Aviões sobrevoam a Amazônia por
quase 200 horas para medir impacto da poluição.
por
Karina Toledo, para a Agência Fapesp
Operações realizadas no programa GOAmazon têm o
objetivo de estudar o impacto da pluma de poluentes emitida pela região
metropolitana de Manaus na química atmosférica e na formação de nuvens, entre
outros aspectos. Foto do avião alemão Halo: Divulgação/Inpe.
Agência Fapesp – Com o objetivo de estudar o que
ocorre com a pluma de poluição emitida pela região metropolitana de Manaus (AM)
– descobrir para onde vão as partículas, como elas interagem com compostos
emitidos pela floresta tropical e como afetam as propriedades das nuvens na
região –, dois aviões de pesquisa com instrumentos de última geração estiveram
sobrevoando a Amazônia durante quase 200 horas ao longo de 2014.
Foram realizadas, no âmbito da campanha científica
Green Ocean Amazon (GOAmazon), duas operações intensivas de coleta de dados: a
primeira na estação chuvosa, entre fevereiro e março, e a segunda durante o
período de seca, entre setembro e outubro.
Alguns dos resultados preliminares foram
apresentados nos dias 28 e 29 de outubro, em Washington (Estados Unidos),
durante o simpósio FAPESP-U.S. Collaborative Research on the Amazon.
“São mais de 50 pesquisadores estudando o efeito da
poluição e das atividades antrópicas em aspectos como química atmosférica,
microfísica de nuvens e funcionamento dos ecossistemas. O objetivo final do
GOAmazon é estimar mudanças futuras no balanço radioativo, na distribuição de
energia, no clima regional e seus feedbacks para o clima global”, explicou Scot
Martin, pesquisador da Harvard University, nos Estados Unidos.
O GOAmazon conta com financiamento do Departamento
de Energia dos Estados Unidos (DoE, na sigla em inglês), da FAPESP e da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), entre outros
parceiros (leia mais em:
De acordo com Martin, a cidade de Manaus e seu
entorno configuram um gigantesco laboratório a céu aberto para esse tipo de
investigação. Isso porque a capital amazonense – com várias usinas
termelétricas, quase 2 milhões de habitantes e 600 mil carros – está rodeada
por 2 mil quilômetros (km) de floresta. Na época das chuvas, a região chega a
ter níveis de material particulado tão baixos quanto os existentes na era
pré-industrial.
A primeira operação aérea, realizada no período das
chuvas e financiada pelo DoE, contou apenas com a participação do avião
americano Gulfstream-1 (G1), pertencente ao Pacific Northwest Laboratory
(PNNL).
Já a segunda operação, realizada entre setembro e
outubro, contou também com a aeronave alemã denominada Halo (High Altitude and
Long Range Research Aircraft), capaz de voar até 15 quilômetros de altura e com
autonomia de até 7 horas de voo.
O Halo é administrado por um consórcio de pesquisa
que inclui o Centro Alemão de Aeronáutica (DLR), o Instituto Max Planck (MPI) e
a Associação de Pesquisa da Alemanha (DFG). Sua participação no GOAmazon foi
possível graças ao projeto Acridicon-Chuva (Aerosol, Cloud,
Precipitation, and Radiation Interactions and Dynamics of Convective Cloud
Systems, coordenado por Luiz Augusto Toledo Machado, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Diferenças nas nuvens
As duas aeronaves partiram do aeroporto de Manaus e
foram acompanhando a pluma de poluição à medida que ela era levada pelo vento.
O planejamento da trajetória de voo foi feito de forma a possibilitar coleta de
dados dentro e fora da pluma, para comparar as medidas.
Conforme explicou Jian Wang, pesquisador do
Brookhaven National Laboratory, do DoE, foram medidas as concentrações de gases
traço, como óxido nítrico, dióxido de nitrogênio, ozônio, dióxido de carbono e
metano, e compostos orgânicos voláteis, como isoprenos e terpenos.
Também foram medidas as propriedades dos aerossóis,
como composição química, concentração por centímetro cúbico (cm³), tamanho de
partículas, propriedades ópticas (absorção ou reflexão de radiação solar). Além
disso, houve medição de propriedades de nuvens, como tamanho de gotas,
quantidade total de água, porcentagem em estado líquido e na forma de gelo.
“Foi possível observar que, durante a estação
chuvosa, a pluma está bem definida. Quando comparamos o número de partículas
sólidas dentro e fora da pluma há uma diferença de 100 vezes. São 300
partículas por cm³ fora da pluma e 30 mil em seu interior. Isso significa que a
nuvem que vai se formar em cada caso é muito diferente”, contou Martin.
O pesquisador de Harvard explicou que as partículas
de aerossóis funcionam como núcleos de condensação do vapor de água presente na
atmosfera, possibilitando a formação de gotas.
“Há uma quantidade fixa de água que, no caso da
pluma, vai se dividir em um número muito maior de núcleos. Portanto, as gotas
que formam são menores e a precipitação torna-se mais difícil”, explicou
Martin.
Segundo o pesquisador, a composição química das
partículas também é muito diferente. Dentro da pluma há uma presença maior de
sulfatos e nitratos, o que pode causar impacto na saúde pública e na formação
das nuvens.
“Essas partículas de sulfato e nitrato atraem mais
água que as partículas que têm origem orgânica e isso também altera o
desenvolvimento das nuvens”, afirmou.
Investigando processos de precipitação
Em sua apresentação, Machado mostrou dados da
campanha aérea realizada com o avião Halo. Ao contrário do observado com o G1
durante o período de chuvas, a pluma de Manaus durante a seca é menos definida,
pois se mistura com emissões oriundas da queima de biomassa, contou o
pesquisador.
“Os dados ainda estão sendo processados. Temos
apenas algumas análises rápidas feitas durante a operação para ter certeza de
que o instrumento está funcionando e para ajudar no planejamento dos voos. Mas
já é possível perceber que o potencial dessa operação é enorme”, disse Machado.
Segundo o pesquisador do Inpe, o avião alemão
contém instrumentos considerados como “estado da arte”, que foram testados pela
primeira vez em Manaus. A operação custou cerca de € 4 milhões. O valor da
aeronave é estimado em € 90 milhões.
Os objetivos do projeto coordenado por Machado
incluem entender a interação entre aerossóis e precipitação em condições
poluídas e limpas, estudar a estrutura vertical da química da atmosfera nos
dois casos, entender os transportes verticais de aerossóis e compreender as diferenças
entre as nuvens em regiões de floresta e desflorestadas.
Alguns dos voos realizados durante a estação seca
foram feitos com as duas aeronaves seguindo a mesma trajetória em diferentes
alturas, medindo propriedades de microfísica das nuvens, para possibilitar uma
comparação, contou Machado.
De acordo com o pesquisador do Inpe, isso não seria
possível apenas com um avião voando em diferentes alturas em diferentes
momentos, pois o tempo de vida dessas nuvens é curto, de cerca de 20 minutos.
“Algo que já sabíamos e foi claramente confirmado
com essas operações é que as regiões poluídas apresentam alta concentração de
gotas pequenas e as regiões mais limpas uma concentração menor, mas de gotas
maiores. No caso da nuvem limpa, essa concentração de gotas diminui da base
para o topo da nuvem, enquanto na nuvem poluída ela é mais homogênea”,
explicou.
Em entrevista à Agência FAPESP, Paulo Artaxo,
professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e um dos
idealizadores do GOAmazon ao lado de Martin, afirmou que a presença de
partículas sólidas de nitrato no interior das chamadas nuvens convectivas
profundas, que chegam a 18 quilômetros de altura, foi algo que surpreendeu os
pesquisadores.
“O nitrato é um composto altamente solúvel. A
grande pergunta é: como ele está presente na forma de aerossol sem ser
adsorvido na água das nuvens? Os mecanismos de formação dessas partículas
dentro das nuvens convectivas profundas ainda são desconhecidos e serão fruto
de intensos estudos ao longo do próximo ano”, disse Artaxo.
Uma das hipóteses, acrescentou o pesquisador da
USP, é a de que o nitrato tenha relação com um fenômeno conhecido como cloud
invigoration, ou fortalecimento de estrutura de nuvens, observado em regiões
tropicais do planeta.
“Em condições livres de poluição, as nuvens da
Amazônia apresentam altura máxima entre 3 e 4 km. Mas, quando há partículas de
aerossóis em grandes quantidades, elas adquirem uma força incomum de
crescimento, o que altera todo o balanço de radiação, o ciclo hidrológico e as
propriedades termodinâmicas da atmosfera”, afirmou Artaxo.
Os dados coletados pelas aeronaves ainda estão
começando a ser analisados e vão se somar às medidas que estão sendo feitas nos
diversos sítios terrestres de pesquisa do projeto GOAmazon, previstos para
operar até dezembro de 2015.
Fonte: Agência Fapesp
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