segunda-feira, 7 de março de 2016

Antes de tudo, os direitos da mulher.
Mahawa Kaba Wheeler, diretora de Mulheres, Gênero e Desenvolvimento da Comissão da União Africana. Foto: Cortesia da Comissão da União Africana.

Por Baher Kamal, da IPS – 

Cairo, Egito, 15/2/2016 – Apesar de todos os desafios que a África enfrenta, os líderes de seus 1,2 bilhão de habitantes decidiram focar sobre o tema dos Direitos Humanos com Especial Ênfase nos Direitos da Mulher, durante sua 26ª cúpula realizada em Adis Abeba, na Etiópia, entre os dias 21 e 31 de janeiro. Por quê? Em entrevista à IPS, MahawaKaba Wheeler, diretora de Mulheres, Gênero e Desenvolvimento da Comissão da União Africana (CUA), órgão executivo da União Africana (UA), explicou que chegou o momento de atuar para aliviar a quantidade enorme de barreiras à igualdade de gênero.

“Estas incluem, entre outras, exclusão econômica e sistemas financeiros que perpetuam a discriminação da mulher, sua limitada participação na vida política e pública, falta de acesso à educação e escassa assiduidade das meninas nas escolas, violência baseada no gênero, práticas culturais nocivas, exclusão das mulheres das mesas de paz, seja como mediadoras ou como integrantes das equipes de negociação das partes em conflito”, afirmou Wheeler,nascida na Libéria.

A UA tem plena consciência de que a eliminação dessas barreiras, que impedem as mulheres de desfrutarem plenamente de seus direitos humanos, pode potencializar todo o continente, acrescentouWheeler, da sede da CUA na capital etíope.A uma pergunta sobre o papel social, econômico e político da mulher na África, explicou que o continente está em um ponto de inflexão, pois emerge como “uma das regiões de mais rápido crescimento econômico do mundo, com níveis de crescimento que variam entre 2% e 11%”.

“Embora as mulheres contribuam enormemente para as economias africanas, continuam sendo afetadas de forma desproporcional pela pobreza, a discriminação e a exploração”,advertiu Wheeler. As desvantagens socioeconômicas que enfrentam se refletem nas manifestas desigualdades em matéria de acesso ao mercado de trabalho, direito à propriedade e à obtenção dos serviços sociais, incluindo saúde e educação. E mais: até agora as mulheres africanas não estão incluídas como atores de pleno direito nos processos que determinam o impacto sobre suas vidas.

Wheeller recordou que o tema na 26ª cúpula da União Africana deriva da declaração de 2016 como Ano Africano dos Direitos Humanos com Especial Ênfase sobre os Direitos da Mulher, um ano com “importantes marcos” na agenda das mulheres, seja no continente ou em nível mundial. Em escala continental, este ano coincide com o 30º aniversário da entrada em vigor da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1986, e o começo da segunda fase da década das mulheres africanas 2010-2020.

Em nível mundial, 2016 comemora 36 anos da aprovação da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Cedaw) considerada como a declaração internacional de direitos da mulher, bem como o 21º aniversário da Declaração de Pequim e sua Plataforma de Ação, de 1995, que é essencial nas políticas globais de igualdade de gênero.

Quanto às razões pelas quais as mulheres africanas ainda enfrentam esses enormes obstáculos, Wheeler apontou à IPS que “a chave é que a cultura africana é em grande parte patriarcal. Por esta razão, o controle da família e o poder de decisão pertencem aos homens, daí a capacidade de fazer políticas e de influir nas normas sociais também pertencem a eles”.

Em consequência, “os responsáveis políticos homens costumam manter um firme controle sobre as funções especificas de gênero. Isto cria um ciclo vicioso, do qual a África ainda não está livre. Resultado: o papel tradicional da mulher na África é considerado como o de dona de casa”, pontuouWheeler.Sobre a participação política das mulheres africanas, a alta funcionária da CUA explicou que foi feito um enorme progresso no continente.
Mahawa Kaba Wheeler responde a uma pergunta, durante entrevista coletiva em Adis Abeba, capital da Etiópia, onde fica a sede da União Africana. Foto: Cortesia da Comissão da União Africana.

De fato, 15 Estados africanos figuram entre os 37 primeiros da classificação mundial de participação feminina nos parlamentos nacionais com mais de 30%: Ruanda (63,8%), Seychelles (43,8%), Senegal (42,7%), África do Sul (42%), Namíbia (41%), Moçambique (39,6%), Etiópia (38,8%), Angola (36,8%), Burundi (36,4%), Uganda (35%), Argélia (31%), Zimbábue (31,5%), Camarões (31,3%), Sudão (30,5%), Tunísia (31,3%).

Porém, enquanto Ruanda é líder mundial em matéria de representação parlamentar das mulheres, fica para trás quando se trata de mulheres em cargos executivos. Por outro lado, Cabo Verde tem o maior número de mulheres em cargos ministeriais na África: dos 17 ministros de seu governo, nove são mulheres, afirmou Wheeler.“Além disso, dos 54 chefes de Estado e de governo africanos, três são mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, a presidente de Maurício, AmeenahGurib-Fakim, e a presidente interina da República da África Central, Catherine Samba Panza”, acrescentou.

Nesse sentido, Wheeler explicou que a UA estabelece que as mulheres representem 50% dos cargos de tomada de decisões. “Até agora, a UA é a o único órgão multilateral que mantem uma paridade de gênero em seu mais alto nível de tomada de decisões. Além de uma mulher na Presidência da CUA, há cinco comissárias e cinco comissários e são feitos esforços para que o princípio de paridade de gênero se filtre paraos seus demais órgãos e instituições, como a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, bem como o Tribunal Africano, onde as mulheres são maioria”, destacou Wheeler.

Para a UA, com as mulheres representando metade da população africana, o êxito da paridade de gênero criaria um efeito dominó em muitos setores da sociedade, na medida em que mais mulheres forem incentivadas a aspirar postos de direção.“Contar com mulheres em posições de liderança não só conduz a uma melhor qualidade de vida para elas próprias, como também para suas famílias em geral e as crianças em particular. Não pode haver verdadeira democracia em um país onde as mulheres estejam insuficientemente representadas nos postos de tomada de decisão”, destacou Wheeler.

Enquanto são reconhecidos os grandes avanços em matéria de participação política, as africanas continuam sofrendo uma discriminação significativa. Segundo Wheeler, em alguns países membros da UA, a legislação e as constituições nacionais afetam negativamente a participação da mulher na vida pública e política, ao limitar seu papel por meio de cláusulas de exclusão ou discriminatórias.

Embora muitas constituições articulem um compromisso com a igualdade de gênero, as normas consuetudinárias podem minar seriamente esse compromisso, porque há muitos assuntos que afetam as mulheres nas esferas jurídicas regulados pelos hábitos e pelas tradições, destacou a diretora da CUA.

Perguntada por mais dados sobre a situação das mulheres africanas, cujo papel é crucial na produção de alimentos, agricultura e segurança alimentar, Wheeler explicou que sua contribuição não coincide com os benefícios que derivam do setor do investimento em geral, que as beneficia pouco.“Enquanto as mulheres africanas produzem mais de 60% da agricultura, constituem mais de 50% da população rural e continuam sendo as principais guardiãs da segurança alimentar, há pouquíssimo investimento nelas para produzir resultados de acordo com essa participação e que as ajudem a utilizar seu potencial”, ressaltou.

Como exemplo, Wheeler afirmou que dedicam 80% de seu tempo à produção agrícola ou aos setores secundários relacionados, sua contribuição à produção de alimentos, o cuidado da família e atividades de assistência social, bem como no setor informal, mas essa contribuição não é contabilizada no produto interno bruto, nem nas estatísticas das contas nacionais.

“Além disso, as mulheres não têmdireitos à terra e carecem de acesso às infraestruturas agrícolas, incluídas tecnologia da agricultura moderna, insumos, créditos e serviços de extensão e capacitação, e a maioria delas não tem acesso à infraestrutura física porque residem em zonas rurais sem acesso a boas estradas, água ou eletricidade entre outros”, prosseguiu a diretora da CUA.

“Como a maioria das mulheres não é dona da terra, produzem a maior parte dos produtos agrícolas como simples arrendatárias, inclusive sem direitos de herança”, indicou Wheeler. Como consequência, as africanas constituem a maioria da população que vive na África com menos de US$ 1 por dia.

Quanto à saúde, Wheeler explicou que na África os desafios relacionados ao gênero se manifestam em várias formas, incluindo uma inaceitável alta mortalidade materno-infantil. A saúde materna é um indicador essencial, não somente da situação da mulher, mas também do estado de saúde e bem-estar da sociedade em seu conjunto,ressaltou.

Segundo dados de 2012, mais de meio milhão de mulheres morrem por causas vinculadas à gravidez e ao parto. Especificamente, 99% dessas mortes ocorrem nos países em desenvolvimento, dos quais 50% na África, com exceção da região norte do continente. Para cada morte, pelo menos outras 20 mulheres sofrem enfermidades ou lesões relacionadas ao parto ou à gravidez.

“O risco de morrer durante a gravidez ou no parto na África (excluindo o norte do continente) é de uma em cada 22 mulheres, em comparação com uma para cada oito mil mulheres no mundo industrializado. Além disso, existem inúmeras provas de que 80% dessas mortes poderiam ser prevenidas mediante ações simples e de baixo custo”, concluiu Wheeler.


Fonte: ENVOLVERDE

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