Fim de
megaprojetos gera elefantes brancos.
O moderno conjunto Enterprise, de dois edifícios,
com todos seus escritórios, lojas e outras áreas vazios. É um dos muitos
“elefantes brancos” deixados na cidade de Itaboraí, sudeste brasileiro, ao ser
abortado megaprojeto petroquímico e petroleiro da Petrobras. Foto: Mario
Osava/IPS.
Por Mario Osava, da IPS –
Itaboraí, Brasil, 23/10/2015 – Itaboraí ainda
recorda suas origens em um município formado ao longo de uma rodovia, crescendo
para os dois lados de sua larga avenida central. Mas há alguns anos esta cidade
do sudeste do Brasil se encheu de grandes e modernos edifícios, agora todos
vazios, ou quase.
A quantidade de “elefantes brancos”, ou obras caras
sem uso, nessa cidade de 230 mil habitantes, a 45 quilômetros do Rio de
Janeiro, é um “dos choques violentos” causados pelo Complexo Petroquímico do
Estado do Rio de Janeiro (Comperj), explicou à IPS o secretário municipal de
Desenvolvimento Econômico, Luiz Fernando Guimarães.
“O primeiro impacto foi o anúncio, feito em 2006
pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), do
projeto que contemplaria duas refinarias e duas unidades petroquímicas que
gerariam, segundo estimativa da Fundação Getulio Vargas, 221 mil empregos”,
afirmou Guimarães. Esse dado da respeitada fundação de estudos econômicos, com
sede no Rio de Janeiro, superava o total de habitantes do município, que era de
218 mil em 2010, segundo o censo daquele ano.
O complexo custaria cerca de US$ 6,5 bilhões,
segundo as projeções iniciais, mas valerá mais que o dobro e para colocar em
operação uma só refinaria com capacidade de processar 165 mil barris por dia de
petróleo. A unidade petroquímica e a segunda refinaria foram eliminadas.
Seu anúncio e o início das obras em 2008
“converteram Itaboraí em um Eldorado (mítico lugar cheio de ouro), atraindo
brasileiros de todas as partes e muitos estrangeiros. Os aluguéis dispararam,
os preços dos alimentos e serviços subiram loucamente, terrenos para moradias
tiveram seu valor elevado em mais de dez vezes”, recordou o secretário.
O emprego de aproximadamente 30 mil operários e a
expectativa de uma ampla industrialização em torno da petroquímica atraíram
muitos investimentos diante da expectativa de que a cidade, “uma das mais
pobres do país”, desfrutaria de forte prosperidade”, contou à IPS o secretário
da Fazenda do município, Rodney Mendonça.
Também houve a explosão de negócios imobiliários,
com a construção de modernos edifícios. Foram planejados ainda quatro grandes
hotéis, dos quais dois foram construídos. Em poucos anos a cidade ganhou cerca
de quatro mil unidades comerciais, entre escritórios e lojas, segundo
Guimarães, cuja secretaria passou a ser denominada de Secretaria de
Desenvolvimento Econômico e Integração com o Comperj. Este antigo empresário
petroleiro cuida agora da relação da prefeitura com o reduzido megaprojeto da
Petrobras.
O segundo choque foi a decisão de reduzir o projeto
a uma única refinaria, que só foi divulgado em 2014. “Mas a mudança ocorreu em
2010 e a população não foi informada. Eu sabia porque várias subsidiárias de Petrobras
e da Braskem (a maior petroquímica brasileira) deixaram o consórcio”, afirmou o
secretário. “Imagine que uma faculdade local preparava a abertura de um curso
na área petroquímica, pensando nos empregos do Comperj. Quando o avisei, o
diretor quase me mata”, contou.
A loja Barzarzão, que vende materiais de construção
e utilidades domésticas na cidade de Itaboraí, sudeste brasileiro. Esse
comércio duplicou suas vendas ao começar a construção do Complexo Petroquímico
do Estado do Rio de Janeiro, mas depois caíram verticalmente quando a Petrobras
cancelou a parte petroquímica do projeto. Foto: Mario Osava/IPS.
Não foram canceladas apenas a petroquímica e a
segunda refinaria, como também “a construção da primeira está parada e, de
acordo com a Petrobras, busca-se financiamento para concluí-la”, acrescentou.
Isso apesar de as obras já estarem 87% prontas.
Nos 45 quilômetros quadrados adquiridos para
instalar o Comperj, a Petrobras avança na construção da Unidade Processadora de
Gás Natural, que emprega cerca de três mil funcionários. “Após construí-la
restarão apenas 80 empregados para a operação”, segundo Guimarães.
A cidade acusou o golpe. Os grandes prédios
comerciais ficaram vazios e, ao se percorrer suas ruas, se vê contínuas placas
de “aluga-se”, enquanto a maioria dos pontos comerciais está fechada. “A terra
das laranjas se transformou na terra dos elefantes brancos”, brincou Bruno
Soares, gerente da loja de materiais de construção e utilidades domésticas
Bazarzão, na avenida 22 de Maio, a principal de Itaboraí.
Sua loja não foi registrada como fornecedora do
Comperj, mas ainda assim sofreu seu maremoto. “Nossas vendas caíram 50% desde o
final de 2014”, estimou Soares, mas reconhecendo que na realidade voltaram ao
nível anterior ao abortado auge trazido pelo Comperj. “O negócio subiu e caiu
em cinco anos, rápido demais. Outros comércios fecharam e os municípios
vizinhos também foram prejudicados. Itaboraí seria uma potência na América
Latina se o complexo petroquímico seguisse em frente, mas caiu devido à
corrupção”, ressaltou.
Essa é uma avaliação comum entre a população, não
só de Itaboraí, diante da informação diária sobre o escândalo dos subornos
multimilionários nos projetos da Petrobras, incluindo o Comperj, que envolve
dezenas de políticos e construtoras.
Entrada do luxuoso edifício Hellix, com seus
escritórios quase vazios. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico da prefeitura
de Itaboraí, sudeste brasileiro, se instalou em algumas de suas salas que estão
com aluguel muito barato por causa da falta de demanda depois que a Petrobrás
reduziu drasticamente o megaprojeto petroleiro e petroquímico em suas
imediações. Foto: Mario Osava/IPS.
Valcir José Vieira, dono de um estacionamento
também no centro da cidade, concorda com Soares. “Entre 2006 e 2014, meu
estacionamento estava sempre cheio, entravam 200 automóveis por dia, hoje
chegam cem no máximo”, pontuou à IPS. A queda começou em novembro do ano
passado e o obrigou a reduzir o preço que cobrava por hora de R$ 5 para R$ 2.
Para a prefeitura o desastre é duplo. A arrecadação
caiu vertiginosamente, enquanto se manteve o aumento de gastos causado pelo
truncado megaprojeto e a ilusão do progresso. O Imposto Sobre Serviços,
principal renda municipal, proporcionou durante o auge da construção do Comperj
cerca de R$ 250 mil, quantia que cairá em 40% este ano, segundo a Secretaria de
Fazenda. A arrecadação de outros tributos cai igualmente, pela insolvência das
empresas em crise.
Entretanto, os gastos não diminuem. A afluência de
operários e famílias seduzidas pela expectativa de muitos empregos e
prosperidade geral do município fez aumentar a demanda por saúde, escolas e
outros serviços públicos. “O Hospital Municipal atendia 500 pessoas por dia em
seu serviço de emergência e saltou para duas mil desde 2013”, apontou Mendonça.
A prefeitura destina 30% do orçamento à saúde, o dobro do exigido por lei,
ressaltou.
Além disso, a administração municipal que deixou o
poder em 2012 contratou por concurso dois mil novos funcionários, baseada nas
novas demandas e expectativas de renda. A arrecadação de impostos sofreu uma
regressão, mas não é possível demitir os funcionários, que têm estabilidade
garantida no Brasil. É gasto que fica. Os dois secretários se queixam de que
não houve compensação do Comperj pelos impactos provocados no município,
tampouco investimentos para mitigar os efeitos danosos do abortado megaprojeto.
Diante dos fatos consumados, a prefeitura busca
alternativas de desenvolvimento. Guimarães está convencido de que a logística
será a principal atividade futura de Itaboraí. A cidade fica em um cruzamento
de várias rodovias, ainda fora do congestionamento da região metropolitana do
Rio de Janeiro, e no centro de uma área que compreende atividades petroleiras
alheias ao Comperj, como portos, estaleiros e indústrias variadas, descreveu o
secretário. Os municípios afetados pela redução do projeto se mobilizaram para
pressionar a Petrobrás para que ao menos reinicie a construção da primeira
refinaria.
Itaboraí também aposta na pequena empresa. A
Secretaria de Guimarães criou um Centro do Empreendedor, destinado a acelerar a
formação de microempresas e formalizar as que agora operam no setor informal.
Construção para pequenas obras, como reformas de casas e serviços de estética
são os negócios que mais são abertos agora. “Rivalizam com as igrejas
evangélicas”, disse à IPS o coordenador do centro, Wilson Pereira.
Fonte: ENVOLVERDE
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