A
urgência de recobrir o Brasil.
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Oportunidades na economia florestal mobilizam
investidores, ONGs e academia no rastro dos compromissos climáticos.
Por Sérgio Adeodato*
Reza o dito popular, atribuído originalmente ao
poeta cubano José Martí, que o ser humano somente se realiza por completo após
ter um filho, escrever um livro e plantar uma árvore. Das três partes dessa
missiva, a última, à primeira vista, parece a mais simples. Mas não no caso do
cultivo de mudas para recompor ambientes de floresta natural e recuperar áreas
degradadas, atividade que se tem mostrado bem mais complexa e cara do que
normalmente se imagina.
E agora mobiliza grande esforço por parte de
cientistas, ambientalistas e economistas – no País e em várias partes do mundo
– para o desenvolvimento de um modelo apto a torná-la viável na escala
compatível com a urgência do combate à mudança climática e da conservação de
recursos vitais, como a água.
O caminho exige fazer contas e gerar receita
mediante o uso sustentável, conforme mostra esta primeira reportagem da série
sobre restauração florestal.
No Brasil, os primeiros números da difícil
matemática, divulgados em janeiro como resultado de um estudo inédito conduzido
pelo Instituto Escolhas, retratam o volumoso custo da empreitada: até 2030 será
necessário um investimento total de aproximadamente R$ 52 bilhões (R$ 3,7
bilhões ao ano) para tornar factível o plano de restaurar 12 milhões de
hectares, conforme o compromisso brasileiro de mitigar a emissão de gases de
efeito estufa, anunciado em dezembro na conferência da ONU sobre clima, em
Paris.
O cálculo considera o plantio de 50% da área
durante 21 anos com espécies exóticas, como o eucalipto, que deverão ser
substituídas por árvores nativas após 25 a 30 anos. Nessas condições, o modelo
prevê taxa de retorno financeiro de 4%, mediante exploração de madeira, e disso
resultaria a criação de 215 mil empregos. Além da arrecadação de R$ 6,5 bilhões
em impostos, o empreendimento permitiria a construção de toda uma cadeia produtiva
(coleta de sementes, viveiros de mudas, laboratórios, maquinário, serviços de
manutenção) capaz de paralelamente resolver o passivo ambiental do agronegócio.
“Estamos na largada da corrida e precisamos de
atletas para isso”, adverte Roberto Kishinami, um dos coordenadores do estudo,
ao reforçar a importância do investimento em qualificação técnico-profissional
neste momento preparatório. De acordo com o pesquisador, o Brasil cultiva
atualmente 350 mil hectares de floresta por ano, o que corresponde a pouco mais
de um terço do necessário para o País cumprir a atual meta, e, dessa área,
menos de 1% com árvores nativas.
O quadro requer rapidez para romper a defasagem: “O
próximo passo, em 2016, será refinar os dados e mapear os métodos de plantio de
floresta ambiental, social e economicamente mais vantajosos, em regiões
prioritárias na Amazônia e Mata Atlântica, biomas abrangidos pelo estudo”. A
modelagem incluirá outras fontes de receita, como o aproveitamento de produtos
não madeireiros e a remuneração por serviços ecossistêmicos dentro do conceito
de ecologia da paisagem [1].
O fator mudança no uso da terra [2]
tem sido apontado como a bola da vez no debate climático global, o que poderá
significar aumento do fluxo de recursos para soluções, entre as quais está a
restauração florestal. “O engajamento do setor financeiro na reunião de Paris
foi notório e o Brasil tem tudo para se destacar com investimentos em estoques
de árvores que fixam carbono”, ressalta Roberto S. Waack, membro da Coalizão
Clima, Florestas e Agricultura, iniciativa que encomendou a modelagem econômica
da restauração ao Instituto Escolhas e pretende acessar recursos de fundos
internacionais para o tema.
O capital privado, segundo Waack, tem sido ator
relevante no jogo, o que reforça a importância de tornar o plantio de florestas
economicamente mais atrativo. Com a redução das incertezas científicas e o
aumento das regulações globais e nacionais, a lógica inverteu-se: “Hoje, não
investir em tecnologias de baixo carbono é que representa risco ao patrimônio”,
diz. Criar sistemas de gestão em land use (uso da terra), incorporando novos
modelos de silvicultura, é estratégico para a competitividade das empresas.
Uma das iniciativas brasileiras mais recentes é o
projeto MapBiomas, que em 2016 começará a divulgar mapas anuais de cobertura do
solo em todo o Brasil de forma barata, rápida e atualizada, com possibilidade
de comparar dados históricos desde 1985. A principal inovação é o processamento
de imagens de satélite tendo como base a plataforma Google Earth Engine. A
tecnologia disponibiliza dados em nuvem para fácil acesso a pesquisadores nas
diferentes regiões, eliminando barreiras que antes tornavam o trabalho
inviável.
“A ideia foi preencher a lacuna de informação sobre
a dinâmica do uso da terra no Brasil para melhorar as estimativas de emissões
de gases de efeito estufa”, explica Carlos Silva, pesquisador do Instituto do
Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e um dos coordenadores do projeto,
promovido pelo Seeg/Observatório do Clima em cooperação com ONGs, universidades
e empresas. O mapeamento facilitará a aplicação do Novo Código Florestal [3],
além de monitorar áreas protegidas e apontar oportunidades para restauração.
“O País precisa achar os meios para aumentar a
cobertura florestal, porque não poderá voltar atrás no compromisso registrado
na ONU”, afirma Maurício Voivodic, diretor-executivo do Instituto de Manejo e
Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), organização que auxilia pequenos
produtores de cacau e eucalipto a recuperar a mata nativa.
Em sua análise, “faltam condições políticas e
econômicas ao País para desatar esse nó”. O Plano ABC — Agricultura de Baixo
Carbono previu em 2010 a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens
degradadas até 2020, parte mediante plantios florestais, mas até agora
atingiu-se apenas um quinto da meta, segundo Voivodic.
Avanços mais expressivos são esperados após a
aprovação do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) –
marco legal que definirá como as reservas legais poderão ser exploradas
economicamente, hoje no Ministério do Meio Ambiente para ajustes após consulta
pública entre janeiro e agosto do ano passado. No horizonte de 20 anos, o plano
prevê a recuperação de 390 mil hectares nos primeiros cinco anos e estabelece
medidas para sensibilização da sociedade, aumento da quantidade e qualidade de
sementes e mudas, fomento ao mercado de produtos e serviços de restauração
florestal, desenvolvimento de mecanismos de incentivo e expansão de assistência
técnica.
“O desafio está em mudar a visão dos tomadores de
decisão, mostrando que plantar árvores pode gerar mais renda do que as
atividades que as destroem”, destaca Rubens Benini, coordenador da agenda de
restauração da TNC Brasil. A ONG iniciará estudos econômicos da restauração em
2016, tendo até hoje contribuído para repor 11 mil hectares de vegetação nativa
em dez Estados, com um total de 29 milhões de árvores.
Para Benini, uma importante questão a ser resolvida
é a estruturação de uma base genética para espécies nativas, repetindo o
esforço empreendido para o eucalipto. “Não estamos falando apenas de clima, mas
de segurança alimentar, garantia de água e redução da pobreza.” Em razão desses
fatores, e também dos benefícios de outros insumos básicos que podem ser obtidos
de árvores, como a geração de energia, o tema da restauração florestal compõe a
agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecida pelas
Nações Unidas no ano passado com metas para 2030.
A questão, antes restrita ao círculo ambientalista
e às universidades, chegou aos bancos e tende a ser considerada, por exemplo,
na liberação de crédito rural. Márcio Macedo, gerente da área de meio ambiente
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tem a
expectativa de significativo aumento da demanda por financiamento [4]
de plantios de floresta: “Após o acordo climático de Paris, o tema ganhou
importância global e o fluxo de recursos para a atividade deverá crescer”. O
banco está estruturando um fundo ambiental de R$ 1 bilhão a partir de recursos
captados lá fora – “um plano ambicioso, que dependerá de qualificação técnica e
bons projetos”.
Em plantios florestais de menor escala com espécies
nativas, o custo chega a R$ 14 mil por hectare, mas no caso de áreas
regeneradas naturalmente, sem cultivo de mudas, o valor cai para R$ 3 mil a R$
5 mil por hectare. Experimentos de campo têm chegado a modelos mais baratos.
“Na Mata Atlântica e na Amazônia, a redução de custo atingiu 50%, em média, com
uma combinação de espécies nativas e adubação verde”, revela Ricardo Rodrigues,
pesquisador da Universidade de São Paulo/Esalq, em Piracicaba (SP). E o retorno
financeiro com a exploração de madeira superou as expectativas. “Queremos agora
medir o valor dos ganhos com os serviços ecossistêmicos da restauração.”
Os negócios podem ser favorecidos pelo surgimento
de mecanismos de mercado, como a compra e venda de Cotas de Reserva
Ambiental (CRA) [5], em desenvolvimento no Instituto BVRio. O
presidente executivo, Pedro Moura Costa, é otimista: “A ficha está caindo; é
maior o engajamento de produtores rurais e tudo indica que o setor deslanchará
quando a situação econômica melhorar”.
Outro mecanismo, recém-lançado pela instituição, é
a bolsa de comércio de madeira, com plano de movimentar US$ 200 milhões até
dezembro. Como suporte às transações foi criado um aplicativo para que
compradores (construtoras, serrarias, fabricantes de móveis, atacadistas e
exportadores) possam rastrear a origem do produto ao passar o telefone sobre o
código de barras da guia que o acompanha.
O Serviço Florestal Brasileiro estima que menos da
metade das toras extraídas na Amazônia tem origem legal e sustentável. Mudar o
cenário de competição desleal do produto predatório, que não paga impostos, é
uma condição para a chegada de investimentos. Para o suprimento da demanda
brasileira, estima-se a necessidade de multiplicar por dez a atual área de
produção de madeira rastreada, até 2030. Plantar árvores é uma das soluções.
[1] Método que considera não apenas as reservas legais
das propriedades rurais isoladamente, mas os benefícios ambientais, econômicos
e sociais obtidos pela conexão delas com outras áreas de mata, em uma
perspectiva mais ampla.
[2] É a principal fonte de emissões da economia
brasileira, no total de 486 milhões de toneladas de carbono, segundo dados do
Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa (Seeg) – 2015.
[3] O passivo ambiental a ser restaurado nas
propriedades, após a implementação do Cadastro Ambiental Rural, é estimado em
20 milhões de hectares.
[4] Lançado em 2015, o BNDES Restauração Ecológica
já recebeu 78 projetos para restauração de 20 mil hectares na Mata Atlântica,
totalizando R$ 281 milhões.
[5] Mecanismo previsto no Código Florestal, no qual um
proprietário sem Reserva Legal pode compensar o passivo comprando “cota” de
floresta em outra área.
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