Mudança
climática afeta Bangladesh.
Dezenas de mulheres esperam na fila para encher
centenas de recipientes com água em Bangladesh. Foto: Amantha Perera/IPS.
Por Amantha Perera, da IPS –
Boyarshing, Bangladesh, 28/10/2015 – Duas vezes por
semana, Kulsum Begam, de 20 anos e mãe de dois filhos, passa mais de três horas
conversando com as vizinhas nesta aldeia de Bangladesh, a 300 quilômetros de
Daca, a capital. Seu marido e familiares incentivam esse ritual, quase a
empurrando pela porta para que reencontre suas amigas. A razão desse entusiasmo
é que, enquanto Begam conversa, na realidade está fazendo fila para conseguir
água para uso da família.
Cerca de 50 mulheres esperam durante horas com seus
baldes na única fonte pública, em uma fila que anda lentamente, no povoado de Boyarshing.
Na verdade, estão rodeadas de água, pelas chuvas da última monção que inundaram
grande extensões de terras de cultivo. “Mas não podemos usar essa água para
beber ou cozinhar. Há muito sal nela”, explicou Begam à IPS, olhando ao seu
redor.
Seus problemas são comuns neste país de 156 milhões
de habitantes que enfrentam os diversos impactos da mudança climática, como
secas e inundações recorrentes, aumento do nível do mar e salinização das
terras agrícolas. Mas nem todos sofrem a crise por igual. Os 1.500 habitantes
de Boyarshing, por exemplo, têm acesso periódico a água potável, graças a um
projeto-piloto dirigido pelo Banco Asiático de Desenvolvimento, que instalou
3,5 quilômetros de tubulações.
Embora alguns se queixem de que o encanamento seja
muito estreito e se demore horas para recolher cinco litros de água, no
município próximo de Shyamnagar a situação é muito mais precária. Em destaque
na periferia de Sundarbans, o maior território de mangues em zonas de mares do
mundo, as pitorescas casas desse povoado desmentem uma realidade de pobreza e
dificuldades extremas.
Mizunur, um morador de 30 anos, ganha US$ 12 por
mês, dos quais gasta US$ 2,5 para comprar água potável em baldes de dez litros.
“Venham almoçar conosco, mas traga sua própria água”, foi o convite de
Riysshath Gain, de 65 anos, à IPS, acrescentando que o tufão Aila, que assolou
Bangladesh em 2009, destruiu muitas fontes de água doce e subterrânea nas áreas
rurais do país.
A diretora de Gestão de Mudança Climática e Risco
de Desastres do Banco Asiático de Desenvolvimento, Preety Bhandari, afirmou à
IPS, da sede da instituição nas Filipinas, que Bangladesh “realmente está
sentindo o impacto” do aquecimento do planeta. Se o aumento da temperatura
mundial superar os dois graus Celsius o país perderá, até 2050, o equivalente a
2% de seu produto interno bruto anual em gastos provocados pelo clima.
A partir daí as perdas serão mais pronunciadas,
chegando a aproximadamente 8,8% do PIB ao ano até 2100, segundo avaliações do
Banco. Até 2030, Bangladesh necessitará de US$ 89 milhões ao ano para garantir
que o país resista ao impacto. Em 2050, o custo anual da adaptação poderia
aumentar quatro vezes, para US$ 369 milhões. E o estresse financeiro é apenas
um fator do problema. Os fenômenos meteorológicos extremos apresentam um
desafio ainda maior.
A elevação em um metro do nível do mar poderia
inundar periodicamente 14% da superfície de Daca, e as zonas mais próximas a
Sundarbans terão pior sorte. O aumento da frequência dos desastres naturais
implica que a costa de 47 mil quilômetros quadrados, onde vivem 36 milhões de
pessoas, ou cerca de 25% da população, fará com que tenham que suportar mais
tempestades, ciclones e salinidade.
A produção de arroz poderia cair entre 17% e 28%, o
que seria catastrófico para o setor agrícola, que contribui com 20% do PIB e
emprega 48% da mão de obra de 60 milhões de pessoas em Bangladesh. Em Daca,
onde vivem quase 15 milhões de pessoas, as inundações repentinas são um
fenômeno comum. “Cada vez que chove durante meia hora, a cidade inunda. A água
demora três horas para escorrer, e aí já perdi o ganho de um dia”, se queixou
Hussain Mohamed, motorista de carro na capital.
Algumas intervenções funcionaram. O país conseguiu
reduzir drasticamente a mortandade provocada pelos ciclones em mais de cem
vezes nos últimos 40 anos. “Quando há um alto nível de participação
comunitária, então os programas de resiliência funcionam melhor”, apontou Afrif
Mohammad Faisal, especialista ambiental do Banco Asiático de Desenvolvimento em
Bangladesh.
É precisamente isso que fizeram os moradores de
Chenchuri, uma pequena aldeia no sudoeste do país. Em 2012, após a passagem do
ciclone Alia, fundos do Banco Asiático de Desenvolvimento, da Holanda e do
governo de Bangladesh permitiram a reabilitação de uma represa de dez
comportas.
Agora, um comitê de 572 membros locais administra a água que flui no
rio Chitra. “Quando necessitamos de água para cultivo, o Comitê decide ou os
aldeões usam o telefone celular para se comunicar com o comitê”, explicou Raiza
Sultana, um camponês cuja família vive do cultivo de arroz.
A combinação de um investimento milionário em
dólares com tecnologia acessível funcionou bem nesse caso. Os aldeões usam um
simples monitor de salinidade, que custa US$ 70, para testar as águas. Quando
este indica que o teor de sal está aumentando, bloqueiam a corrente de água
para evitar dano aos cultivos.
“A produção de arroz aqui aumentou quatro vezes, as
pessoas estão ganhando mais e têm mais controle da situação”, pontuou Munsheer
Sulaiman, presidente do comitê de gestão da água. Antes, demorava dois dias
para entrar em contato com a pessoa encarregada só para que abrisse as
comportas, explicou à IPS. Agora o comitê conta com um operador permanente das
comportas, ao qual se paga fundos arrecadados dos beneficiários ao longo dos
2.400 hectares que a represa alcança.
O sucesso do projeto se baseia em aldeões como
Sulaiman e Sultana, que se convenceram da eficiência de um enfoque de gestão
comunitária. “Estavam acostumados à velha mentalidade, quando o governo
administrava tudo”, indicou o engenheiro Masud Karim. “Tivemos que convencê-los
de que o governo não tem o dinheiro nem a capacidade para fazer isso agora”,
acrescentou.
Mas os especialistas dizem que, se o país quer
enfrentar adequadamente a realidade da mudança climática, tem que aplicar
mudanças semelhantes nas atitudes e políticas em nível nacional. “A Ásia
meridional está na primeira linha da mudança climática. É uma travessia que a
região tem que empreender e há tantas prioridades em jogo que as autoridades
responsáveis devem integrar as considerações climáticas aos objetivos de
desenvolvimento”, ressaltou Bandhari.
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário