quinta-feira, 9 de junho de 2016

Quem nos pediu licença?
Se achamos que o que ocorreu em Mariana chocou o Brasil e o ambiente e a população local, Belo Monte está a mesma altura de desastres social, cultural e ambiental.

Por Rafaela Brito, da Plurale –

Licença ambiental, segundo a resolução n.237/1997 do CONAMA, é o ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

De acordo com a tese defendida pelo professor Machado (2010, p.288) as licenças só podem ser criadas por lei, ou a lei deverá prever a sua instituição por outro meio infralegal. O decreto do Presidente da República, do Governador do Estado ou do Prefeito Municipal, somente poderá criar uma licença ambiental se lei anterior expressamente cometer-lhe esta tarefa.

O art. 3º da Resolução CONAMA nº. 237, de 19 de dezembro de 1997, afirma que, acerca das regras relativas ao procedimento de licenciamento ambiental previstas, a concessão de licença ambiental a empreendimentos considerados causadores de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual se dará publicidade, garantida a realização de audiências públicas.

É neste contexto que entra o processo de expedição das licenças de instalação e operação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, instalada na bacia do Rio Xingu, no Pará. A capacidade mínima instalada é de 11.233,1 MW – a terceira maior do mundo, depois da usina de Três Gargantas, no Rio Yangtzé, na China, com 22,5 mil MW de potência, e da binacional Itaipu, localizada no Rio Paraná, na fronteira do Brasil com o Paraguai, com capacidade para gerar 14 mil MW. A UHE de Belo Monte já está sendo considerada a maior usina exclusivamente brasileira e a segunda maior da América Latina.

Várias audiências públicas foram realizadas ao longo desse processo, movimentos sociais, tribos indígenas, pescadores, pequenos agricultores, população local, quilombolas, extrativistas, empreendedores, Ministério Público, Defensoria Pública, parlamentares, discutiram a temática, cada um defendendo o seu posicionamento, mostrando e provando o porquê de ainda não ser o momento pertinente da emissão das licenças. Parece, contudo, que o IBAMA, responsável pelo licenciamento de grandes projetos de infraestrutura que envolvem impactos significativos de obras públicas potencialmente poluidoras de relevante interesse social, relegou a mais do que segundo plano as discussões, as recomendações, as ações judiciais e os pareceres técnicos.

São apontados impactos (alguns irreversíveis) ao ambiente e à população local, como diminuição e extinção de espécies de peixes, redução da renda dos pescadores, consequentemente, migração para outras localidades, gerando uma relocação populacional, alagamentos, ameaça à biodiversidade e aos valores etnoculturais, supressão vegetal inadequada, em que restos de madeiras serão cobertos pelo alagamento, por não ter sido feita a limpeza adequada.

Em 2011, a licença de instalação foi emitida, apesar de a Norte Energia enfrentar dificuldades para cumprir as condicionantes, isto é, as medidas de mitigação de impactos, já previstas pela licença prévia, concedida pelo Ibama em 2010. Em 2015, solicitou ao Ibama autorização para encher o reservatório da usina, por meio da licença de operação, última etapa do processo de licenciamento ambiental da obra, a qual foi atendida.

Será que todo este processo participativo enérgico das partes envolvidas foi em vão? Será que o parecer técnico no qual foram elencadas pendências relacionadas aos Planos, Programa e Projetos constantes do Projeto Básico Ambiental – PBA, para as quais foram tecidas recomendações que deverão ser atendidas pela Norte Energia, continuará somente como um parecer a não ser seguido? Será que os Programas e Projetos que devem ser implementados, 6 com necessidade de ajustes e/ou adequação e 12 com pendências (sendo 10 classificadas como impeditivos para emissão de licença de operação) continuarão em descompasso aos relatórios, recomendações e decisões judiciais? Será que de setembro a novembro de 2015 a Norte Energia conseguiu se adequar tão rapidamente para que fosse “contemplada” com a permissão de encher o reservatório? Será que o ofício da FUNAI encaminhado ao IBAMA comunicando que um termo de cooperação para o cumprimento de exigências não atendidas foi assinado com a Norte Energia surtirá algum efeito positivo?

Dos “serás e serás”, as incertezas dos cumprimentos das condicionantes tanto do Plano Básico Ambiental quanto do Componente Indígena serão incógnitas. Realmente não nos pediram licença para inundar, alagar, despovoar nem para executar um adequado controle socioambiental. Se achamos que o que ocorreu em Mariana chocou o Brasil e o ambiente e a população local, Belo Monte está a mesma altura de desastres social, cultural e ambiental. Como diz a canção “será, que será? O que não tem certeza nem nunca terá, o que não tem conserto nem nunca terá, o que não tem tamanho”. Esqueceram, definitivamente, de nos pedir licença. 

* Rafaela Brito é Bacharela em Direito com Habilitação em Direito Agrário e Direito Ambiental pela Universidade da Amazônia – UNAMA- Belém. Advogada, em Fortaleza e em Brasília, atuante no direito e nas relações internacionais. Membro da comissão de Direito Ambiental da OAB-CE.

Membro da comissão de Direito Internacional da OAB-CE. Mestranda em Estudos Ambientais pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales- UCES-Buenos Aires, Argentina. Especialista em Direito Ambiental pela Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER. Especialista em Direito Internacional pela Universidade de Fortaleza- UNIFOR. Sócia do escritório jurídico Carvalho, Moreira & Brito Advogados Associados. Membro efetivo do grupo de Comunhão e Direito (Comunione e Diritto), ligado ao Movimento dos Focolares. Estudos e palestras realizados na Alemanha, Argentina, Espanha, Irlanda, Itália e Reino Unido.


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