quarta-feira, 9 de março de 2016

Quem fala bem inglês não é terrorista.
Cartaz de protesto contra o primeiro-ministro britânico, David Cameron, em uma rua de Londres, em 2011. Foto: Mark Ramsay/Flickr.

Por Baher Kmal, da IPS – 

Cairo, Egito, 12/2/2016 – Você fala inglês fluentemente? Não? Então você corre o risco de se converter em terrorista! A IPS apresentou esse dilema a várias jovens muçulmanas que vivem no Cairo, explicando que essa parece ser a fórmula do primeiro-ministro britânico, David Cameron, para julgar o nível de risco das mulheres muçulmanas de caírem, passivamente, na armadilha do extremismo islâmico.

Aqui vão algumas respostas: “Este senhor deve estar brincando, não posso acreditar”, disse a estudante universitária egípcia Fatima S. M., que, como as demais consultadas, pediu para não ter o sobrenome revelado. “Isto é um insulto. O que tem a ver o idioma com esse risco?”, afirmou Fakhira H., do Paquistão, casada com um engenheiro egípcio.

“Isto é puro colonialismo. Cameron continua sonhando com o Império Britânico”, reagiu a jovem nigeriana Afunu K., que trabalha em uma empresa de exportação e importação na capital do Egito. 

“Meu Deus! Sabíamos que as mulheres muçulmanas são vítimas de estigmatização constante em todas as partes, em particular nos países ocidentais. Mas nunca esperava que fosse nesse nível”, protestou a tradutora tunisina Halima M.

Naturalmente, esta não é em absoluto uma pesquisa científica, mas um exemplo indicativo de como as mulheres muçulmanas de diferentes países e origens reagem diante da surpreendente declaração de Cameron, de que aquelas que não alcançarem um elevado nível de inglês poderiam ser expulsas da Grã-Bretanha.

Cameron sugeriu que um “nível pobre” de inglês pode tornar as pessoas “mais suscetíveis”a mensagens de grupos como o Estado Islâmico (EI). “Depois de dois anos e meio, as muçulmanas deverão ter melhorado seu inglês e nós as examinaremos. Vamos fazer em outubro o exame, que será aplicado às pessoas que chegaram recentemente com um visto de cônjuge”.

Os comentários do primeiro-ministro foram feitos no dia 18 de janeiro, ao anunciar a implantação por seu governo conservador de um fundo do idioma, no valor de US$ 28,5 milhões para as mulheres muçulmanas que vivem na Grã-Bretanha, como parte de uma campanha para “construir sua integração na sociedade”. As atuais normas britânicas de imigração exigem que os cônjuges ou companheiros sejam capazes de falar inglês antes de chegarem ao país para viverem com seus parceiros.

“Serão submetidas a mais testes depois de dois anos e meio na Grã-Bretanha”, explicou Cameron, para imediatamente ameaçar as muçulmanas dizendo não ser seguro que possam continuar nas ilhas britânicas se não estiverem melhorando o idioma inglês.Estima-se que o número de muçulmanas que vivem na Grã-Bretanha esteja em torno de 2,7 milhões, de uma população total de 64 milhões. O governo britânico considera que aproximadamente 190 mil mulheres muçulmanas (cerca de 22% do total) que vivem no país falam pouco ou nada de inglês.

“Se não são capazes da falar inglês, se não são capazes de se integrar, é possível, portanto, que se vejam diante do desafio de entender qual é sua identidade e, assim, poderiam ser mais suscetíveis à mensagem extremista”, afirmou o primeiro-ministro britânico.Cameron insistiu na vinculação entre o desconhecimento ou a pobreza no uso do idioma pelos muçulmanos e a vulnerabilidade às mensagens de grupos islâmicos radicais. “Não estou dizendo que exista algum tipo de ligação causal entre não falar inglês e se converter em um extremista, naturalmente que não”, amenizou o chefe de governo.

Curiosamente, ou não, o gabinete ministerial britânico não ratificou no último verão boreal o chamado Convênio de Istambul, uma convenção pan-europeia que estabelece normas mínimas que os governos devem cumprir na hora de abordar a violência contra as mulheres. A Grã-Bretanha havia assinado esse convênio há três anos e meio. A convenção entrou em vigor há cerca de 18 meses.

As declarações do primeiro-ministro não tardaram a ser duramente criticadas em seu próprio país. Trata-se de uma “política-apito… totalmente”, apontou Tim Farron, líder liberal democrata. A ideia de Cameron é “equivocada”, reagiu Sayeeda Warsi, ex-copresidente do partido conservador, criticando o fato de começar a fazer “políticas baseadas em estereótipos que estigmatizem as comunidades”.

Andy Burnham, porta-voz de Assuntos de Interior do gabinete na sombra do Partido Trabalhista, acusou Cameron de um “enfoque torpe e simplista”, dizendo ser “injusto estigmatizar toda uma comunidade”.“Vergonhosos estereótipos”, afirmou Mohammed Shafiq, diretor da Fundação Ramadhan, na Grã-Bretanha.

Essas são algumas reações selecionadas de uma série de pessoas que têm a possibilidade de terem suas vozes ouvidas.Mas imagine que você é uma mulher muçulmana e vive na Grã-Bretanha. Como qualquer outra mulher, já enfrenta muitos obstáculos cotidianos em uma sociedade onde a desigualdade de gênero é flagrante em todas as partes.

Também considere que esses obstáculos aumentam pelo fato de você ser uma estrangeira, e, ainda, a religião que professa acrescenta um peso adicional de estigmatização em sua mente e sobre seus ombros.Como se sentiria?


Fonte: ENVOLVERDE

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