Desmatamento acumulado na
Amazônia cobra fatura e começa a afetar o clima, diz estudo.
Lançado na quinta (30), em São Paulo, relatório
sintetiza, pela primeira vez, cerca de duzentos dos principais estudos e
artigos científicos sobre o papel da floresta amazônica no sistema climático e
conclui que reduzir a zero o desmatamento já não basta para garantir as funções
climáticas do bioma.
Um relatório lançado nesta quinta-feira em São
Paulo (30) sintetiza, pela primeira vez, cerca de duzentos dos principais
estudos e artigos científicos sobre o papel da floresta amazônica no sistema
climático, na regulação das chuvas e na exportação de serviços ambientais para
áreas produtivas, vizinhas e distantes da Amazônia. A avaliação conclui que
reduzir a zero o desmatamento já não basta para garantir as funções climáticas
do bioma. Acesse o relatório aqui
Além de manter a floresta amazônica a qualquer
custo é preciso confrontar o passivo do desmatamento acumulado e começar um amplo
processo de recuperação do que foi destruído, que somente no Brasil alcança uma
área de 763 mil Km2, o que equivale a três Estados de São Paulo ou a 184
milhões de campos de futebol.
Conduzido pelo pesquisador Antonio Donato Nobre, do
Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais – INPE, a pedido da Articulación Regional Amazónica (ARA), o estudo O
Futuro Climático da Amazônia mostra o potencial climático da floresta pristina,
chamada pelos cientistas de “oceano verde”, e os impactos de sua destruição com
o desmatamento e o fogo. Aponta ainda as ações para conter os efeitos no clima
provocados pela ação humana sobre a maior floresta tropical do mundo.
O trabalho inova ao revelar os segredos que fazem
da Amazônia um sistema único no planeta, com funções que começam a ser melhor
compreendidas pelos cientistas. O primeiro deles é que a floresta mantém úmido
o ar em movimento, o que leva chuvas para as regiões interiores do continente,
distantes milhares de quilômetros do oceano. A Amazônia, explica o pesquisador,
tem outra peculiaridade. Ela ajuda a formar chuvas em ar limpo. É que as
árvores emitem aromas a partir dos quais se formam sementes de condensação do
vapor d’água, cuja eficiência na nucleação de nuvens resulta em chuvas fartas.
Outro segredo trazido à tona é que a floresta
amazônica não mantém o ar úmido apenas para si mesma. Ela exporta essa umidade
por meio de rios aéreos de vapor, os chamados “rios voadores,” que irrigam
áreas como o Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil e outras áreas como o
Pantanal e o Chaco, além da Bolívia, Paraguai e Argentina. “Sem os serviços da
floresta, essas produtivas regiões poderiam ter um clima inóspito, quase
desértico”, diz o autor.
Gêisers de madeira
Segundo Nobre, essa competência de regular o clima
se dá principalmente pela capacidade inata das árvores de transferir grandes
volumes de água do solo para a atmosfera através da transpiração. São 20
bilhões de toneladas de água transpiradas ao dia, o equivalente a 20 trilhões de
litros. Para se ter uma ideia, o volume despejado no oceano Atlântico pelo rio
Amazonas é de pouco mais de 17 bilhões de toneladas diariamente. “As árvores
funcionam como gêisers de madeira, jorrando esse imenso volume de água vaporosa
na atmosfera”.
Uma nova teoria física descrita no relatório
sustenta que a transpiração abundante das árvores, casada com uma condensação
fortíssima na formação das nuvens e chuvas – condensação essa maior que aquela
nos oceanos contíguos –, leva a um rebaixamento da pressão atmosférica sobre a
floresta, que suga o ar úmido sobre o oceano para dentro do continente,
mantendo as chuvas em quaisquer circunstâncias. Para Nobre, esses efeitos
favorecedores fazem da floresta a melhor e mais valiosa parceira de todas as
atividades humanas que requerem chuva na medida certa, um clima ameno e
proteção de eventos extremos.
Mas o desmatamento pode colocar todos esses
atributos da floresta em risco. Reconhecidos modelos climáticos anteciparam
variados efeitos danosos do desmatamento sobre o clima, previsões que vem sendo
confirmadas por observações. Entre elas estão a redução drástica da
transpiração, a modificação na dinâmica de nuvens e chuvas e o prolongamento da
estação seca nas zonas desmatadas. Outros efeitos não previstos, como o dano
por fumaça e fuligem à dinâmica de chuvas, mesmo sobre áreas de floresta
pristina, também estão sendo observados.
Vários estudos sugerem que a floresta, na sua
condição original, tendo perseverado por dezenas de milhões de anos, tem grande
resistência a cataclismos climáticos. Mas quando é abatida ou debilitada por
motosserras, tratores e fogo sua imunidade é quebrada. Nos cálculos de Nobre, a
ocupação da Amazônia já destruiu no mínimo 42 bilhões de árvores, ou seja, mais
de 2000 árvores por minuto – ininterruptamente –, nos últimos 40 anos. O dano
de tal devastação já se faz sentir no clima próximo e distante da Amazônia, e
os prognósticos indicam agravamento do quadro se o desmatamento continuar e a
floresta não for restaurada.
Entre as medidas mitigadoras, o estudo propõe
“universalizar o acesso às descobertas científicas que podem reduzir a pressão
da principal causa do desmatamento: a ignorância”. E é preciso agir, recomenda
o documento, que fala em um “esforço de guerra” para reverter o quadro atual.
Para Sérgio Guimarães, coordenador da ARA Regional,
O Futuro Climático da Amazônia é uma grande contribuição nesse sentido. “Nossa
intenção ao promover essa publicação é justamente tornar esse conhecimento
acessível a diversos setores da sociedade. Quando todos entenderem a
importância das florestas para nossa economia e nossa vida, com certeza estará
isso estará no centro dos nossos debates e das nossas políticas públicas”, diz
Guimarães.
O relatório contou com o apoio do ISA, da
Iniciativa Amazônia do WWF, do Observatório do Clima e do ICV.
(Com informações do WWF)
Nenhum comentário:
Postar um comentário