Brasil
tem 2 biomas na lista negra do clima.
Foto: Renalle Ruana Pessoa Ramos – CC BY-SA 3.0 –
Wikipedia
Caatinga e Amazônia estão entre os ecossistemas
mais sensíveis à variabilidade climática, segundo mapa global; além das
condições naturais, pobreza aumenta riscos no Semiárido.
Por Cíntya Feitosa, do OC –
A Caatinga e a Amazônia estão entre os biomas mais
vulneráveis a variações climáticas no mundo, de acordo com um estudo publicado
na quarta-feira (17). A pesquisa pode ajudar a prever o tamanho do impacto que
a mudança climática deverá ter sobre ecossistemas no mundo inteiro e entender
quais regiões podem sofrer extinções em massa e quais resistirão ao
aquecimento. Também estão na lista dos vulneráveis a tundra, a floresta boreal,
outras florestas tropicais e os campos temperados.
O mapa da vulnerabilidade dos ecossistemas à
variabilidade climática foi realizado por um grupo de pesquisadores da Noruega
e do Reino Unido e publicado no periódico Nature. Seus autores criaram um
índice de sensibilidade da vegetação, baseado em séries de dados de satélites
sobre cobertura vegetal durante 14 anos (de 2000 a 2013) e variáveis climáticas
que influenciam na capacidade da vegetação de fazer fotossíntese: temperatura
atmosférica, disponibilidade de água e cobertura de nuvens.
No período estudado, a Caatinga e a Amazônia
responderam com maior sensibilidade à variabilidade climática em comparação com
outras partes do mundo, apresentando, por exemplo, mudanças no aspecto da
vegetação – menos verde, menos folhas novas e menos absorção de carbono do ar.
É como se os dois biomas entrassem em depressão e suas plantas deixassem de
funcionar direito.
O fator mais crítico para a Caatinga é a
disponibilidade de água: apesar de ser adaptada à seca, a vegetação do
Semiárido parece exagerar na resposta a crises hídricas prolongadas. A resposta
pode ser consistente com a desertificação da região Nordeste num cenário de
mudança climática e alto desmatamento, ou pode ser simplesmente a maneira como
o bioma lida naturalmente com falta d’água. “Pode ser que as plantas na
Caatinga sejam adaptadas à variabilidade do clima e tenham uma resposta grande,
amplificada, que é própria da maneira daquele ecossistema de lidar com
variabilidade”, disse ao OC Alistair Seddon, da Universidade de Bergen,
Noruega, principal autor do estudo.
Seddon diz que o trabalho pode ser usado para
orientar futuras pesquisas sobre as causas dessa sensibilidade, mas
principalmente para melhorar futuras previsões dos efeitos da variabilidade nos
ecossistemas, que impactam diretamente em biodiversidade, segurança alimentar e
bem-estar da população que vive na região. Ele também afirma que é importante
usar os resultados deste período para aprofundar estudos baseados em modelos
climáticos, que dão a pista de como será o clima em médio e longo prazo.
“Trata-se do próximo passo para compreender os mecanismos por trás desses
padrões.”
Cada ecossistema responde às variações de forma
diferente. Por exemplo, as florestas tropicais, como a Amazônia, apresentaram
sensibilidade à combinação de nebulosidade e variações na temperatura, que
juntas influenciam na taxa de crescimento da vegetação, provavelmente por causa
de reduções de trocas gasosas sob temperaturas mais quentes – a floresta
sufoca, mais ou menos literalmente. Os pesquisadores ressaltam que, apesar de
não ser possível associar os dados de pouco mais de uma década diretamente às
mudanças climáticas globais, causadas pela emissão de gases de efeito estufa,
as descobertas podem ter implicações para o futuro dos ecossistemas.
“Dada a importância da identificação de áreas
ecologicamente sensíveis para os serviços ecossistêmicos e redução da pobreza,
há uma lacuna fundamental de conhecimento para identificar e, em seguida,
priorizar as regiões que são mais sensíveis à variabilidade climática”, dizem
os autores do estudo.
Mapa mostra vulnerabilidade dos ecossistemas pelo
mundo, de acordo com índice desenvolvido pelos autores do estudo. Em amarelo e
vermelho, os mais sensíveis à variabilidade climática.
Para o biólogo Fabio Scarano, diretor-executivo da
Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, o estudo revela a
necessidade de mais projetos de restauração e atenção especial ao cumprimento
do Código Florestal e efetividade do CAR (Cadastro Ambiental Rural) na região coberta
pela Caatinga. “A aplicação da lei e a restauração nessa região devem ser
prioritárias.” Um estudo de 2015 liderado pelo pesquisador do Inpe Gilberto
Câmara mostra que, mesmo com o Código Florestal, o desmatamento na Caatinga
pode continuar até depois de 2050 – seria o único bioma do Brasil no qual a
devastação não se estabilizaria. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, a
Caatinga já perdeu 46% de sua cobertura florestal original.
Scarano acredita que o plano climático apresentado
pelo Brasil às Nações Unidas para o acordo do clima pode contribuir para
políticas mais eficientes na região, embora só existam metas para restauração
na Amazônia. O planejamento de restauração também não deve ser simples, uma vez
que ainda não existem dados de monitoramento de desmatamento no bioma – que
ocupa 11% do território nacional, mas só tem 7,5% de unidades de conservação,
sendo que pouco mais de 1% delas são de proteção integral, de acordo com o
Ministério do Meio Ambiente. Também de acordo com informações do ministério, as
áreas de proteção ambiental têm baixo grau de implementação.
Câmara mostra-se preocupado com o mal que a
confluência entre desmatamento, mudança climática e séculos de agricultura
insustentável podem fazer com a sociedade no Semiárido. Ele menciona uma série
de dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), que mostra quebras de
safra expressivas no Ceará após 2010: à exceção de 2011, todos os anos até 2014
tiveram quebras maiores que um terço da produção agrícola.
“Num clima mais ameno do que o atual a situação do
Semiárido já era crítica. Qualquer mudança, mesmo moderada, no clima e na
precipitação irá inviabilizar a agricultura da Caatinga.”
* Publicado originalmente no site Observatório do
Clima.
Fonte: ENVOLVERDE
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