implementar, seria um imposto universal aplicado às
passagens aéreas, de € 180 por bilhete da classe executiva e € 80 por bilhete
da econômica. Isso levantaria os € 150 bilhões para financiar a adaptação, inibindo
ao mesmo tempo emissões num setor que, devido à sua natureza internacional, tem
escapado às restrições aplicadas em vários países a atividades de alta emissão.
“Tenho dúvidas sobre o alcance dessa medida”, disse
ao OC o economista Carlos Young, da UFRJ. Segundo ele, com a crescente
oligopolização do setor, o poder de mercado das aéreas é cada vez mais alto.
Junte-se a isso o fato de que as companhias aéreas vêm enfrentando dificuldades
no mundo inteiro, por vezes operando com margens baixas de lucro. “O rapasse às
tarifas seria automático.”
Para Young, a ideia de taxar bilhetes aéreos – de
resto, uma proposta que já circula há muito tempo no debate sobre financiamento
climático, mas que até agora não se conseguiu implementar, não em pouca medida
por conta da resistência de países como os EUA e o Brasil – é “como a razão de
cobrar a CPMF: as pessoas propõem porque é o mais fácil”.
“A questão não é taxar as passagens aéreas, mas
cobrar a externalidade na fonte”, ou seja, cobrar de todas as atividades emissoras
– em resumo, aumentar o preço da energia. Isso permitiria uma alíquota menor,
paga por todos que emitem carbono, não apenas pelos que voam. Young diz
concordar com Piketty e Chancel em que a solução mais justa seria mesmo cobrar
dos maiores emissores. “É o ideal, mas inviável, porque os ricos não estão a
fim.”
“Não existe opção perfeita”, afirma Chancel. “Mas
todas elas seriam claramente melhores que a situação atual, já que elas
permitiriam aumentar substancialmente a redistribuição dos grandes emissores
abastados para os bem menos favorecidos baixos emissores que sofrem os impactos
da mudança climática.”
Fonte: Observatório do Clima
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