A América
Latina e a segurança alimentar.
Um dos painéis do VI Fórum da Frente Parlamentar
Contra a Fome na América Latina e no Caribe, realizado em Lima entre os dias 15
e 17 deste mês. A segunda à direita é a líder asháninka Ruth Buendía, que
participou do encontro representando comunidades rurais. Foto: Aramís
Castro/IPS.
Por Milagros Salazar e Aramís Castro, da IPS
–
Lima, Peru, 18/11/2015 – Os legisladores da Frente
Parlamentar Contra a Fome na América Latina e no Caribe (FPF) decidiram,
durante encontro realizado em Lima, no Peru, trabalhar pela aprovação de leis
sobre segurança alimentar, um tema no qual o avanço regional é desigual. O VI
Fórum da Frente, que aconteceu entre os dias 15 e 17 deste mês, contou com a
participação de mais de 60 legisladores de 17 países da região e delegações
convidadas de parlamentos da África, Ásia e Europa.
A parlamentar equatoriana María Augusta Calle,
coordenadora da FPF, afirmou à IPS que o desafio é “harmonizar” essas normas
para combater a pobreza e a fome na região com maior desigualdade do planeta.
Foram aprovadas várias leis sobre segurança e soberania alimentar na América
Latina e agora o desafio é padronizar essas iniciativas em todos os países que
participam da Frente, para fortalecer as políticas em beneficio da agricultura
familiar, acrescentou.
Na América Latina, 81% dos produtos que alimentam
sua população provêm dos pequenos agricultores que garantem a segurança
alimentar da região, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO), assessora da FPF desde sua criação, em 2009.
Doze dos 17
países já contam com normas de segurança e soberania alimentar, informou Calle.
Mas esse não foi um caminho fácil, há leis que foram aprovadas após vários
adiamentos.
Na abertura do encontro, a coordenadora da FPF
afirmou que na região “reduzimos em 50% a fome (desde 1990), mas ainda é
insuficiente. Não é possível continuarmos vivendo em um mundo onde o alimento é
um negócio e não um direito. Não é possível que 80% dos que produzem os
alimentos sejam os que sofrem fome”.
O caminho não é fácil, e uma mostra disso é o país
anfitrião. No Peru, o projeto de lei de segurança alimentar foi aprovado
somente no dia 12 deste mês pelo Congresso legislativo, após dois anos de
debates. O Poder Legislativo reagiu faltando apenas três dias para o país
receber o Fórum. Entretanto, a lei ainda deve ser promulgada e regulamentada
pelo Executivo.
Mostra de batatas em uma feira alimentar que fez
parte dos atos inaugurais do VI Fórum da Frente Parlamentar Contra a Fome na
América Latina e no Caribe, realizado em Lima entre os dias 15 e 17 deste mês.
A defesa alimentar e cultural dos produtos nativos faz parte do direito à
alimentação defendida pelos legisladores da América Latina e do Caribe. Foto:
Aramís Castro/IPS.
“Como é possível um governo fazer objeções a uma
lei de segurança alimentar?”, perguntou a vice-presidente do Peru, Marisol
Espinoza, durante a abertura do Fórum. Espinoza, que em outubro deixou o
governante Partido Nacionalista Peruano, substituiu o mandatário Ollanta
Humala, que havia sido convidado para abrir as deliberações dos parlamentares.
O coordenador do capítulo peruano da FPF, Jaime Delgado, disse à IPS que espera
que o Executivo promulgue a lei e não faça reparos.
A líder indígena Ruth Buendía, que participou do
encontro representando as comunidades rurais, considerou que o governo deve
aprovar leis para proteger os camponeses peruanos, porque recebem muito pouco
por sua colheita, apesar de abastecerem os mercados das cidades. “O que o
governo precisa fazer é regulamentar para seus cidadãos. Para que serve um
governo que não nos defende?
Em nossa comunidade dizemos ‘para quê tenho pai
(Estado)?’. Se querem investimento, que haja, mas que regulem”, disse à IPS
essa integrante do povo asháninka.
Outro tema controverso no caso peruano é o atraso
por mais de dois anos na regulamentação da lei de alimentação saudável para
crianças e adolescentes, promulgada em maio de 2013, que exige que as empresas
produtoras de alimentos para esse grupo populacional detalhem o conteúdo dos
produtos. O congressista Delgado assegurou que as companhias de alimentos
pressionam para que a lei não entre em vigor, o que só é possível com sua
regulamentação.
“Seria patético que, com tanto sacrifício feito
pela lei, o governo nem mesmo a regulamente por se deixar levar pelos
interesses empresariais”, pontuou Delgado. O legislador recordou que no Peru
são investidos anualmente em publicidade de comida não saudável mais de US$ 200
milhões, segundo um estudo de 2012 do Conselho Consultivo de Rádio e Televisão,
e que, em nível mundial, 80% das mortes têm sua origem na má alimentação.
A equatoriana Calle assegurou à IPS que os membros
da Frente decidiram recomendar a entrada em vigor dessa lei peruana, em sua
declaração final do Fórum. “Os 17 países (que integram a FPF) estão empenhados
em que no Peru seja regulamentada a lei de alimentação saudável. Consideramos
que é indispensável. É uma lei maravilhosa”, enfatizou.
Dançarinos camponeses dos Andes peruanos, durante
um dos atos inaugurais do VI Fórum da Frente Parlamentar Contra a Fome na
América Latina e no Caribe, realizado em Lima entre os dias 15 e 17 deste mês.
Na região, mais de 80% dos alimentos consumidos provêm dos pequenos
agricultores, enquanto, paradoxalmente, igual porcentagem da fome se concentra
na área rural. Foto: Aramís Castro/IPS.
A parlamentar explicou que em seu país se conseguiu
exigir das empresas de alimentos e bebidas que informem os conteúdos de seus
produtos nos rótulos apesar da oposição das companhias. “No Equador temos uma
experiência fabulosa (sobre comida não saudável e a rotulagem de alimentos) que
gostaríamos que aqui no Peru os empresários entendessem e não se assustassem”,
acrescentou.
Ao insistir que “não é possível vivermos em um
mundo em que a alimentação seja um negócio”, Calle considerou que, para
enfrentar esse problema, “necessitamos de governos e parlamentos comprometidos
com as maiorias e não com as transnacionais”.
Outro país que conseguiu avanços foi o Brasil,
onde, entre as leis a favor do direito à alimentação, destaca-se uma que fixa
que ao menos 30% da alimentação escolar seja comprada dos pequenos agricultores
locais, explicou à IPS Nazareno Fonseca, membro do conselho consultivo regional
da FPF.
Segundo Calle, a experiência brasileira a favor da
segurança alimentar, vinculada ao programa Fome Zero, é um marco para a América
Latina. Ela recordou que, como ministro extraordinário de Segurança Alimentar,
o responsável pela aplicação desse programa em seus cruciais primeiros dois
anos (2003 e 2004) foi José Graziano da Silva, que desde 2011 é diretor-geral
da FAO.
O senador espanhol José Miguel Camacho apontou que
é importante que os parlamentares da América Latina e do Caribe atuem em bloco
porque “ainda há muito caminho a ser percorrido e esses fóruns ajudam nesse
sentido”.
Em sua declaração final o Fórum centra seus
compromissos em três áreas: segurança alimentar – um tema em que a Frente
trabalha uma lei marco uniforme –, alimentação escolar e experiências sobre a
má alimentação por excesso e por comida não saudável.
O ministro da Saúde do Peru, Aníbal Velásquez,
assegurou que se espera “que os compromissos aprovados no Fórum se traduzam em
leis”, enquanto o presidente do Congresso local, Luis Iberico, afirmou que não
se pode falar de cidadãos quando não se garante às pessoas direitos
fundamentais e ainda existam fome e pobreza. Buendía, por sua vez, pediu aos
legisladores da FPF mais presença das autoridades nas zonas rurais para
reafirmar as declarações políticas.
Fonte: ENVOLVERDE
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