Caça ilegal assedia a África
austral.
por
Mabvuto Banda, da IPS
Rinocerontes
brancos da África do Sul, recuperados de sua quase extinção graças a intensos
esforços de conservação. Foto: Kanya D’Almeida/IPS.
Lilongwe, Malawi, 14/11/2014 – “Recebemos um
pagamento insuficiente, não temos armas e na maioria dos casos os caçadores
ilegais são em maior número do que nós”, contou Stain Phiri, guarda florestal
na Reserva da Natureza do Pântano de Vwaza, que em seus 986 quilômetros
quadrados possui a mais abundante e variada biodiversidade de Malawi. Também é
um dos maiores parques nacionais e dos mais assediados pelos caçadores ilegais.
É provável que os temores de Phiri resumam o motivo
pelo qual nos últimos anos aumentou na África austral a captura ilegal de
elefantes e rinocerontes, por suas presas e chifres, que depois são traficados.
“Não podemos combater os grupos de caçadores ilegais fortemente armados e
prontos para matar qualquer um que se intrometer em seu caminho”, afirmou Phiri
à IPS.
Este guarda florestal recebe por mês o equivalente
a US$ 20, que não bastam para manter sua família de seis pessoas. “Meus colegas
e eu arriscamos nossas vidas diariamente para proteger a natureza e parece que
nosso trabalho não é apreciado, porque, mesmo quando prendemos caçadores
ilegais, logo a polícia os libera”, contou Phiri.
A Lei da Natureza de Malawi, segundo Phiri, também
precisa de sérias emendas que deem poder e protejam os guardas florestais, além
de impor punições mais severas. Tudo isso, claro, se o governo levar a sério a
luta diante dos crimes contra a biodiversidade.
O relato de Phir tem eco em toda a África austral,
e permite analisar os desafios que a região enfrenta para manter parques
transfronteiriços e lidar com os crimes contra a natureza. A rede Traffic, que
vigia o comércio de biodiversidade no mundo, afirma que, em primeira instância,
é preciso que no terreno haja guardas florestais bem equipados e com recursos
suficientes para proteger os animais e impedir os saques.
A maioria dos países da África austral se tornou
cada vez mais alvo desses ladrões, porque é a região que tem a maior quantidade
de rinocerontes e elefantes do mundo, explicou à IPS o coordenador de
comunicações globais da Traffic, Richard Thomas. Na África austral há “cerca de
95% de todos os rinocerontes brancos do mundo, e 40% de todos os rinocerontes
negros”, acrescentou.
Segundo a Traffic, 25 mil elefantes africanos foram
abatidos em 2011, enquanto 22 mil foram mortos em 2012 e pouco mais de 20 mil
em 2013. Isso, segundo a organização, com base na população estimada entre 420
mil e 650 mil exemplares. No ano passado, Zâmbia perdeu 135 elefantes por culpa
dos caçadores ilegais. Em 2012, foram 124 e um ano antes 96, afirmou a ministra
de Turismo e Artes do país, Sylvia Masebo.
A situação é semelhante em Moçambique, onde a
imprensa reproduziu declarações do ministro do Turismo, Carvalho Muaria,
dizendo que a população de elefantes caiu pela metade desde o começo da década
de 1970. Atualmente restam apenas cerca de 20 mil. A Reserva de Niassa, de 42
mil quilômetros quadrados, que abriga cerca de dois terços dos elefantes de
Moçambique, possui atualmente cerca de 12 mil exemplares. Caçadores ilegais
mataram 500 no ano passado, e arrasaram os rinocerontes moçambicanos, detalhou
o ministro.
Segundo a Traffic, entre 2007 e 2013 a caça ilegal
de rinocerontes aumentou 7.700% no continente. Calcula-se que hoje em dia
existam apenas cinco mil rinocerontes negros e 20 mil brancos. No mês passado,
a África do Sul informou que perdeu, este ano, 558 rinocerontes para os
caçadores ilegais.
Mas nem todas as esperanças estão perdidas. A
África austral responde às ameaças contra sua biodiversidade mediante a
colaboração entre países que compartilham fronteiras e áreas naturais
protegidas. Um exemplo é o acordo assinado este ano entre Moçambique e África
do Sul, no sentido de frear a caça ilegal de rinocerontes, especialmente no
Parque Nacional Kruger, que compartilha uma fronteira com Moçambique. Os dois
países acordaram compartilhar informação e juntar esforços para desenvolver
técnicas contra esse flagelo.
Moçambique, considerado uma das principais rotas de
trânsito para os chifres de rinocerontes traficados para a Ásia, aprovou este
ano uma nova lei que impôs severas sanções, de até 12 anos de prisão, a quem
for considerado culpado de caçar rinocerontes ilegalmente. “As leis anteriores
penalizavam a caça ilegal, mas pensamos que esta desestimulará os moçambicanos
que participam “dessa atividade criminosa”, afirmou Muaria à IPS.
De acordo com a imprensa, a África do Sul também
avalia legalizar o comércio de chifres de rinoceronte, em uma tentativa de
limitar a demanda ilegal. A ideia é permitir a venda de chifres de rinoceronte
que tenham morrido de causas naturais.
Há dez anos, a Comunidade de Desenvolvimento da
África Austral (SADC) criou a direção de Alimentação, Agricultura e Recursos
Naturais. Desde então foram desenvolvidos e aprovados protocolos, estratégias e
programas regionais, entre eles o Programa Transfronteiriço de Uso e Proteção
dos Recursos Naturais. Dentro desse programa, está o Programa Regional de Área
de Conservação Transfronteiriça, do qual até agora se beneficiaram Malawi e
Zâmbia.
O ministro de Turismo e Natureza de Malawi,
Kondwani Nakhumwa, apontou à IPS que o projeto da Área de Conservação
Transfronteiriça do Parque Nacional Nyika ajudou a reduzir a caça ilegal na
maior reserva do país. O programa compartilhado por Malawi e Zâmbia inclui o
componente Nyika-Luangwa do Norte, em Zâmbia, que fica em um altiplano de
pradaria que se eleva cerca de dois mil metros sobre a savana arborizada e os mangues
de Vwaza.
Durante o verão, uma variedade de flores silvestres
e orquídeas floresce no altiplano, o que o converte em uma das paisagens mais
atraentes da África e o distingue da maioria de outros parques nacionais. “Por
meio do projeto, em Vwaza foram confiscadas dez armas, retiradas 322 armadilhas
de arame e presos 32 caçadores ilegais”, destacou Nakhumwa à IPS.
Humphrey Nzima, coordenador internacional do
programa Malawi-Zâmbia, apontou que desde o lançamento do projeto foi
registrado um aumento geral nas populações de animais. Estudos realizados no
Pântano de Vwaza e no Parque Nacional Nyika revelaram aumentos significativos
no número de elefantes, hipopótamos, búfalos, zebras e javalis, entre outros,
ressaltou.
A escalada da crise da caça ilegal e dos conflitos
que acontecem em muitos parques nacionais de toda a África serão um dos temas
de debate no Congresso Mundial de Parques 2014, organizado pela União
Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e que terminará no dia 19
deste mês, em Sydney, na Austrália.
“Em Sydney abordaremos esses assuntos em busca de
maneiras melhores e mais justas de conservar a excepcional riqueza natural e
cultural desses lugares”, disse Ali Bongo Ondimba, presidente do Gabão e
patrocinador do congresso da UICN.
Fonte: ENVOLVERDE
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