quarta-feira, 9 de março de 2016

Pessoal médico é vítima em zona de guerra.
As consequências de um bombardeio em Alepo, na Síria, em fevereiro de 2014. Foto: FreedomHouse/ccby 2.0.

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 15/2/2016 – O crescente bombardeio indiscriminado em três dos países com mais conflitos – Afeganistão, Síria e Iêmen – faz um grande número de vítimas entre o pessoal médico e humanitário, além dos milhares de civis presos em meio aos enfrentamentos entre as forças governamentais e rebeldes. As bombas lançadas pelos Estados Unidos, em outubro de 2015, contra um hospital da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), em Kunduz, norte do Afeganistão, e o ataque das forças regulares da Síria contra centros de saúde são apenas dois exemplos dos perigos que rondam o pessoal humanitário.

Além disso, os ataques impedem que esses trabalhadores atendam as populações assediadas que mais precisam deles. Quando morrem trabalhadores que oferecem assistência médica, também fica em perigo a saúde de muitas pessoas, lamentaram as organizações Médicos pelos Direitos Humanos, Fundação Open Society e MSF. Com a destruição de hospitais e centros de saúde, milhares de pessoas doentes e feridas não têm a quem recorrer, afirmaram especialistas.

A assistente de programas da Médicos pelos Direitos Humanos, Elise Baker, apontou à IPS que os cinco anos de guerra civil na Síria se caracterizaram por campanhas deliberadas e orquestradas por forças governamentais para destruir a infraestrutura de saúde e apontar contra o pessoal médico nas zonas controladas pelos rebeldes. “É apenas mais um elemento da campanha contra a população civil, que viola diretamente o princípio fundamental de distinção e está previsto nas leis que regem as guerras e que proíbem apontar contra objetivos e populações civis, como hospitais e escolas”, ressaltou.

Outra prova de que os ataques contra centros médicos fazem parte de uma campanha deliberada é que a assistência humanitária, incluídos os suprimentos médicos e remédios, é distribuída principalmente por Damasco, observouBaker. As forças governamentais obstruíram a distribuição de suprimentos médicos e outros insumos vitais para as zonas controladas pela oposição, ou só deixaram passar comboios dos quais confiscaram os produtos para a saúde.

Segundo Baker, a organização Médicos pelos Direitos Humanos registrou em um mapa os ataques contra hospitais, no qual incluiu os que “se acredita foram acidentais ou, segundo o jargão militar, resultados de danos colaterais”. A especialista acrescentou que a organização “está profundamente preocupada com as denúncias de ataques contra hospitais no Iêmen”, e explicou que não está claro se a coalizão encabeçada pela Arábia Saudita aponta diretamente contra hospitais ou se estes são vítimas do bombardeio indiscriminado, bem como a população e os objetivos civis.

O ano passado foi o pior em relação a ataques contra centros de saúde na Síria, segundo a Médicos pelos Direitos Humanos, com as forças governamentais sendo responsáveis pela maioria dos mais de cem incidentes registrados. Entre março de 2011 e novembro de 2015, foram documentados 336 ataques contra 240 centros de saúde na Síria, 90% deles cometidos por Damasco e seus aliados, também responsáveis pela morte de 96% dos 697 trabalhadores da saúde.

O mapa interativo também inclui fotos e vídeos. Em novembro, a organização divulgou o informe AlepoAbandonada: Estudo de Caso da Atenção Médica na Síria, onde detalha os ataques do governo contra os centros de saúde.O porta-voz da Organização das Nações Unidas (ONU), StephaneDujarric, confirmou que esta recebeu uma carta de Riad pedindo que as agências humanitárias abandonem com urgência as zonas controladas pelos rebeldes hutis no Iêmen. “Houve uma troca de cartas entre a missão permanente da Arábia Saudita e nossos colegas do Escritório de Assuntos Humanitários”, afirmou.

“O que posso dizer é que a ONU continua pedindo a todas as partes em conflito que permitam o acesso dos trabalhadores humanitários aos locais forem necessários, e que o acesso seja livre e sem condições, naturalmente também para os suprimentos humanitários”, acrescentou Dujarric. O porta-voz afirmou que “também é importante assinalar que todas as partes envolvidas nesse e em qualquer outro conflito devem fazer todo o possível para proteger o pessoal humanitário”.

Bakerindicou à IPS que é ilegal as partes beligerantes usarem armas de forma indiscriminada em zonas civis. Ela explicou que esses atos violam outro princípio fundamental que rege as guerras,pelo qual todo ataque deve ser proporcional e deve considerar o dano contra as populações civis, porque os benefícios militares poderiam ultrapassar o dano contra objetivos civis, e, “claramente, esse princípio não se aplica no Iêmen”.

Primeiro, o Conselho de Segurança da ONU deve condenar todas as violações com a maior severidade possível, pontuou Baker. Permitir que continuem afetará décadas de trabalho em leis destinadas a aliviar o inferno que significam as guerras para a população civil, acrescentou.Segundo, o Conselho de Segurança tem o poder de enviar esse tipo de situação ao Tribunal Penal Internacional, mas, como temos visto, os cinco membros permanentes do Conselho (China, Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Rússia) preferem manter o impasse.

Baker disse que ,”no caso da Síria, China e Rússia impedem a tomada de medidas mais fortes, e, no caso do Iêmen, os outros três apoiam a coalizão árabe. “Por isso, o Conselho de Segurança, encarregado de manter a segurança e a paz internacionais, fracassou estrepitosamente, e cabe à população civil da Síria e do Iêmen, bem como de outros lados, pagar o preço, frequentemente com vidas”, destacou.

Inclusive, acrescentou, sua organização documentou incidentes nos quais forças do governo da Síria atacaram várias vezes o mesmo hospital em um curto espaço de tempo, ou vários centros de saúde em uma pequena área geográfica. O fato indica claramente que Damasco tenta destruir a atenção médica nas áreas controladas pela oposição.

A Médicos pelos Direitos Humanos registrou sete ataques contra o hospital M10, o principal centro de traumatologia de Alepo, quatro deles ocorridos em dez dias, entre 23 de junho e 3 de julho de 2014. Os últimos ataques aconteceram nos dias 28 e 29 de abril de 2015. O hospital estava operacional antes do início da guerra e não fica em local escondido, detalhou Baker.

No dia 7 de agosto de 2015, entre 10 horas da manhã e uma da tarde, forças de Damasco bombardearam cinco hospitais na localidade de Idlib. No dia seguinte, atacaram outro centro de saúde no mesmo lugar. E, nos dias seguintes, as forças regulares lançaram outro ataque contra mais três hospitais em Idlib. Os nove centros de saúde atacados em quatro dias ficam a cerca de 48 quilômetros de distância entre si. E todos estavam a pelo menos nove quilômetros de distância da primeira linha e nenhum perto de uma base ou área militar. Além disso, cinco dos nove hospitais já haviam sofrido ataques das forças regulares em outras oportunidades.


Fonte: ENVOLVERDE

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