Plano de
represa ignora mudança climática.
Usina hidrelétrica Batoka, no Zimbábue. Foto:
Construction Review Online.
Por Ignatius Banda, da IPS –
Bulawayo, Zimbábue, 10/11/2015 – O governo do
Zimbábue assegura que o projeto da represa hidrelétrica de Batoka, no rio
Zambeze, irá gerar 2.400 megawatts (MW) de energia, mas ativistas alertam que o
impacto da mudança climática tornaria a obra inviável. Nos últimos dois meses,
a empresa nacional de energia reforçou o racionamento de eletricidade, com
apagões diários de até 20 horas em todo esse país da África austral.
O Zimbábue depende da energia hidrelétrica há anos,
e é um de vários países africanos que apostam nela para impulsionar seu
crescimento econômico, com a construção de represas, a um custo
multimilionário, que se espera gerem milhares de megawatts.
Não há data prevista para o início da construção da
represa de Batoka, que terá custo de US$ 3 bilhões e começará a dar lucro após
dez anos. A obra acrescentará energia muito necessária no Zimbábue, cuja
capacidade energética atual chega a 1.600 MW, enquanto a demanda supera os
2.200 MW. Uma vez que esteja concluída, o país poderá exportar energia, afirmam
as autoridades.
Porém, a crise energética paralisou a expansão
econômica e obrigou ao fechamento de grandes empresas, como a firma de produtos
químicos Sable Chemicals, que este mês foi desconectada da grade nacional, no
que o ministro de Energia, Samuel Undenge, explicou como sendo parte de uma
estratégia de curto prazo para abastecer de eletricidade outros setores.
Entretanto, essa medida obrigou a única fábrica de
fertilizantes do país a deixar de funcionar e levou ao desemprego mais de 500
pessoas, segundo trabalhadores da companhia. A empresa deve à estatal de
energia elétrica US$ 150 milhões. Segundo Undenge, 80% do Zimbábue não tem
acesso a eletricidade. Espera-se que a usina de Batoka – um projeto conjunto
com Zâmbia, que utilizará águas do Zambeze, rio transfronteiriço compartilhado
por oito países – impulsione a produção de energia e a leve a zonas rurais
remotas.
No início deste mês, o ministro declarou no parlamento
que a bacia do rio Zambeze foi afetada pela escassez de chuvas em outros
países. “A água continua fluindo para o Zambeze desde o norte, mas estamos
extraindo mais água do que entra, daí sua contínua redução”, afirmou Undenge
para explicar a diminuição na produção de energia. O baixo nível da água
preocupa os especialistas, e alguns perguntam se as represas são investimentos
viáveis no longo prazo devido à incerteza climática. De fato, a crise
energética, tanto no Zimbábue como em Zâmbia, é atribuída ao baixo nível de
água do rio Zambeze.
Pesquisadores da International Rivers, uma
organização que investiga o estado dos rios do mundo e como as populações
locais podem se beneficiar deles, alertam que os projetos de grandes represas
poderiam ser inúteis no longo prazo, devido à mudança climática e à redução da
vazão. A organização se inclina por represas menores para a geração de energia
localizada, mas estas também custam dinheiro que o Zimbábue não tem.
Em 2014, o Ministério do Clima anunciou que seriam
construídas mais represas para proteger o Zimbábue contra a incerteza
climática, mas recomendou aos consumidores industriais de eletricidade que
construíssem suas próprias usinas geradoras de energia. Na falta desses
geradores privados de energia, a represa de Batoka é apresentada como a solução
definitiva para o déficit energético, apesar das advertências de que o projeto
poderia apresentar seus próprios problemas, já que não considera a futura
realidade relacionada com o clima.
Peter Bosshard, diretor interino da International
Rivers, afirma que a bacia do Zambeze tem um dos climas mais variáveis do
mundo, o que aumentará os riscos hidrológicos da represa. “O Grupo
intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) alertou que
o Zambeze pode sofrer o pior impacto climático possível entre as onze
principais bacias fluviais da África”, afirmou à IPS. “Numerosos estudos
calculam que o caudal do rio Zambeze diminuirá entre 26% e 40% até 2050. Apesar
desses graves prognósticos, a represa proposta de Batoka não foi avaliada em
relação aos riscos da mudança climática”, acrescentou.
Porém, Hodson Makurira, hidrólogo da Universidade
de Zimbábue, discorda dessa opinião. “Isso seria uma simplificação excessiva de
uma projeção complicada e altamente incerta de fatos futuros”, enfatizou à IPS.
“Os mesmos prognósticos de mudança climática preveem aumento dos eventos
extremos, secas e inundações. Então você iria querer captar a maior quantidade
de água procedente das inundações para maior armazenamento. Isso leva a uma
amortização contra os períodos de vazão baixa”, pontuou o especialista.
Segundo Makurira, “ninguém sabe com exatidão a
redução dos caudais devido à mudança climática, por isso a construção de
represas ainda pode ter sentido econômico”.
Bosshard afirmou que o estudo de viabilidade do
projeto da represa data de 1993, “e as considerações sobre mudança climática
não foram integradas a ele”. E acrescentou que “o projeto se baseia nos dados
de caudais históricos, que não refletem realidades futuras. Os investidores,
financistas e contribuintes devem estar conscientes de que os estudos desse
projeto milionário em dólares superestima seriamente sua viabilidade
econômica”.
Mas, para o ministro Undenge, que sofre cada vez
mais pressão para resolver a crise energética do Zimbábue, nem o financiamento
e nem a mudança climática deterão o ambicioso projeto da represa de Batoka.
Fonte: ENVOLVERDE
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