Ameaças
contra Sakamoto são um alerta para jornalistas de todo o Brasil.
O jornalista na ONU, em 2015, falando sobre
trabalho escravo. Foto: ONU/Divulgação.
Blogueiro do UOL e líder da ONG Repórter Brasil não
é uma vítima isolada entre jornalistas; mas pode ser símbolo de um movimento
necessário pela democracia.
Por Alceu Luís Castilho*
Leonardo Sakamoto costuma encarar as violências
verbais de seus leitores com uma dose de humor. Desta vez está sendo
impossível. Após ter um texto sobre aposentados distorcido em um arremedo de
jornal mineiro, está sofrendo ameaças de morte. “A situação tem piorado
bastante”, escreveu, nesta quarta-feira. Os difusores de ódio querem vingança.
Não por causa da mentira que foi propagada por pseudoprofissionais. Mas por sua
defesa sistemática dos direitos humanos.
O caso diz respeito a todos os jornalistas do
Brasil. A categoria está sendo economicamente massacrada. Atordoada, sem rumo
definido. Precisa, porém, achar forças para sair ao menos das cordas do
fascismo. A redefinição dos rumos profissionais, neste novo mundo sem carteira
assinada, precisa ser acompanhada pela reafirmação de seu papel na garantia dos
direitos humanos fundamentais. E é por isso que o caso Sakamoto se torna um
símbolo.
O jornalista se tornou conhecido pelo trabalho na
ONG Repórter Brasil, especializada no combate ao trabalho escravo. Mas ganhou
notoriedade com seu blog no UOL, onde se afirmou na defesa de direitos das
minorias. É professor da PUC-SP e cientista político – condição evocada pelo
jornaleco mineiro para distorcer suas afirmações irônicas, como se ele tivesse
defendido que aposentados devem morrer. (Estava justamente dizendo o
contrário).
Contexto adverso
Na década de 70 boa parte dos jornalistas era
engajada. Muitos eram comunistas. Até mesmo em chefias de redação. Lutavam
contra a ditadura. A partir dos anos 80 o perfil começou a mudar. E o
individualismo dos anos 90 (quando Sakamoto estudava Jornalismo na USP, em São
Paulo) atingiu em cheio as redações – que, desde os anos 2000, começaram a ser
esvaziadas. Cargos de editores e colunas foram sendo cada vez mais ocupados por
defensores das ideias dos patrões.
Defensores de direitos passaram a ser encarados
como uma espécie de extraterrestres nas redações. Como se estivessem defendendo
uma revolução, e não conquistas da humanidade afirmadas pelo próprio
capitalismo no pós-guerra. Salvo exceções, esses jornalistas particularmente
atentos às suas funções foram para as bordas da grande imprensa. Um dos grandes
méritos de Sakamoto foi mostrar que existe espaço, sim, para esse tipo de
profissional. Demanda. Leitores.
A exposição teve consequências. A personalidade
forte do blogueiro (ou até mesmo sua figura física, inconfundível), seu texto
claro, didático e seu estilo por vezes blasé, recheado de ironias conta os
difusores do ódio, acabaram formando um séquito de admiradores e catalisando a
fúria dos internautas mais intolerantes, aqueles entre a barbárie e a extrema
direita, legitimados nos últimos anos por uma política pusilânime dos portais e
do Ministério Público.
Sakamoto não é vítima de inocentes criadores de
memes. É vítima de fascistas. E é como tais que eles precisam ser encarados.
Não é preciso ser jornalista para combater o fascismo. Mas chamam a atenção
certos silêncios. Os sindicatos do setor esvaziaram-se. E se afirmam como os
principais distraídos em relação a essa escalada contra a liberdade de
expressão. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) tornou-se um arremedo
da instituição que lutou contra a ditadura.
Enquanto isso, longe dos grandes centros,
jornalistas menos conhecidos continuam sendo assassinados – e o número tem
aumentado. Ou calados. Um colunista sergipano foi condenado por escrever uma
crônica – uma ficção – sobre um desembargador coronelista. Assistimos a tudo
isso sem a ênfase necessária. Como se fosse admissível a existência de
liberdade de expressão em apenas algumas ilhas de democracia. E os ovos foram
sendo chocados. Agora estouram na metrópole, supostamente mais à vista do poder
político. E há quem não queira enxergar.
Reação necessária
Não é preciso ser de esquerda para defender
Sakamoto e cada jornalista ameaçado pelo exercício de sua profissão. Basta ter
algum apego por esse mínimo de democracia em que vivemos. Advogados,
organizações de direitos humanos, sindicatos e partidos (partidos que ainda
tenham algum ponto de contato com a democracia efetiva, não apenas os joguinhos
do poder) precisam olhar para esses e outros casos com a plena consciência de
que não se trata apenas de uma reivindicação corporativa. E sim de compromisso
com o país.
O envolvimento de outros setores da sociedade,
porém, não exclui a necessidade de mobilização da categoria. Individualmente, o
jornalista acionou seus advogados. Mas é preciso bem mais que isso. A
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) tem sido uma voz
isolada em relação à violência contra jornalistas em manifestações. Outras
iniciativas precisam ser tomadas. Jornalistas que trabalham em um campo
contra-hegemônico lidam com algumas situações específicas e talvez seja esta a
hora de começarem a se comunicar melhor e com mais frequência.
Fonte: Outras Palavras
Nenhum comentário:
Postar um comentário