Câmara adia votação de projeto
sobre recursos genéticos e conhecimentos tradicionais.
por
Oswaldo Braga de Souza, do ISA
Proposta foi fechada em reunião
com participação ativa de assessores da indústria farmacêutica, mas
representantes de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores
familiares são excluídos da negociação.
Os líderes partidários da Câmara decidiram, ontem
(12/11), adiar a votação do projeto de lei (PL) 7.735, que pretende regular o
acesso aos recursos genéticos da agrobiodiversidade e da biodiversidade e aos
conhecimentos tradicionais a eles associados (saiba mais no box no final da
reportagem). A expectativa é que o projeto seja votado na semana que vem.
Enquanto isso, por ter regime de urgência, ele segue trancando a pauta do
plenário.
Os termos gerais do texto que será levado à votação
foram detalhados numa reunião, a portas fechadas, na tarde de ontem, entre
assessores dos ministérios envolvidos (Casa Civil, Meio Ambiente, Agricultura,
Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Desenvolvimento
Agrário), da Fundação Nacional do Índio, representantes da indústria
farmacêutica e um grupo de deputados, entre eles o líder do governo na Câmara,
Henrique Fontana (PT-RS), o ruralista Alceu Moreira (PMDB-RS) e a deputada
Luciana Santos (PCdoB-PE). Em nenhum momento, permitiu-se a participação de
representantes de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores
familiares, apesar do projeto ter impacto direto sobre seus direitos.
Na sequência, a redação foi revisada pelos
assessores do governo e uma representante da indústria farmacêutica. A
reportagem do ISA teve acesso apenas a essa parte da reunião.
A proposta continua sem um relator oficial. A
bancada ruralista segue pressionando o governo para que a função seja ocupada
por Moreira, notório adversário das causas indígenas. Desde a semana passada, o
parlamentar compareceu às reuniões sobre o PL como pretenso relator, sem que
tivesse sido nomeado formalmente, e fez circular um relatório com sua
assinatura.
A tentativa dos ruralistas de impor o nome de
Moreira atropela acordo anterior, que teria sido fechado com o presidente da
Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), para nomear Luciana Santos (PCdoB-PE). Ela já
apresentou um relatório alternativo e ainda trabalha para ser relatora, mas
tudo indica que a pressão ruralista para emplacar o nome e o texto de Moreira
deve prevalecer.
Os ruralistas já obtiveram várias concessões do
governo após o tema da agrobiodiversidade ter sido incluído na proposta
original, enviada em junho e que contemplava apenas o tema da biodiversidade. O
texto de Moreira barra qualquer custo adicional ou pagamento de royalties pelo
uso de espécies exóticas cultivadas em grande escala (como soja e milho);
garante o Ministério da Agricultura como órgão de fiscalização; e, deliberadamente,
exclui o termo “povos” ao tratar dos povos indígenas e povos e comunidades
tradicionais.
Violações de direitos
O relatório de Moreira traz avanços para a pesquisa
e o desenvolvimento tecnológico em relação ao projeto original, mas segue com
uma série de violações aos direitos de povos indígenas, comunidades
tradicionais de agricultores familiares já garantidos pela legislação nacional
e convenções internacionais, avaliam representantes dessas populações e de
organizações ambientalistas.
“Há vários pontos do projeto que restringem a
repartição de benefícios para essas comunidades. Ao final, segundo a proposta,
estará garantido o acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais e
o desenvolvimento de produtos, mas pouca ou quase nenhuma repartição de
benefícios”, alerta Maurício Guetta, advogado do ISA.
“É preciso que essa repartição de benefícios inclua não apenas povos e comunidades tradicionais, mas também agricultores familiares”, aponta Juliana Santilli, promotora de Justiça e uma das principais especialistas em agrobiodiversidade do País. Ela lembra que a definição de “agricultor tradicional” incluída no texto de Moreira restringe a repartição de benefícios. Santilli também cobra que as agricultores familiares participem da gestão do fundo que o projeto pretende criar para viabilizar a repartição de benefícios.
Moreira faz questão de manter uma redação que
dificulta a repartição de benefícios pelo uso de espécies crioulas
desenvolvidas e conservadas por agricultores familiares com o objetivo de
impedir que grandes produtores rurais tenham custos adicionais com o uso dessas
espécies.
“O ótimo é absolutamente inimigo do bom, neste
caso. O projeto é um avanço e uma vitória”, discursou Moreira numa comissão
geral realizada no plenário, na terça (11/11). Ele afirmou que houve “respeito
absoluto” em relação às comunidades e povos tradicionais na elaboração da
proposta.
Na mesma reunião, representantes de povos indígenas
e comunidades tradicionais voltaram a criticar duramente o governo por não
terem sido consultados sobre o PL. “Houve um tempo considerável de debate
qualificado com segmentos interessados, mas as comunidades e povos tradicionais
foram alijados do processo”, ressaltou Joaquim Belo, presidente do Conselho
Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Ele voltou a pedir a retirada do
regime de urgência do projeto.
Depois da comissão geral, em uma reunião entre
representantes do governo e de comunidades tradicionais, o secretário executivo
do MMA, Francisco Gaetani, admitiu que a elaboração do projeto teve um “déficit
de participação” e criticou a Câmara por não discutir a proposta durante a
campanha eleitoral. “Não conseguimos fazer uma boa discussão dentro do governo,
nem com os movimentos sociais e também não estamos conseguindo discutir o projeto
dentro do Congresso”, reconheceu.
Fonte: Instituto Socioambiental
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