Quem nos
pediu licença?
Se achamos que o que ocorreu em Mariana
chocou o Brasil e o ambiente e a população local, Belo Monte está a mesma
altura de desastres social, cultural e ambiental.
Por Rafaela Brito, da Plurale –
Licença ambiental, segundo a resolução n.237/1997
do CONAMA, é o ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente
estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão
ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar,
instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos
recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou
aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
De acordo com a tese defendida pelo professor
Machado (2010, p.288) as licenças só podem ser criadas por lei, ou a lei deverá
prever a sua instituição por outro meio infralegal. O decreto do Presidente da
República, do Governador do Estado ou do Prefeito Municipal, somente poderá
criar uma licença ambiental se lei anterior expressamente cometer-lhe esta
tarefa.
O art. 3º da Resolução CONAMA nº. 237, de 19 de
dezembro de 1997, afirma que, acerca das regras relativas ao procedimento de
licenciamento ambiental previstas, a concessão de licença ambiental a empreendimentos
considerados causadores de significativa degradação do meio dependerá de prévio
estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio
ambiente (EIA/RIMA), ao qual se dará publicidade, garantida a realização de
audiências públicas.
É neste contexto que entra o processo de
expedição das licenças de instalação e operação da Usina Hidrelétrica (UHE) de
Belo Monte, instalada na bacia do Rio Xingu, no Pará. A capacidade mínima
instalada é de 11.233,1 MW – a terceira maior do mundo, depois da usina de Três
Gargantas, no Rio Yangtzé, na China, com 22,5 mil MW de potência, e da
binacional Itaipu, localizada no Rio Paraná, na fronteira do Brasil com o
Paraguai, com capacidade para gerar 14 mil MW. A UHE de Belo Monte já está
sendo considerada a maior usina exclusivamente brasileira e a segunda maior da
América Latina.
Várias audiências públicas foram realizadas ao
longo desse processo, movimentos sociais, tribos indígenas, pescadores,
pequenos agricultores, população local, quilombolas, extrativistas,
empreendedores, Ministério Público, Defensoria Pública, parlamentares,
discutiram a temática, cada um defendendo o seu posicionamento, mostrando e
provando o porquê de ainda não ser o momento pertinente da emissão das
licenças. Parece, contudo, que o IBAMA, responsável pelo licenciamento de
grandes projetos de infraestrutura que envolvem impactos significativos de
obras públicas potencialmente poluidoras de relevante interesse social, relegou
a mais do que segundo plano as discussões, as recomendações, as ações judiciais
e os pareceres técnicos.
São apontados impactos (alguns irreversíveis) ao
ambiente e à população local, como diminuição e extinção de espécies de peixes,
redução da renda dos pescadores, consequentemente, migração para outras
localidades, gerando uma relocação populacional, alagamentos, ameaça à
biodiversidade e aos valores etnoculturais, supressão vegetal inadequada, em
que restos de madeiras serão cobertos pelo alagamento, por não ter sido feita a
limpeza adequada.
Em 2011, a licença de instalação foi emitida,
apesar de a Norte Energia enfrentar dificuldades para cumprir as
condicionantes, isto é, as medidas de mitigação de impactos, já previstas pela
licença prévia, concedida pelo Ibama em 2010. Em 2015, solicitou ao Ibama autorização
para encher o reservatório da usina, por meio da licença de operação, última
etapa do processo de licenciamento ambiental da obra, a qual foi atendida.
Será que todo este processo participativo
enérgico das partes envolvidas foi em vão? Será que o parecer técnico no qual
foram elencadas pendências relacionadas aos Planos, Programa e Projetos
constantes do Projeto Básico Ambiental – PBA, para as quais foram tecidas
recomendações que deverão ser atendidas pela Norte Energia, continuará somente
como um parecer a não ser seguido? Será que os Programas e Projetos que devem
ser implementados, 6 com necessidade de ajustes e/ou adequação e 12 com
pendências (sendo 10 classificadas como impeditivos para emissão de licença de
operação) continuarão em descompasso aos relatórios, recomendações e decisões
judiciais? Será que de setembro a novembro de 2015 a Norte Energia conseguiu se
adequar tão rapidamente para que fosse “contemplada” com a permissão de encher
o reservatório? Será que o ofício da FUNAI encaminhado ao IBAMA comunicando que
um termo de cooperação para o cumprimento de exigências não atendidas foi
assinado com a Norte Energia surtirá algum efeito positivo?
Dos “serás e serás”, as incertezas dos
cumprimentos das condicionantes tanto do Plano Básico Ambiental quanto do
Componente Indígena serão incógnitas. Realmente não nos pediram licença para
inundar, alagar, despovoar nem para executar um adequado controle
socioambiental. Se achamos que o que ocorreu em Mariana chocou o Brasil e o
ambiente e a população local, Belo Monte está a mesma altura de desastres
social, cultural e ambiental. Como diz a canção “será, que será? O que não tem
certeza nem nunca terá, o que não tem conserto nem nunca terá, o que não tem
tamanho”. Esqueceram, definitivamente, de nos pedir licença.
* Rafaela Brito
é Bacharela em Direito com Habilitação em Direito Agrário e Direito Ambiental
pela Universidade da Amazônia – UNAMA- Belém. Advogada, em Fortaleza e em
Brasília, atuante no direito e nas relações internacionais. Membro da comissão
de Direito Ambiental da OAB-CE.
Membro da comissão de Direito Internacional da
OAB-CE. Mestranda em Estudos Ambientais pela Universidad de Ciencias
Empresariales y Sociales- UCES-Buenos Aires, Argentina. Especialista em Direito
Ambiental pela Faculdade Internacional de Curitiba- FACINTER. Especialista em
Direito Internacional pela Universidade de Fortaleza- UNIFOR. Sócia do
escritório jurídico Carvalho, Moreira & Brito Advogados Associados. Membro
efetivo do grupo de Comunhão e Direito (Comunione e Diritto), ligado ao
Movimento dos Focolares. Estudos e palestras realizados na Alemanha, Argentina,
Espanha, Irlanda, Itália e Reino Unido.
Fonte: Plurale em revista
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