segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A América Latina e a segurança alimentar.
Um dos painéis do VI Fórum da Frente Parlamentar Contra a Fome na América Latina e no Caribe, realizado em Lima entre os dias 15 e 17 deste mês. A segunda à direita é a líder asháninka Ruth Buendía, que participou do encontro representando comunidades rurais. Foto: Aramís Castro/IPS.

Por Milagros Salazar e Aramís Castro, da IPS – 

Lima, Peru, 18/11/2015 – Os legisladores da Frente Parlamentar Contra a Fome na América Latina e no Caribe (FPF) decidiram, durante encontro realizado em Lima, no Peru, trabalhar pela aprovação de leis sobre segurança alimentar, um tema no qual o avanço regional é desigual. O VI Fórum da Frente, que aconteceu entre os dias 15 e 17 deste mês, contou com a participação de mais de 60 legisladores de 17 países da região e delegações convidadas de parlamentos da África, Ásia e Europa.

A parlamentar equatoriana María Augusta Calle, coordenadora da FPF, afirmou à IPS que o desafio é “harmonizar” essas normas para combater a pobreza e a fome na região com maior desigualdade do planeta. Foram aprovadas várias leis sobre segurança e soberania alimentar na América Latina e agora o desafio é padronizar essas iniciativas em todos os países que participam da Frente, para fortalecer as políticas em beneficio da agricultura familiar, acrescentou.

Na América Latina, 81% dos produtos que alimentam sua população provêm dos pequenos agricultores que garantem a segurança alimentar da região, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), assessora da FPF desde sua criação, em 2009. 

Doze dos 17 países já contam com normas de segurança e soberania alimentar, informou Calle. Mas esse não foi um caminho fácil, há leis que foram aprovadas após vários adiamentos.

Na abertura do encontro, a coordenadora da FPF afirmou que na região “reduzimos em 50% a fome (desde 1990), mas ainda é insuficiente. Não é possível continuarmos vivendo em um mundo onde o alimento é um negócio e não um direito. Não é possível que 80% dos que produzem os alimentos sejam os que sofrem fome”.

O caminho não é fácil, e uma mostra disso é o país anfitrião. No Peru, o projeto de lei de segurança alimentar foi aprovado somente no dia 12 deste mês pelo Congresso legislativo, após dois anos de debates. O Poder Legislativo reagiu faltando apenas três dias para o país receber o Fórum. Entretanto, a lei ainda deve ser promulgada e regulamentada pelo Executivo.
Mostra de batatas em uma feira alimentar que fez parte dos atos inaugurais do VI Fórum da Frente Parlamentar Contra a Fome na América Latina e no Caribe, realizado em Lima entre os dias 15 e 17 deste mês. A defesa alimentar e cultural dos produtos nativos faz parte do direito à alimentação defendida pelos legisladores da América Latina e do Caribe. Foto: Aramís Castro/IPS.

“Como é possível um governo fazer objeções a uma lei de segurança alimentar?”, perguntou a vice-presidente do Peru, Marisol Espinoza, durante a abertura do Fórum. Espinoza, que em outubro deixou o governante Partido Nacionalista Peruano, substituiu o mandatário Ollanta Humala, que havia sido convidado para abrir as deliberações dos parlamentares. O coordenador do capítulo peruano da FPF, Jaime Delgado, disse à IPS que espera que o Executivo promulgue a lei e não faça reparos.

A líder indígena Ruth Buendía, que participou do encontro representando as comunidades rurais, considerou que o governo deve aprovar leis para proteger os camponeses peruanos, porque recebem muito pouco por sua colheita, apesar de abastecerem os mercados das cidades. “O que o governo precisa fazer é regulamentar para seus cidadãos. Para que serve um governo que não nos defende? 

Em nossa comunidade dizemos ‘para quê tenho pai (Estado)?’. Se querem investimento, que haja, mas que regulem”, disse à IPS essa integrante do povo asháninka.

Outro tema controverso no caso peruano é o atraso por mais de dois anos na regulamentação da lei de alimentação saudável para crianças e adolescentes, promulgada em maio de 2013, que exige que as empresas produtoras de alimentos para esse grupo populacional detalhem o conteúdo dos produtos. O congressista Delgado assegurou que as companhias de alimentos pressionam para que a lei não entre em vigor, o que só é possível com sua regulamentação.

“Seria patético que, com tanto sacrifício feito pela lei, o governo nem mesmo a regulamente por se deixar levar pelos interesses empresariais”, pontuou Delgado. O legislador recordou que no Peru são investidos anualmente em publicidade de comida não saudável mais de US$ 200 milhões, segundo um estudo de 2012 do Conselho Consultivo de Rádio e Televisão, e que, em nível mundial, 80% das mortes têm sua origem na má alimentação.

A equatoriana Calle assegurou à IPS que os membros da Frente decidiram recomendar a entrada em vigor dessa lei peruana, em sua declaração final do Fórum. “Os 17 países (que integram a FPF) estão empenhados em que no Peru seja regulamentada a lei de alimentação saudável. Consideramos que é indispensável. É uma lei maravilhosa”, enfatizou.
Dançarinos camponeses dos Andes peruanos, durante um dos atos inaugurais do VI Fórum da Frente Parlamentar Contra a Fome na América Latina e no Caribe, realizado em Lima entre os dias 15 e 17 deste mês. Na região, mais de 80% dos alimentos consumidos provêm dos pequenos agricultores, enquanto, paradoxalmente, igual porcentagem da fome se concentra na área rural. Foto: Aramís Castro/IPS.

A parlamentar explicou que em seu país se conseguiu exigir das empresas de alimentos e bebidas que informem os conteúdos de seus produtos nos rótulos apesar da oposição das companhias. “No Equador temos uma experiência fabulosa (sobre comida não saudável e a rotulagem de alimentos) que gostaríamos que aqui no Peru os empresários entendessem e não se assustassem”, acrescentou.

Ao insistir que “não é possível vivermos em um mundo em que a alimentação seja um negócio”, Calle considerou que, para enfrentar esse problema, “necessitamos de governos e parlamentos comprometidos com as maiorias e não com as transnacionais”.

Outro país que conseguiu avanços foi o Brasil, onde, entre as leis a favor do direito à alimentação, destaca-se uma que fixa que ao menos 30% da alimentação escolar seja comprada dos pequenos agricultores locais, explicou à IPS Nazareno Fonseca, membro do conselho consultivo regional da FPF.

Segundo Calle, a experiência brasileira a favor da segurança alimentar, vinculada ao programa Fome Zero, é um marco para a América Latina. Ela recordou que, como ministro extraordinário de Segurança Alimentar, o responsável pela aplicação desse programa em seus cruciais primeiros dois anos (2003 e 2004) foi José Graziano da Silva, que desde 2011 é diretor-geral da FAO.

O senador espanhol José Miguel Camacho apontou que é importante que os parlamentares da América Latina e do Caribe atuem em bloco porque “ainda há muito caminho a ser percorrido e esses fóruns ajudam nesse sentido”.

Em sua declaração final o Fórum centra seus compromissos em três áreas: segurança alimentar – um tema em que a Frente trabalha uma lei marco uniforme –, alimentação escolar e experiências sobre a má alimentação por excesso e por comida não saudável.

O ministro da Saúde do Peru, Aníbal Velásquez, assegurou que se espera “que os compromissos aprovados no Fórum se traduzam em leis”, enquanto o presidente do Congresso local, Luis Iberico, afirmou que não se pode falar de cidadãos quando não se garante às pessoas direitos fundamentais e ainda existam fome e pobreza. Buendía, por sua vez, pediu aos legisladores da FPF mais presença das autoridades nas zonas rurais para reafirmar as declarações políticas.


Fonte: ENVOLVERDE

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