Meio ambiente sob ameaça no Congresso.
Projetos tentam alterar os procedimentos de
licenciamento ambiental para acelerar investimentos; mesmo criticada,
iniciativa no Senado pode ser aprovada este mês
Por Étore Medeiros, da Agência Pública –
O plenário do Senado Federal está prestes a aprovar a
primeira de uma série de iniciativas que tentam alterar as regras de
licenciamento ambiental no Brasil. Batizado de modelo fast-track, por ter como
principal objetivo acelerar a emissão de licenças ambientais para obras de
infraestrutura consideradas estratégicas, o padrão estabelecido no Projeto de
Lei do Senado nº 654 de 2015 elimina a obrigatoriedade de audiências públicas
com os impactados pelos empreendimentos e impõe prazos apertados para os órgãos
que auxiliam os processos de licenciamento, como a Fundação Nacional do Índio
(Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Apresentado em setembro, o PLS 654/2015 tramitou
apenas na Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional. O colegiado foi criado
pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), em agosto, para acelerar
a tramitação dos projetos que compõem a Agenda Brasil – conjunto de ações
legislativas que, se aprovadas, levariam, em tese, ao crescimento da economia
do país. Tocadas com pressa, em apenas uma comissão, as iniciativas têm sido
pouco debatidas pelos parlamentares.
Aprovada na comissão especial, a proposta quase foi
votada logo que chegou ao plenário, em novembro de 2015. Isso não aconteceu,
segundo o senador Romero Jucá (PMDB-RR), autor do PLS 654/2015, para que
modificações pudessem garantir a chancela de outras instâncias. “É um pequeno
atraso que vai se configurar como avanço, porque vai facilitar a aprovação na
Câmara, que é uma Casa mais difícil, e também na sanção [presidencial] do
projeto”, disse o parlamentar à Agência Pública. Segundo Jucá, as últimas
modificações têm sido feitas em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e o
senador Jorge Viana (PT-AC).
O senador Romero Jucá (PMDB-RR) em
sessão do Congresso Nacional para votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e do orçamento de 2016. Foto: Gustavo Lima/ Câmara dos Deputados
Cartório
Presidente da Associação Brasileira dos Membros do
Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), Luis Fernando Cabral Barreto
Junior observa que o tempo dos procedimentos amparados pela ciência, como os
licenciamentos, é diferente do tempo do capital e dos políticos, o que torna o
processo de obtenção das licenças um incômodo para os empreendedores. “Embora
tenha sido visto como coisa cartorária, o licenciamento ambiental é um
mecanismo de prevenção de danos, que possibilita saber os riscos de um
determinado empreendimento e como minimizar alguns impactos, evitar os que
podem ser evitados e compensar aqueles inevitáveis”, explica Barreto Junior,
que é promotor de Justiça de Meio Ambiente do Maranhão.
“Um prefeito assume uma cidade e quer fazer uma
avenida nova e inaugurá-la ainda nos quatro anos de mandato. Ela não está
prevista no plano diretor, digamos; exige um estudo, pois pode aterrar um
mangue, por exemplo. Mas ele quer logo licitar e começar a construir. Na lógica
privada é a mesma coisa: o investidor não quer perder uma janela de
oportunidade em determinado setor, pois tal país está disposto a comprar certo
produto, então ele não quer que o licenciamento ‘dificulte’ a vida dele”,
observa Barreto Junior. “Os estudos têm que ser feitos com seriedade até para
resguardo dos próprios investimentos.”
Segundo Maurício Guetta, advogado do Instituto
Socioambiental (ISA), já existem prazos que não são muito longos e hoje os
órgãos não conseguem atendê-los por falta de investimento, estrutura e
capacidade. “Mas esses prazos são ainda mais reduzidos pelo projeto, de uma
maneira muito abrupta, e os órgãos não terão condição de cumpri-los, pelo
próprio tamanho dos processos, pela complexidade das análises técnicas”,
critica. O ISA lançou um manifesto de
repúdio ao PLS 654/2015 que contou com o apoio de outras 135 instituições
socioambientais e movimentos sociais.
Além do prazo apertado – apenas 20 dias para a
elaboração do termo de referência com informações sobre populações indígenas e
povos tradicionais, áreas de importância ambiental e bens culturais protegidos
–, a consulta aos atingidos e o tempo necessário para fazê-la não está
garantida pelo texto do PLS 654/2015. “Não há nenhum momento de participação,
com a retirada da previsão de realização de audiências públicas. Isso significa
que as populações afetadas não terão sequer conhecimento dos impactos que
cairão sobre elas, muito menos poderão se manifestar. Essa supressão da
participação também viola gravemente a Constituição e a legislação
infraconstitucional”, critica Guetta, do ISA. Ele lembra que o Brasil é
signatário da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, um
tratado que obriga a consulta prévia aos índios e às populações tradicionais em
caso de qualquer interferência nas terras por eles ocupadas.
Outro ponto grave no modelo fast-track, na análise do
advogado do Instituto Socioambiental, é a expedição de uma licença única em
substituição ao modelo atual, que contempla licenças prévia, de instalação e de
operação. “Para empreendimentos de alto impacto, como são os de infraestrutura
disciplinados por esse projeto, é imprescindível que haja o licenciamento
tríplice. A própria natureza e as características do empreendimento exigem que
a sua implantação se dê em fases, e que as análises do órgão ambiental
acompanhem isso”, disse.
Ofensiva
A iniciativa agrava o embate entre a pressa para se
erguerem empreendimentos de infraestrutura e a preocupação de que eles sejam
instalados de forma adequada, respeitando direitos e a legislação. “Temos uma
clara tentativa de desmonte da legislação sobre licenciamento ambiental”,
lamenta Guetta. Ao lado de outras instituições, o ISA tem demonstrado
preocupação não só com o PLS 654/2015, cuja tramitação está mais avançada, mas
com diversos outros projetos de lei apreciados pelo Congresso Nacional e que
têm como objetivo alterar pontualmente ou radicalmente os procedimentos de
emissão de licenças ambientais.
Também no Senado, de autoria do senador Delcídio do
Amaral (PT-MS), o PLS 602/2015 pretende criar um Balcão Único de Licenciamento,
que desburocratizaria os procedimentos de emissão de licenças ao colocar em um
único colegiado representantes de todas as instituições envolvidas. O problema
é que, assim como o texto de Jucá, a iniciativa de Delcídio prevê prazos
curtos, como apenas oito meses para a emissão da licença prévia. Também do
petista, o PLS 603/2015 quer priorizar as emissões de licenças para o
aproveitamento de potenciais hidrelétricos, o que facilitaria os planos do
governo federal de construir uma série de usinas na Amazônia.
Na Câmara, o perfil das proposições é mais amplo e foi
sintetizado no substitutivo elaborado pelo deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP)
para o Projeto de Lei nº 3.794, de 2004, ao qual estão apensadas outras 13
proposições – isto é, elas tramitam em conjunto. Batizada de Lei Geral do
Licenciamento Ambiental, a proposta tem alguns pontos positivos, como a
ampliação da transparência, da participação social, segundo a Seção Sindical no
Ibama do Sindicato dos Servidores Públicos Federais no DF (Sindsep-DF), que participou
da consulta pública feita pelo deputado para o PL.
Os pontos negativos, entretanto, existem, como aponta a seção no
Ibama do Sindsep-DF: “Nos causa grande preocupação a possibilidade de
simplificação do processo de licenciamento, sem que haja nenhuma definição de
conteúdo e métodos mínimos a serem utilizados em processos simplificados,
resultando no sentimento de que a preocupação atendida nesses dispositivos do
PL limita-se à ampliação da eficiência do processo de licenciamento ambiental,
sem a contrapartida de assegurar um mínimo de qualidade – resultando assim em
significativo risco de esvaziamento do instrumento licenciamento ambiental, nos
casos em que houver simplificação.”
A Agência Pública apurou que servidores da área
ambiental do governo federal também têm críticas ao projeto de Jucá, que,
acreditam, seria uma encomenda do Ministério de Minas e Energia, comandado pelo
mesmo PMDB do senador. A falta de audiências públicas é uma das principais
queixas, já que muitos avanços teriam sido conquistados em procedimentos de
licença anterior graças a contribuições das comunidades impactadas e de
pesquisadores que atuam nas regiões analisadas. Já os prazos estabelecidos,
embora curtos, seriam passíveis de cumprimento – e ainda serviriam
eventualmente de ferramenta de pressão por mais contratações. Acontece que a
maior parte dos licenciamentos no país não é feita pelo Executivo federal, mas
pelos estaduais, o que causa preocupação.
Ainda no Senado, ambientalistas estão atentos ao PLS
559 de 2013, do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), que alça à condição
de obra estratégica qualquer empreendimento estatal a partir de R$ 500 milhões,
o que incluiria boa parte das iniciativas do governo entre aquelas que podem
ser beneficiadas pelo projeto de Jucá. Sócio-fundador do ISA, Mário Santilli
alerta ainda, em artigo, para a Medida
Provisória 700 de 2015, que repassa do poder público para as empreiteiras a
prerrogativa de desapropriação de terras e bens nas regiões destinadas a
grandes obras.
Aos projetos que tramitam no Congresso soma-se a
iniciativa apoiada pelo Executivo de revisão das resoluções nº 1 de 1986 e nº
237 de 1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Elas são a base do
trabalho de análise para a emissão de licenças. As alterações propostas também
incluem a criação de um licenciamento ambiental unificado, além do tríplice, e
mesmo neste caso abrem brechas para o enfraquecimento das audiências públicas e
para o não cumprimento de condicionantes ambientais – ou seja, autorizando o
avanço de uma etapa sem que os requisitos da anterior tenham sido integralmente
cumpridos.
Beneficiados
Jucá classifica o próprio projeto como “extremamente
urgente para o desenvolvimento do país” e garante que os termos estabelecidos
pela proposta darão conta de proteger o meio ambiente e as populações
atingidas. “Nós queremos o controle ambiental, com um licenciamento sério.
Agora, a desculpa do licenciamento ambiental não pode ser feita no sentido de
atrasar investimentos que são estratégicos para o Brasil. Tudo tem que ser
dosado. O que estamos fazendo é criar um equilíbrio e a sustentabilidade do
processo de licenciamento”, justifica o senador.
Para Maurício Guetta, do ISA, a crise econômica e os
graves problemas financeiros por que passam as empreiteiras envolvidas na
Operação Lava Jato – responsáveis pela implantação de muitos empreendimentos de
infraestrutura – levaram o governo federal e setores econômicos a buscar
soluções rápidas para ‘salvar’ essas empresas. Isso foi feito utilizando o
argumento de que a retomada do crescimento econômico do país se daria com
grandes obras de infraestrutura. Ele ressalta ainda a ironia da estratégia.
“Essas empresas estão envolvidas em atos de corrupção, inclusive em obras de
infraestrutura, e se pretende utilizar justamente o modelo corrupto e que não
deu certo como tentativa para retirar o Brasil da crise econômica.”
A corrupção e o clamor social pelo seu fim têm servido
para fazer uma cortina de fumaça em torno dos projetos que representam riscos
de retrocesso ambiental, acredita Luis Fernando Cabral Barreto Junior,
presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio
Ambiente (ABRAMPA). “Nos dá a impressão de que não há visibilidade suficiente
sobre o que está acontecendo com a questão ambiental. As pessoas estão focadas
na corrupção, então eles estão aproveitando a oportunidade para não discutir
esses projetos com a sociedade. Como a ditadura fazia, quando queria aprovar um
pacote, fazia no carnaval”, reclama, em referência aos 10 dias de consulta pública feitos
no CONAMA, durante a folia e criticada também
pelo Ministério Público Federal.
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