ONGs pedem cancelamento de
licenciamento do Porto Sul na Bahia.
por
Redação da SOS Mata Atlântica
Em documento público, chamado “Carta de Ilhéus
sobre o Porto Sul”, organizações e cidadãos denunciam os rumos que o país pode
tomar com o enfraquecimento das instituições públicas e do Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) nas análises de
projetos de licenciamento ambiental de grande impacto e solicitam das
autoridades o imediato cancelamento do projeto do Porto Sul, na Bahia.
O polêmico projeto é parte do Projeto Pedra de
Ferro, empreendimento mineral da Bahia Mineração, uma empresa da Eurasian
Natural Resources Company, sediada no Cazaquistão e com atuação na África
Ocidental, na República do Congo. O empreendimento privado pretende implantar
na Ponta da Tulha, em Ilhéus, um porto vinculado a um mineroduto e a uma jazida
mineral localizada no sertão baiano, na cidade de Caetité.
A Fundação SOS Mata Atlântica apoia as organizações
civis e as comunidades da região na luta contra a implantação desse projeto na
forma como foi concebido e tem sido avaliado. Segundo Mario Mantovani, diretor
de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, o estudo de impacto ambiental
elaborado para o processo de licenciamento do Porto Sul deveria ser precedido
de uma avaliação estratégica mais ampla por parte do Poder Público. O estudo
atual é insuficiente e frágil para mensuração dos impactos cumulativos das
diversas atividades que envolvem a implantação desse porto privado sobre os
diferentes ecossistemas – mangues, restinga, Mata Atlântica, corredor ecológico
e ambientes marinhos – além das consequências da sua localização no meio da
Costa do Cacau.
“Ficamos indignados com a postura tímida e reativa
do Ibama, que não deu atenção aos alertas e os anseios da sociedade. O órgão
desconsiderou as fragilidades do projeto e dos estudos elaborados pelo
empreendedor, no sentido de garantir proteção aos patrimônios naturais do país,
além do fato de as instituições governamentais se posicionarem ao lado do
empreendedor privado, em detrimento da parte mais frágil, a sociedade e a
natureza”.
Apesar das críticas e dos questionamentos técnicos
que têm sido levantados pela sociedade e comunidade científica desde 2008, o
projeto recebeu aprovação parcial do Ibama e é objeto de ações civis públicas.
“Milhões de pessoas que acompanham o processo de licenciamento ambiental desse
projeto no Sul da Bahia e no Brasil estão estarrecidos com os rumos que o país
pode tomar com este modelo de gestão, que despreza a natureza biodiversa e as
políticas públicas do próprio Estado Brasileiro”, escrevem as organizações.
Carta de Ilhéus sobre o Porto Sul
Estamos em Ilhéus, Sul da Bahia. Desde 2008
acompanhamos o processo de licenciamento ambiental de um desastroso projeto
denominado Porto Sul, que mesmo sob intensas críticas, obteve aprovação parcial
do IBAMA, dias antes da eleição do primeiro turno.
No dia 16 de outubro de 2014, um conjunto de
organizações da sociedade civil, abaixo citadas, acompanhou mais um evento do
Porto Sul: por seis horas assistimos audiências realizadas no Auditório da
Justiça Federal com a tentativa do Juiz Lincoln Pinheiro Costa de conciliar
duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal e Ministério
Público da Bahia, que questionam o processo de licenciamento do Porto Sul.
O Porto Sul é parte do Projeto Pedra de Ferro,
empreendimento mineral da Bahia Mineração, uma empresa da Eurasian Natural
Resources Company, sediada no Cazaquistão e com atuação fraudulenta na África
Ocidental, na República do Congo, conforme investigação feita pela Bolsa de
Londres em 2012 e 2013. Este projeto, concebido superficialmente em 2007 no
âmbito privado, indicou a Ponta da Tulha, em Ilhéus, um ponto da costa baiana
para abrigar um porto vinculado a um minerioduto e a uma jazida mineral no
sertão baiano da cidade de Caetité, sem medir as consequências de uma locação
no meio da Costa do Cacau e de um corredor ecológico concebido pelo Ministério
do Meio Ambiente, sociedade civil e pela academia. A empresa, com isso, forçou
a uma mudança de estratégia do Estado brasileiro, influenciando o traçado de
uma nova ferrovia – Oeste Leste, e a localização de um ambiente portuário em
local de alta sensibilidade ecológica – mesmo sem as garantias de viabilidade
ambiental do empreendimento.
Os questionamentos feitos pelo Ministério Público
com o apoio de especialistas da Universidade Estadual de Santa Cruz foram
insuficientemente respondidos pelos consultores do empreendimento e pelo órgão
licenciador, durante a audiência com o juiz federal. Para a sociedade civil,
ficou evidente o fraco empenho e a conivência do IBAMA ao analisar os
gravíssimos impactos sociais e ambientais sobre o território do Corredor
Ecológico Esperança Conduru, programa idealizado em 1993 pelo Ministério do
Meio Ambiente no âmbito do Programa Piloto de Florestas Tropicais (PPG-7) com
recursos do Banco Mundial e do Estado Brasileiro, alinhado à Convenção
Internacional da Biodiversidade e ás Metas de Aichi, recentemente aprovadas,em
que o país é signatário.
Esta região da Mata Atlântica é reconhecida pela
comunidade científica internacional como uma das áreas mais importantes para a
conservação da biodiversidade do planeta, especialmente porque contém
expressivos e contínuos remanescentes florestais, agroflorestas de cacau,
restingas, áreas úmidas, manguezais e recifes de coral. A região que pode ser
mais afetada está na Área de Proteção Ambiental da Lagoa Encantada e situa-se
entre duas outras Unidades de Conservação – o Parque do Conduru e o Parque da
Boa Esperança.
Os especialistas convocados pelos MPs alertam que o
Corredor Ecológico situado nesta área foi concebido na zona mais biodiversa do
Corredor Central da Mata Atlântica e por isso será severa e irreversivelmente
impactado pelo projeto do Porto Sul. A área contém habitat de muitas espécies
endêmicas ameaçadas de extinção como o mico leão da cara dourada, a preguiça de
coleira, o macaco prego de peito amarelo, o mutum do sudeste (recentemente
descoberto na região de Serra Grande) e a harpia, maior águia das Américas. O
grau de degradação que o Porto Sul pode gerar ainda é desconhecido,
especialmente porque o porto e a ferrovia poderão desencadear outros projetos,
como mineriodutos, zonas industriais e expansão urbana.
Além da fauna e flora terrestre, o ambiente marinho
inclui baleias jubarte, orcas e tubarão baleia, tartarugas, mero canapu e
recifes de corais na costa proposta para o porto. A zona marinha sob risco,
alem de sua importância para a conservação da biodiversidade e dos demais
serviços ecossistêmicos por ela prestados, é o mais importante pesqueiro da
costa sul baiana, e sustenta milhares de pescadores de Ilhéus, Uruçuca e
Itacaré.
Extensas áreas do sistema agroflorestal de cacau,
conhecido como cabruca, e plantios de roçados familiares serão afetados,
prejudicando milhares de famílias de trabalhadores rurais desta região de
Ilhéus. Desde 2012, porém, o chocolate desponta como a mais importante
esperança para o Sul da Bahia, junto com o turismo. A valorização do cacau no
mercado mundial de alimentos sinaliza pela retomada da economia regional, que
pode absorver novamente 200 mil novos empregos, como foi no período áureo do
cacau, em 1978, só que com uma nova cadeia de valor, a produção de chocolate
com cacau fino, em desenvolvimento na região desde 2003.
Na área costeira, a estrada Ilhéus Itacaré,
financiada pelo Programa de Desenvolvimento do Turismo – PRODETUR com recursos
de agências multilaterais e idealizada para superar a crise do cacau e a
estagnação econômica nos anos noventa e com isso promover o ecoturismo
regional, já sofre as consequências do projeto do porto antes do mesmo ser
construído, afetando uma economia que mobiliza 500 mil turistas por ano na
Costa do Cacau e movimenta mais de 10 mil empregos diretos.
O Estudo de Impacto Ambiental do Porto Sul foi
feito pela empresa Hydros, com uma análise fragmentada dos impactos, que acabou
sub-dimensionando os reais impactos do empreendimento e induziu a sociedade a
omitir ou desconsiderar aspectos chaves da relevância ecológica e dos riscos
para a sociedade regional.
Os questionamentos a este projeto começou ainda em 2008, em uma tentativa de diálogo com o Governo da Bahia, o maior promotor deste projeto, junto com a BAMIN/ENRC. Uma intensa mobilização da sociedade civil resultou na primeira reprovação do IBAMA em novembro de 2010, de uma área contínua ao projeto atual, reconhecendo Ponta da Tulha como uma área de altíssima importância para a conservação. Vale registrar que foram as informações independentes da academia e da sociedade civil que alertaram ao IBAMA de que a primeira área aprovada para o porto fosse revista, demonstrando a presença dos remanescentes de floresta e corais naquela área, fato antes negado pelos empreendedores e os seus consultores.
O IBAMA, depois disso, sugeriu Aritaguá, uma localidade ao lado da Ponta da Tulha, que reúne ao mesmo tempo florestas, manguezais, comunidades rurais e ribeirinhas, plantios de cacau e muitas nascentes e riachos. Mesmo com tantas evidências e confirmações da comunidade acadêmica e sociedade civil brasileira de que este local também seria desastroso, o IBAMA não conseguiu resistir à pressão política e concedeu a Licença Ambiental Prévia, sugerindo mais de trinta condições, que mesmo não cumpridas efetivamente, dão ao empreendedor as condições realizar o projeto neste local. Assim como no Projeto de Belo Monte, na Amazônia, o IBAMA se ateve a questões burocráticas e processuais, validando os interesses e distorções dos estudos do empreendedor, mesmo que eivado de contradições e descumprimentos.
A visão atual dos empreendedores e dos governos
baiano e federal é de se evitar uma pretensa insegurança jurídica do projeto,
diante das Ações Civis Públicas provocadas pelo Ministério Público, mas
esquecem que a maior insegurança se incide sobre as mais de dez comunidades
atingidas diretamente pelo projeto – como o Assentamento de Reforma Agrária Bom
Gosto e comunidades históricas como Castelo Novo , Aritaguá e Juerana, nas
margens do Rio Almada, berço da colonização brasileira desde o século XVI. A
insegurança também recai sobre os ecossistemas preciosos para a biodiversidade
da Mata Atlântica e do litoral baiano, provedores de alimentos, paisagem para o
turismo, pesca e água para os municípios de Ilhéus e Itabuna, as duas cidades
mais importantes do litoral Sul Baiano, que juntas reúnem 500 mil pessoas.
Preocupante é que o juiz de Ilhéus tornou sem efeito, à revelia da lei, Cláusula de um título executivo judicial (um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC homologado) formado entre as partes, a qual, apenas lembrando uma regra do licenciamento ambiental, vedava ao Ibama a concessão da Licença de Implantação somente depois do cumprimento de todas as condicionantes da Licença Prévia então vigente. E foi a partir dessa decisão que o Ibama, no mesmo dia, emitiu a licença sem o atendimento de condicionantes apontados pelo próprio órgão, cujo descumprimento foi apontado em Parecer Técnico do próprio Ibama datado também do mesmo dia da referida decisão judicial e da emissão da L.I. Na audiência, a exigência da Lei da Mata Atlântica, que veda que a intervenção, independentemente de compensações, comprometa a função ecológica do Corredor, foi desconsiderada pelos consultores do Governo da Bahia e da Bahia Mineração.
As organizações e pessoas que assinam esta carta
solicitam das autoridades e da sociedade brasileira o imediato cancelamento
deste projeto e a revisão conceitual do mesmo, inclusive pelas mudanças que
ocorrem no mercado internacional de commodities minerais, que afetam diretamente
esta empresa do Cazaquistão em solo brasileiro, com a queda do preço do ferro
desde 2010, e que podem inviabilizar esta logística em médio prazo.
Como testemunhas destes acontecimentos, assinamos
esta carta no dia 20 de outubro de 2014:
Mário Mantovani, da Fundação SOS Mata
Atlântica;
Suzana Pádua, do Instituto de Pesquisas
Ecológicas;
Clayton Lino, do Conselho Nacional da
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica;
Guilherme Dutra, da Conservação
Internacional do Brasil;
Renato Cunha e Ana Cláudia Fandi, do
Grupo Ambientalista da Bahia;
Peter Herman May, Sociedade Brasileira
de Economia Ecológica e Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Rui Barbosa da Rocha, do Instituto
Floresta Viva e da Universidade Estadual de Santa Cruz;
Amilcar Baiardi, da Universidade Federal da Bahia;
Marcel do Santos Silva, da Associação
dos Moradores da Beira Rio da Represa de Serra Grande;
Maria do Socorro Mendonça, do Instituto Nossa Ilhéus;
Ismail Abede, da Associação dos
Moradores da Vila Juerana;
e representantes do Assentamento Bom
Gosto, em Ilhéus.
Fonte: SOS Mata Atlântica
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