Tradição
das hortas se perde em Cuba.
José Leyva, de 61 anos, caminha junto aos pés de
feijão cultivados em sua pequena propriedade, onde convivem os cultivos para
venda e a horta para autoconsumo familiar, no povoado de Horno de Guisa, na
província de Granma, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Por Ivet González, da IPS –
Habana, Cuba, 29/4/2016 – Há algumas décadas, todas
as casas camponesas de Cuba estavam escoltadas por uma horta para abastecer a
mesa familiar, chamadas de conuco, um nome de raízes indígenas que segue
vivo entre camponeses de vários países caribenhos.As famílias baseavam suas
refeições diárias nos cultivos saudáveis que cresciam na horta de casa, sem
receber muitos cuidados ou produtos químicos.
Inclusive plantavam condimentos e alimentos
diferentes daqueles destinados à venda, com a finalidade de tornar sua dieta
mais variada e saborosa.Mas grande parte desse costume ameaça se perder nos
campos de Cuba, enquanto produtores conscientes, organizações não
governamentais e pesquisadores recomendam seu resgate para alcançar a segurança
alimentar para a população rural, que representa 26% dos 11,2 milhões de
habitantes do país.
“A horta já não é muito usada e, ao menos nessa
região, essa tradição se perdeu. O que mais resta nas propriedades são as
velhas árvores, graças aos nossos avós que plantaram árvores frutíferas
pensando em nós”, contou Abel Acosta, o primeiro e maior produtor de flores da
província de Mayabeque, vizinha a Havana. Com 42 anos e técnico em agronomia,
Acosta apostou na agricultura em 2008, quando o governo de Raúl Castro começou
a outorgar terras ociosas em usufruto, como parte de uma ampla política que
busca, ainda sem conseguir, que a agricultura decole.
Desde 2009, 279.021 pessoas receberam terrenos em
usufruto. Muitas, como Acosta, tiveram que aprender a lidar com a terra e se
trasladam diariamente de sua casa em um povoado próximo até o lugar da
plantação.“As novas gerações têm outro conceito, plantam com a ideia de colher
e aumentar rapidamente os lucros. Abastecem suas casas com o que produzem para
vender e compram fora os demais alimentos”, detalhoueste produtor que é chefe
da Finca San Andrés, de 2,5 hectares, onde produziu cem mil dúzias de flores em
2015.
“Nenhum dos 25 produtores com os quais mais me
relaciono conta com uma horta”, garantiu Acosta, que vive no assentamento rural
Conselho Popular Pablo Noriega, do município de Quivicán, 45 quilômetros ao sul
da capital.Entretanto, ele começa a se preocupar com o abastecimento familiar,
para melhorar a qualidade da alimentação e depender menos dos desprovidos e
instáveis mercados de alimentos locais.“Manter produções para as famílias é
benéfico, porque evita comprar fora e economiza tempo e dinheiro. Às vezes não
há quem venda nem um pimentão no povoado”, pontuou.
Por isso, em San Andrés, onde trabalham três
operários, são mantidos pequenos cultivos para a mesa das cinco famílias
vinculadas ao terreno.Em meio hectare se ergue um misto de cafeeiros,
mangueiras, abacateiros, limoeiros, sapotizeiros, pés de tangerina e laranja.
Além disso, o pai de Acosta se aposentou do setor estatal e cuida de plantar
bananas e também mandioca, tomate e alface.
“Em Cuba se perdeu, infelizmente, uma grande parte
dessa cultura (da horta), em razão da estrutura existente na produção agrícola
nas zonas rurais”, lamentou Theodor Friedrich, representante em Cuba da
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A FAO
promove as “hortas familiares que, não somente em Cuba, constituíram uma parte
da cultura da família camponesa”, que, a seu ver, são “elementos importantes
para melhorar a nutrição e a segurança alimentar”, bem como projetos nacionais,
mais conhecidos como “agricultura urbana e hortas escolares”,explicou à IPS.
Friedrich, no entanto, afirmou que, em “muitas
comunidades camponesas, as hortas são mantidas, e é ali onde eventualmente
camponeses curiosos começam a experimentar com a agricultura de conservação
(sem arar e ecológica), até que possam um dia expandi-la às áreas agrícolas”.A
ciência cubana estuda há décadas os conucos, entre outras práticas
ancestrais. Aqui, ao contrário de outros países, o conuconão tem uma
origem indígena, mas faz referência aos pequenos espaços que os latifundiários
davam aos seus escravos para cultivar ou criar animais para consumo próprio.
O documento Doze Atributos da Agricultura
Tradicional Camponesa Cubana, publicado em 2012, classifica a horta
doméstica rural cubana como um“ecossistema agrícola dinâmico e sustentável, que
contribui para a subsistência familiar”. Além disso, é considerada fundamental
na conservação das espécies e variedades locais.O estudo, do Instituto Nacional
de Pesquisas Fundamentais em Agricultura Tropical Alejandro de Humboldt, se
baseou, entre outras, em uma produção de hortas caseiras em 18 localidades das
regiões ocidental, central e oriental.
Com uma extensão variável, as hortas caseiras são
usadas para obter alimentos, comida para animais, condimentos, plantas
medicinais, combustíveis e variedades ornamentais. Inclusive gera renda
adicional, porque as famílias vendem entre 5% e 30% da produção, segundo a
pesquisa. As hortas estudadas preservam o intervalo e a sucessão de cultivos,
com fizeram seus antepassados, enquanto reinam os adubos orgânicos.
Uma romã das que crescem em uma das árvores
frutíferas cultivadas por Aliuska Labrada, na horta que tem próximo à sua casa
para consumo familiar, na localidade de Ciénaga de Zapata, em Cuba.
Foto: Jorge
Luis Baños/IPS.
“O camponês sempre teve um conucopara se
autoabastecer, embora não fosse possível atender 100%” das suas necessidades,
afirmou à IPS o veterano agricultor Emilio García, proprietário de 18 hectares
na periferia da cidade de Camagüey, 534 quilômetros a leste de Havana.Embora a
subalimentação em Cuba tenha sido 5% menorentre 2014 e 2016, segundo a FAO, o
país depende de milionárias importações anuais de alimentos, e completar a
cesta básica subsidiada pelo governo é muito caro e trabalhoso para as famílias
cubanas.
Outras pessoas consultadas pela IPS, que melhoraram
a dieta de sua família com uma horta, são a trabalhadora do lar Aliuska
Labrada, de 39 anos, moradora em Ciénaga de Zapata, no ocidente do país, e o
produtor José Leiva, proprietário de 4,5 hectares em Horno de Guisa, um
território do leste cubano.
Leiva, de 61 anos, recebe capacitação e apoio do
não governamental Centro Cristão de Serviço e Capacitação Bartolomé G.
Lavastida (CCSC), que realiza projetos nas cinco províncias orientais e na
central Camagüey, desde sua sede na cidade de Santiago de Cuba, a 847
quilômetros de Havana.“Formamos em conceito da agricultura familiar”, explica
Ana Virginia Corrales, que coordena as capacitações para o serviço social no
CCSC. “Promovemos em primeiro lugar que as famílias consigam se abastecer com
suas produções, e em segundo lugar que comercializem o excedente. Dessa forma
serão autossustentáveis”, acrescentou.
O CCSC acompanha 45 iniciativas agropecuárias
ecológicas em 20 municípios, que beneficiaram 1.995 famílias até o final de 2015,
com a ajuda das organizações Pão para o Mundo (Alemanha), Diakonia (Suécia) e
Projeto Rosa Branca da Igreja Presbiteriana de Brooklyn (Estados Unidos).Já o
Projeto de Inovação Agrícola Local, presente em 45 dos 168 municípios, promove
as hortas caseiras como um espaço de empoderamento das mulheres rurais, com o
impulso, desde 2000, do estatal Instituto Nacional de Ciências Agrícolas e da
Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação.
Ao final de 2015, nesta ilha de 109.884 quilômetros
quadrados, as terras de uso agrícola somavam 6.240.263 hectares, 30,5%
exploradas pelo Estado, 34,3% por cooperativas e o restante por pequenos
produtores independentes.
Fonte: ENVOLVERDE
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