Lei de
patrimônio genético: uma ‘leimonada’?
Povos indígenas são uns dos principais responsáveis
pelos conhecimentos tradicionais sobre a biodiversidade. Roça do povo indígena.
Foto: Tuiuka | Beto Ricardo – ISA.
Governo apresentou proposta de decreto para
regulamentar legislação.
Representantes de comunidades indígenas e tradicionais têm novo desafio para garantir seus direitos enquanto grandes empresas pretendem flexibilizar ao máximo qualquer tentativa de controle de suas atividades.
Representantes de comunidades indígenas e tradicionais têm novo desafio para garantir seus direitos enquanto grandes empresas pretendem flexibilizar ao máximo qualquer tentativa de controle de suas atividades.
Por Nurit Bensusan*
Dizem que quando se tem em mãos um limão, metáfora
para algo azedo e difícil de engolir, o melhor a fazer é transformá-lo numa
limonada, uma bebida agradável e, portanto, mais fácil de engolir.
Talvez essa seja a intenção da Casa Civil, quando
colocou em discussão uma minuta de decreto sobre a Lei 13.123/2015. Essa é a
lei que trata do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento
tradicional. A lei reflete sua elaboração e tramitação: um processo
desequilibrado, onde o setor privado, usuário do patrimônio genético e do
conhecimento tradicional, teve grande parte de seus interesses contemplados,
enquanto os detentores de conhecimentos tradicionais tiveram seus direitos
desrespeitados e afrontados.
A lei remeteu um significativo conjunto de temas
para a regulamentação, ou seja, para que ela fique de pé, apesar de já estar em
vigor, há necessidade de um decreto que regulamente muitos de seus
dispositivos. Após sucessivos adiamentos, na véspera do Natal, o governo, por
meio da Casa Civil, apresentou uma minuta de decreto para
discussão. A informação que circula é de que a minuta deverá entrar em consulta
pública em março e assim deverá permanecer por cerca de um mês. Depois disso, o
governo irá recolher as contribuições e fechar o texto final. Ainda não se sabe
quando o decreto será publicado exatamente.
Em que pese os inúmeros problemas que o texto
apresenta, é nítido o esforço que foi realizado no sentido de dar mais atenção
aos clamores dos detentores de conhecimento tradicional – naturalmente muito
insatisfeitos com a lei – e de tentar garantir alguns de seus direitos (para
ajudar na análise da minuta de decreto, o ISA preparou um guia da minuta).
Os debates acerca da minuta, porém, dão conta que
fazer da lei uma “leimonada”, isto é, transformá-la em algo mais palatável para
os detentores de conhecimento tradicional e para aqueles preocupados em
assegurar seus direitos, será uma tarefa difícil, quiçá impossível.
A Lei 13.123/2015 causou estragos que não podem ser
revertidos com sua regulamentação. Por exemplo, ao separar o patrimônio
genético do conhecimento tradicional, criando a possibilidade de sistemas
distintos de acesso, a Lei estabeleceu uma forma de usar o patrimônio genético
brasileiro, muitas vezes resultado das atividades das comunidades humanas que aqui
viviam e vivem, sem nenhuma consulta, sem nenhuma autorização, de forma
automática.
São limitados os avanços que a minuta traz no
sentido de dar mais garantias aos povos indígenas, comunidades tradicionais e
agricultores tradicionais de que seu conhecimento será acessado de forma
apropriada e com a concordância deles. Ainda assim, o texto tem sido alvo de
críticas do setor privado, que parece entender qualquer tentativa de
verificação, fiscalização e controle por parte do governo como um obstáculo inaceitável
às suas atividades.
É compreensível que as empresas queiram garantir
que o novo marco legal crie um ambiente positivo para seus negócios, mas isso
certamente não acontecerá sem que os direitos mais fundamentais dos detentores
de conhecimento tradicional sejam garantidos. A almejada segurança jurídica,
que contribuiria, segundo o setor privado, para fomentar o uso e a geração de
inovação a partir de nossa biodiversidade, não virá sem o reconhecimento do
papel dos povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores e do
conhecimento tradicional nos processos que geram e mantêm a biodiversidade e
consequentemente o patrimônio genético.
Limão ou limonada? Façam suas apostas…
(ISA/ #Envolverde)
* Nurit Bensusan, especialista em
Biodiversidade e coordenadora adjunta de Política e Direito do ISA.
Fonte: Instituto Socioambiental
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