Aliança
para fortalecer a economia da floresta amazônica.
Associada aos contratos referendados pelas
comunidades, garantem transparência e confiança nas cadeias de valor
envolvidas. A primeira foi implantada em 2011, neste ano já somam 10 nas
Reservas Extrativistas e 6 nas Terras Indígenas da região.
Extrativistas e indígenas unem forças e criam rede
de “cantinas”, que promete dinamizar a economia em Reservas Extrativistas e
Terras Indígenas na Terra do Meio (PA).
Por Letícia Leite, do ISA –
Em quatro anos, os ribeirinhos da Terra do Meio, no
centro-sul do Pará, implantaram 16 pontos de troca e comercialização de
borracha, castanha, farinhas e outra dezena de produtos da floresta.
Batizada
de “cantina”, a iniciativa começou nas comunidades extrativistas, mas não
demorou para os índios embarcarem no projeto. Ele já foi adotado nas três
Terras Indígenas da região, onde existem ainda sete Unidades de Conservação
(UCs).
Ao todo, 10 comunidades em três Reservas
Extrativistas (Resex) já têm a sua cantina. Outras seis estão funcionando nas
TIs do povo Arara, Xipaya e Curuaya. Em janeiro, as populações dessas áreas
reuniram-se na cidade de Altamira (PA) e criaram a Rede de Cantinas da Terra do
Meio.
“A cantina não é do cantineiro, é da comunidade”,
diz Raimundo Freires da Silva, 47, morador da Resex Riozinho do Anfrísio,
primeira UC a adotar o modelo na Terra do Meio. Silva foi escolhido cantineiro
pelos ribeirinhos e trabalha em frente de casa. Diariamente, recebe a produção
dos vizinhos, que levam castanha, óleo de copaíba e seringa já processada em
blocos de borracha e trocam por alimentos e produtos industrializados, que vão
desde arroz, sal, açúcar até lanternas, combustível, linhas e barbantes, entre
e outros itens que normalmente os extrativistas teriam de viajar dias de barco
até a cidade para comprar, ou encarar o alto preço dos regatões, comerciantes
que passam de barco pelas comunidades ribeirinhas.
I Encontro de Cantineiras e Cantineiros da Terra do
Meio aconteceu no dia 15 de janeiro em Altamira (PA). O encontro reuniu
representantes das 16 cantinas da região.
Se preferir, o ribeirinho pode trocar a produção
por dinheiro. A garantia da venda dos produtos da floresta na Terra do Meio
veio a partir de termos de cooperação firmados com compradores externos e pactuados
com a comunidade. Todos os produtos são tabelados, o lucro e a prestação das
contas de cada produto comercializado são definidos e compartilhados em
assembleias envolvendo todas as famílias. O modelo recebe apoio técnico do ISA,
que auxiliou a implantação das cantinas em 2011.
A Rede de Cantinas da Terra do Meio foi o pontapé
para novas formas de comunicação, cooperação e trocas permanentes entre as
cantinas da região. Na reunião de janeiro, definiram-se estratégias comuns de
ribeirinhos e indígenas para transporte da produção e sua comercialização nos
centros urbanos. A rede é também fundamental para a discussão de problemas e
soluções comuns do dia a dia das cantinas.
O cantineiro é responsável por administrar um
pequeno capital de giro formado com apoio de parceiros técnicos e comerciais,
como a empresa suíça Firmenich, que utiliza o óleo de copaíba como fixador de
seus cosméticos e as brasileiras Mercur, principal compradora da borracha, e
Wickbold, que usa a castanha da região na produção de pães.
Antes os índios não se davam muito bem com os
extrativistas e agora (com as cantinas) estamos nos unindo cada vez mais, conta
Raimundo da Silva, cantineiro da Terra do Meio.
Ano passado, os contratos em vigor foram renovados
e um novo contrato foi estabelecido em relação à castanha, durante a Semana do
Extrativismo, promovida pelo ISA e associações de moradores das três Resex da
Terra do Meio.
Raimundo da Silva esta animado com os resultados da
criação da rede. Na reunião em janeiro, foram firmadas parcerias para gerenciar
estoque, frete e logística entre extrativistas e indígenas. Serão divididos
custos de armazenamento e combustível para o transporte em barcos dos produtos.
“Antes, os índios não se davam muito bem com os
extrativistas”, explica Silva. “Agora estamos nos unindo cada vez mais e nos
unindo a gente vai ficar cada vez mais forte para brigar por nossos direitos”,
acrescenta.
Cantina na comunidade Morro do Anfrísio, Resex
Riozinho do Anfrísio.
As cantinas não são apenas um incentivo para a retomada
das atividades produtivas na Terra do Meio. Para empreender no ofício, Silva
participa de cursos de formação, aprendeu a ler e fazer contas. Hoje, já começa
a passar a limpo as contas e anotações do caderno para o computador.
Diferente
de tempos recentes, hoje ele vive com a esposa Francisca de Nazaré e oito
filhos na Resex Riozinho do Anfrísio. A família toda frequenta a escola. O
filho mais novo é o que tem mais tempo de estudo já que a escola é novidade na
Terra do Meio. Já são 15 escolas, todas em funcionamento há menos de três anos.
As cantinas da Amazônia
Inspirada nos barracões que pertenciam aos chamados
patrões da seringa, as cantinas eram lugares em que os seringueiros do século
passado deixavam a produção de borracha em troca de alimentos de primeira
necessidade. Sobrava pouco dinheiro e muitas vezes dívidas no saldo de meses
nos seringais.
Hoje, os extrativistas da Terra do Meio estão
reescrevendo essa história. Um deles é escolhido pela comunidade e administra a
cantina e o capital de giro. “As cantinas têm sido o modelo de organização dos
produtores, espaço de comercialização de mercadorias, compra dos produtos da
floresta, gestão coletiva de capital de giro e coração do arranjo produtivo
regional e, em seu desenvolvimento, está sendo pensado pela rede como um espaço
público, também de educação”, explica o antropólogo Augusto Portigo, que há 15
anos apoia o fortalecimento da organização social e econômica de populações
extrativistas. Ao envolver diferentes produtos florestais não madeireiros
trabalhados por ribeirinhos e indígenas, as cantinas são um frequente
aprendizado. “O modelo já é uma referência em transparência das cadeias
produtivas para as comunidades e aldeias envolvidas”, completa.
Sobre a Terra do Meio
A Terra do Meio é formada pelas Reserva
Extrativista (Resex) do Rio Iriri, Resex Riozinho do Anfrísio, Resex Rio Xingu
e Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, Estação Ecológica (Esec)
da Terra do Meio, Parque Nacional (Parna) da Serra do Pardo e as Terras
Indígenas Cachoeira Seca, Xipaya, Curuaya, cobrindo assim uma área protegida de
8,48 milhões de hectares, conectados por uma malha de rios.
O extrativismo na região é um instrumento para que
a floresta sobreviva à pressão de madeireiros e da pecuária ilegal. Os produtos
da Terra do Meio são extraídos de regiões isoladas. Cerca de 300 famílias estão
espalhadas em três Resex, com 1,5 milhões de hectares de floresta protegidos no
Pará, distantes até 400 km de rio do centro urbano de Altamira.
Fonte: Instituto Socioambiental
Nenhum comentário:
Postar um comentário