Como
alimentar uma população crescente em tempos de mudança climática?
Até 2050, teremos que produzir comida para mais 2
bilhões de pessoas. Foto: Shutterstock.
Agir no nível local e consumir de maneira
consciente estão entre as principais formas de reduzir o impacto climático da
indústria alimentar, responsável por cerca de 50% das emissões globais de gases
de efeito estufa.
Luna Gámez, do ISA
Atualmente, 800 milhões de pessoas no mundo sofrem
com a fome, o que representa 11% da população vivendo em situação de
insegurança alimentar, segundo a Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação (FAO). Conforme indica o Relatório Mundial de Desenvolvimento
Humano das Nações Unidas, esse número pode aumentar para 1,4 bilhão
de pessoas como consequência dos efeitos da mudança climática.
“Até 2050, teremos que produzir comida para mais 2
bilhões de pessoas, o que supõe mais pressão sobre a terra e sobre a água.
Precisamos de sistemas alimentares que produzam mais com menos e que sejam
resilientes às mudanças climáticas”, disse o brasileiro José Graziano da Silva,
diretor geral da FAO.
O setor agropecuário emite 12% do total de emissões
de gases de efeito estufa, mas, se contabilizarmos as emissões indiretas de
todos os processos relacionados com a indústria alimentar, essa porcentagem
atinge entre 44% e 57% do total das emissões globais, segundo a ONG Grain (saiba mais). No Brasil,
essa porcentagem é ainda maior: 60% (leia mais).
Entre os processos indiretos responsáveis pelas
emissões figuram: o desmatamento e a queima da matéria orgânica – que em 90% das
ocasiões são produzidos como resultado da expansão da fronteira agrícola; o
transporte dos alimentos e das matérias primas; a embalagem e a refrigeração
dos produtos; e o desperdício de alimentos, cuja decomposição emite 4% do total
de emissões (leia mais sobre emissões do setor agropecuário e mudança
climática).
“Desperdício e fome são os dois lados de uma mesma
moeda”, afirmou Carlo Petrini, sociólogo e gastrônomo italiano fundador do
movimento Slow Food, no evento “Nós alimentamos o planeta”, realizado em Milão,
em outubro, pela organização SlowFood. Petrini também lembrou que nosso sistema
de produção de alimentos é capaz de alimentar 12 bilhões de pessoas, embora
população do planeta seja hoje de 7,3 bilhões – e mais de 10% sofre com fome e
malnutrição. “Este sistema esquizofrênico desperdiça 40% da comida produzida”,
informou Petrini.
Embora exista uma grande preocupação global com o
problema da fome, o Banco Mundial adverte que só 1% dos recursos financeiros
solicitados à comunidade internacional para ajudar aos países mais afetados
pelo problema são disponibilizados atualmente (leia mais). Muitos países perdem
entre 2% e 3% do seu PIB devido a problemas alimentares.
Para alguns a resposta contra a fome no mundo tem
sido a produção intensiva de alimentos. Porém, o projeto de consultoria da Trucost para a FAO
demonstra que os custos ambientais da produção industrial de alimentos atingem
US$ 3,33 trilhões por ano (quase o PIB da Alemanha).
Como reduzir as emissões no setor alimentar?
“Na minha região, muita gente perdeu as safras por
conta das chuvas e muita gente sofre com a desnutrição.Temos de mudar a forma
de produzir e consumir, mas com a mudança climática fica complicado”, disse o
jovem produtor senegalês Hady Diop, no encontro, em Milão.
A relação entre o clima e a produção de alimentos
depende diretamente do manejo dos solos (veja aqui vídeo da Via
Campesina e Grain). Quase a metade do CO2 da atmosfera provém da
destruição de matéria orgânica dos solos. Por meio do manejo sustentável e da
recuperação dos solos poderíamos conseguir estocar o carbono e aumentar a
produção de alimentos em 58%, segundo a FAO.
Metas específicas para controlar as emissões do
setor agropecuário mal são consideradas no texto que deverá ser negociado na
Conferência do Clima de Paris, que acontece em dezembro. Tampouco existem
propostas alternativas ao sistema atual de produção de alimentos.
Agir do local ao global
Movimentos sociais e organizações como a Via
Campesina, Grain ou Slow Food defendem que é preciso agir desde o nível local
até o global para enfrentar esse desafio. Em outubro, o evento “Nós alimentamos
o planeta” reuniu 2,5 mil jovens produtores do mundo inteiro, entre os quais
também figuravam cozinheiros, acadêmicos e integrantes de movimentos sociais
pela alimentação de mais de 120 países. “[O objetivo foi] juntar todos aqueles
que produzem nosso alimento para discutir de que forma teria que ser nutrido o
planeta”, disse Valentina Bianco, responsável pela região da América Latina na
Slow Food Internacional, em entrevista ao ISA.
“Precisamos tentar produzir e consumir localmente
para reduzir o transporte, o desperdício de comida e as emissões resultantes
desses processos”, disse Bianco. De acordo com ela, existem três caminhos para
alimentar o planeta e limitar o impacto da alimentação no meio ambiente:
“produzir e ser agricultor, ter uma pequena horta (que pode ser urbana) e ser
um consumidor consciente, o que chamamos de coprodutor”.
“O pessoal no campo está envelhecido, precisamos
incentivar os jovens a ficarem na terra. Eu sou jovem e vivo as dificuldades de
ser agricultor. Nós defendemos o campo com gente feliz que possa produzir
alimentos de qualidade com um preço justo, a gente só fica no meio rural se
tiver uma garantia econômica mensal”, disse Alexandre Leal dos Santos, jovem
produtor do Paraná que participou encontro em Milão.
Reunião da Comitiva Brasileira no encontro de
Milão. Mais de 50 pessoas participaram do grupo.
“Num país periférico como o Brasil, cuja vocação
sempre foi exportar coisas, hoje falamos de agricultura familiar, e isso é uma
evolução, mesmo que ainda não seja uma agricultura ecológica, pois utiliza
muito fertilizante. Mas é preciso entender que o Brasil é um lugar bastante
complexo”, expôs Ranieri Portilho Rodrigues, representante do Ministério do
Desenvolvimento Agrário do Brasil.
“Na Slow Food acreditamos que a agricultura
familiar possa ser uma resposta aos problemas de alimentação que temos
atualmente, mas precisamos que o setor político e institucional acredite e
apoie realmente esse sistema”, afirmou Valentina Bianco. Ela acrescentou que
esse movimento não só se preocupa com garantir a segurança alimentar, como
também defende a luta pela soberania alimentar, pela qual “cada pessoa tenha
direito a se alimentar com produtos próprios da sua tradição e do seu
território e conservar o patrimônio agrícola de sua cultura”.
Evento sobre alimentação indígena no encontro de
Milão.
“Se nós quisermos salvar o planeta, nós teremos que
começar por nossa alimentação. Mas nós estamos deixando as nossas comidas
tradicionais por alimentos industrializados”, afirmou, em entrevista ao ISA,
Sergio Wara, indígena Sateré Mawé e liderança do projeto Guayapí, rede de
comércio justo internacional de guaraná.
Wara também anunciou que sua comunidade apresentará, em julho de 2016, o primeiro grupo de Slow Food indígena, que será chamado de “Miuakua”.
Entre os representantes brasileiros também estavam
Marcelo Martins do Programa Xingu, do ISA, e o indígena Miaraip Kaiabi, que
apresentaram para mais de 2 mil pessoas o óleo de pequi e a pimenta do Xingu,
entre outros produtos da Associação da Terra Indígena do Xingu (ATIX). Eles
defenderam a necessidade de fortalecer a agrobiodiversidade. “Protegendo nossa
alimentação também protegemos nossa cultura”, disse Miaraip.
Fonte: Instituto Socioambiental
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