A arte de
ignorar a natureza.
Por Alice Maciel –
Engevix, Leme e CNEC-WorleyParsons: conheça as três
empresas que se revezam na elaboração de estudos de impacto ambiental das
maiores usinas hidrelétricas do país. Para acelerar o início das obras, vale
tudo.
“A luta nossa, menina, tem sido pesada demais”,
descreve o pescador Ademar Leôncio, que em seguida passa a palavra para a
lavadeira Jovecília de Jesus continuar a história. Sentados em uma mesa da casa
do extrator de pedra e areia Reinaldo Oliveira, o Reinaldão, os três contam
como foi a chegada da hidrelétrica de Itapebi, em Salto da Divisa, Vale do
Jequitinhonha, em Minas Gerais. O município, com 7 mil habitantes, está
localizado às margens do rio que dá nome à região. Mas o que sobrou dele depois
da construção da barragem, em 2003, foi um grande lago sujo, infestado de
aguapé, planta que se espalha em águas poluídas. Até mesmo a cachoeira Tombo da
Fumaça, um dia tombada como patrimônio histórico estadual e municipal, foi
alagada e sumiu. Das promessas feitas pela empreiteira, poucas foram cumpridas.
Menos da metade dos extratores e dos pescadores recebeu indenização. A cidade
não viu o prometido desenvolvimento. Pelo contrário, a sensação é que Salto da
Divisa parou no tempo.
A empresa que elaborou o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) da hidrelétrica – que omitiu o alagamento de cachoeiras,
subestimou o número de trabalhadores atingidos pela barragem e não previu a
interrupção da pesca – é conhecida do público. Foi a Engevix Engenharia S.A.
A Engevix tem como foco a construção civil, mas
também atua na área de meio ambiente. Ela participou, por exemplo, da
realização dos estudos das comunidades, terras e áreas indígenas do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) e do EIA da
hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA).
Foi a responsável pelo pré-cadastro socioeconômico, pesquisa censitária e amostral
do patrimônio arqueológico, cultural e paleontológico na região afetada pela
usina. Ao mesmo tempo, a Engevix Engenharia e a Engevix Construções – do mesmo
grupo – participam junto com a Toyo Setal do consórcio de montagem
eletromecânica da hidrelétrica a um custo de R$ 1,038 bilhão. Ou seja, além de
fazer o EIA-Rima, a Engevix se beneficia da construção do empreendimento.
Hoje, a empresa é alvo da Operação Lava Jato, que
investiga denúncias de corrupção na Petrobras. Ela é acusada de participar do
cartel de contratos que teria desviado mais de R$ 6 bilhões da maior estatal
brasileira. De acordo com denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a Engevix
teria pago propina ao ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto
Costa por intermédio de empresas vinculadas ao doleiro Alberto Youssef. A
propina teria vindo do lucro obtido com licitações fraudulentas.
Pescadores, extratores de pedra e areia e
lavadeiras de Salto da Divisa perderam o ofício depois da construção da usina
Hidrelétrica de Itapebi. Foto: Luiz Paulo Mairink.
O mercado de dissimular impactos ambientais
Não é à toa que a Engevix esteve profundamente
envolvida em diversas grandes licitações e na construção de Belo Monte, segunda
maior hidrelétrica do país. Ela faz parte de um seleto clube de três empresas
que há duas décadas se revezam na elaboração dos estudos de impacto desse tipo
de obra.
Das 71 hidrelétricas que entraram em operação desde o primeiro
ano de governo Fernando Henrique Cardoso, em janeiro de 1999, pelo menos 42
contaram com a participação das empresas Engevix Engenharia, Leme Engenharia e
CNEC WorleyParsons Engenharia, sendo que elas foram responsáveis pelos estudos
de impacto social e ambiental de 22 delas. Esses estudos são pré-requisitos
para o licenciamento da construção das usinas desde 1986, seguindo a resolução
do Conama.
As mesmas empresas fizeram os estudos ambientais
das demais grandes hidrelétricas que estão em construção atualmente: Teles
Pires (PA-MT), Baixo Iguaçu (PR) e São Manoel (MT), além de São Luiz do Tapajós
(PA) que está em fase de planejamento.
Porém, contratadas e pagas pelo empreendedor, as
três têm como atividade principal a construção civil. Ou seja, além de ter de
agradar ao freguês com relatórios que sejam aprovados pelos órgãos ambientais,
elas estão entre as interessadas na liberação da obra. Muitas vezes essas
empresas fazem os estudos e, posteriormente, participam do processo de
construção das hidrelétricas.
Na lista de clientes que as contratam pelo know-how
na área de meio ambiente, estão as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa
e Odebrecht, que também são parceiras da Engevix, da Leme e da CNEC na
construção de grandes obras país afora. Como exemplo, a Engevix participou com
a Odebrecht do consórcio construtor da usina hidrelétrica de
Baguari (rio Doce-MG); a CNEC é parceira da Camargo Corrêa na implantação da
refinaria de Abreu e Lima; enquanto a Leme Engenharia participou do consórcio
construtor da usina hidrelétrica Capim Branco I e II (rio Araguari-MG) com Andrade
Gutierrez, Odebrecht e Engevix.
Além dos contratos com o setor privado, elas têm
negócios com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), autarquia do
Ministério de Minas e Energia responsável por “desenvolver estudos de impacto
social, viabilidade técnico-econômica e socioambiental para os empreendimentos
de energia elétrica e de fontes renováveis”, de acordo com a Lei n° 10.847, de
15 de março de 2004. A EPE contratou, por exemplo, a Leme Engenharia (em
consórcio com a Concremat) para fazer os estudos das usinas de São Manoel (PA) no rio Teles Pires e da hidrelétrica Teles Pires (PA/MT), no rio de mesmo nome. Só
de recursos da EPE, a Engevix recebeu de 2008 a 2015 R$ 6,2 milhões, nas
rubricas Estudos de Inventário para Expansão de Energia Elétrica e Planejamento
do Setor Energético, de acordo com levantamento no Portal da Transparência do
Governo Federal. Já a CNEC Engenharia recebeu, no mesmo período, R$ 7,8
milhões, enquanto a Leme Engenharia, R$ 5 milhões.
Para acelerar o início das obras das usinas
hidrelétricas vale tudo: esconder a existência de florestas, de espécies de
animais em risco de extinção e até mesmo de impactos sobre tribos indígenas.
Denúncias por falhas e omissões em EIA e Rima fazem parte do histórico da
Engevix, da Leme e da CNEC. A consequência: biomas destruídos e direitos
humanos desrespeitados, estragos irreversíveis. Apesar disso, nada impediu, até
hoje, que elas continuem atuando na área.
Engevix: um histórico de omissões
No final da década de 1990, a Engevix Engenharia
protagonizou um dos casos mais emblemáticos de fraude em EIA no país. Omitiu a
existência de uma floresta de quase 6 mil hectares de araucárias alagada com a
construção da hidrelétrica Barra Grande, no rio Pelotas, divisa de Santa
Catarina com Rio Grande do Sul. Hoje, no Brasil, restam apenas 3% de
remanescentes de floresta de araucária, ecossistema que pertence à Mata
Atlântica. Junto com a floresta, também foi extinta a bromélia Dyckia
distachya.
“A maior parte a ser encoberta é constituída de
pequenas culturas, capoeiras marginais baixas e campos com arvoredos esparsos”,
alegou a Engevix em relatório que serviu de base para o Ibama dar a licença de
instalação da usina, em 2001. A licença de operação saiu em 2005, mesmo ano
em que o órgão federal autuou a empresa em R$ 10 milhões e a
proibiu de elaborar estudos ambientais para novos empreendimentos no Brasil por
omitir a existência da floresta de araucárias. Uma decisão do Tribunal Regional
Federal (TRF) da 4ª Região, em 2012, suspendeu as penalidades, de acordo com
informações da assessoria de imprensa do Ibama.
Em 2007, a empresa foi alvo da Operação Navalha,
cujo objetivo era desmontar uma quadrilha que fraudava licitações de obras
públicas. Na época, o lobista Sérgio Sá, contratado da empreiteira, foi preso
na operação. Isso, no entanto, não impediu que a empresa mantivesse contratos
com o poder público. Em novembro do ano passado, um dos sócios da Engevix,
Gerson Almada, foi preso na Operação Lava Jato. Em entrevista à Folha de
S.Paulo em março deste ano, o presidente da Engevix, Cristiano Kok, admitiu ter pago
cerca de R$ 10 milhões para o doleiro Alberto Youssef.
Kok está na presidência da Engevix desde 1989.
Engenheiro mecânico, ele começou a trabalhar ali em 1972. Em 1997 comprou-a com
outros dois diretores, José Antunes Sobrinho e Gerson de Mello Almada. Fundada
em 1965, a Engevix nasceu com a missão de fazer projetos para a Servix
Engenharia, empreiteira especializada em obras de hidrelétricas. Isso porque a
legislação de 1964 impedia as empresas de atuar tanto na elaboração do projeto
quanto na construção.
Nos primeiros anos de vida, a Engevix fez projetos
de engenharia das hidrelétricas do Paranapanema e Jurumirim (SP), além de
subestações, linhas de transmissão e obras de irrigação. A Engevix Engenharia
faz parte do Grupo Engevix, formado por mais cinco empresas que atuam em
diferentes áreas de negócios: a Engevix Engenharia S.A. opera nas áreas de
energia, indústria e infraestrutura; a Desenvix Energias Renováveis S.A.
desenvolve empreendimentos e investe no setor de energia renovável; a Ecovix –
Engevix Construções Oceânicas S.A. atua em construção naval e instalações off
shore para a indústria de óleo e gás; a Infravix Empreendimentos S.A. dedica-se
à infraestrutura em obras de transporte, saneamento básico e desenvolvimento
imobiliário; a Engevix Sistemas de Defesa Ltda. trabalha com a demanda dos
grandes projetos na área de defesa do Brasil; a Engevix Construções Ltda.
atende às demandas de construção do Grupo Engevix, trabalha em paralelo com a
Engevix Engenharia e possui contratos próprios, prestando serviços a outras
empresas.
A CNEC – WorleyParson
A CNEC foi criada em 1959 por um grupo de
professores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em 1969, foi
adquirida pelo Grupo Camargo Corrêa e passou a projetar boa parte das
hidrelétricas construídas pela empreiteira. Ao lado da Engevix, ela foi uma das
principais empresas projetistas de engenharia do país durante a ditadura
militar. “O amordaçamento de mecanismos fiscalizadores, como a imprensa, o
Parlamento e parte da sociedade civil, permitia aos empreiteiros maximizar seus
lucros com práticas ilícitas e tocar obras com rapidez, agilidade e sem
preocupação com os impactos do empreendimento”, afirma Pedro Henrique Pedreira
Campos, na tese de doutorado apresentada na Universidade Federal
Fluminense: “A ditadura dos empreiteiros: as empresas nacionais de construção
pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985”.
No mesmo estudo, realizado em 2012, ele ainda
observa: “Nos últimos dez anos, fomos surpreendidos com a retomada de vários
projetos encetados no período ditatorial, além de empreendimentos novos que
reproduzem certas características daquele modelo de desenvolvimento. Assim,
vimos a retomada da construção das grandes centrais hidrelétricas – como Belo
Monte, projetada na ditadura, e as usinas do rio Madeira, de projeto final mais
recente –, com seu grande impacto sócio-ambiental”.
Em 1980, a CNEC começou a prestar serviços na área
ambiental. Ainda na década de 1980, fez o mapeamento de projetos de construção
de usinas em diversos afluentes do rio Amazonas, incluindo os rios Xingu e
Tapajós.
Em 2010, a CNEC foi adquirida pelo grupo
australiano WorleyParsons, consultoria de energia que atua em 45 países nos
cinco continentes. Mesmo passando para as mãos de outro grupo econômico, a CNEC
permaneceu com projetos no Xingu e Tapajós. Ela foi contratada pela Norte
Energia para a implantação e gerenciamento de programas socioambientais da
usina hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu. Também foi a CNEC WorleyParsons
Engenharia a responsável por elaborar o EIA/Rima da usina São Luiz do Tapajós,
finalizados ano passado.
O documento feito pela empresa no Tapajós, no
entanto, não convenceu o Ibama. O órgão apontou diversas falhas no estudo, em avaliações divulgadas entre novembro
de 2014 e o início de março. Para ter uma ideia, durante a análise realizada, o
Ibama detectou até mesmo informações controversas. No decorrer do texto do EIA,
a empresa, de acordo com o instituto, informou dados diferentes da área
preventiva de desmatamento e limpeza do reservatório. O órgão solicitou à
Eletrobrás a reformulação do estudo e apontou mais de 180 pontos que precisam
ser aprofundados. Um detalhamento maior sobre o modo de vida, infraestrutura,
educação, segurança e pesca nas áreas diretamente afetadas pelo projeto estão
entre os citados. A CNEC Engenharia WorleyParsons preferiu não comentar o caso.
As falhas nos estudos ambientais da usina de São
Luiz do Tapajós não são um caso isolado no histórico da CNEC. Ainda integrante
do Grupo Camargo Corrêa, em 2006, a empresa foi denunciada em um esquema de
fraude e manipulação nos estudos de impacto ambiental da usina hidrelétrica de
Mauá, no rio Tibagi (PR) – a empresa, vencedora da concorrência em 2008, fez
também a revisão dos estudos de inventário da bacia hidrográfica do rio Tibagi. Com
investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo
federal, e financiada pelo BNDES, a obra da usina de Mauá custou R$ 1,4 bilhão.
Em depoimento ao MPFPR, técnicos responsáveis pelo
levantamento do EIA/Rima constaram que a CNEC adulterou as informações do texto
final do relatório entregue ao IAP, órgão responsável pelo licenciamento. Os
especialistas trabalhavam para a Igplan – Inteligência Geográfica Ltda.,
contratada pela CNEC para fazer o levantamento.
O rio antes da construção da usina dava vida à
cidade de Salto da Divisa / Arquivo Câmara Municipal de Salto da Divisa.
Os trabalhos dos técnicos, após interrupção de dois
anos, foram levados a cabo em julho de 2004. De acordo com a ação civil pública
impetrada pelo MPF, a empresa tinha três meses para concluir os trabalhos. Isso
porque se pretendia incluir o empreendimento no leilão previsto inicialmente
para janeiro de 2005 (mas que acabou ocorrendo em dezembro).
Com o prazo reduzido, a CNEC passou a acompanhar os
trabalhos dia e noite e colocou uma funcionária para revisar os textos e
alterar o conteúdo dos trabalhos técnicos, “muitas vezes em desacordo com seus
atores”, diz a ação. Em depoimento ao procurador-geral do estado do
Paraná, João Akira Omoto, a antropóloga contratada pela Igplan para fazer o
levantamento de impactos sobre populações indígenas, Maria Fernanda Campelo
Maranhão, alegou que aguardava o texto final do EIA/Rima quando foi informada
de que seu trabalho não seria incluído, a pedido da CNEC. Ela foi procurada por
um funcionário do Departamento de Meio Ambiente da empresa para assinar um
resumo do seu trabalho, de aproximadamente três páginas. “[…] a declarante se
negou ao proposto pela empresa CNEC, tendo dito que um resumo não atenderia a
complexidade da questão antropológica; que apenas entregaria o texto integral
do seu trabalho”, registra o procurador.
O biólogo Euclides Selvino Grando Jr., responsável
pela consolidação dos dados levantados pela equipe técnica da Igplan, declarou
ao MPF que houve alterações nos dados do EIA/Rima na sua parte. No depoimento,
ressaltou que um dos resultados do levantamento determinou que “com a
construção da barragem deveriam ser localmente extintas espécies como o dourado
e o pintado, que constam na lista paranaense de espécies ameaçadas de
extinção”. De acordo com Grando Jr., o texto foi substituído por outro que desvaloriza
essas espécies no contexto nacional, mencionando tratar-se de espécies de
grande distribuição geográfica e omitindo a ameaça da extinção local.
Segundo ele, em dois momentos ocorreram alterações
ou interferências nos resultados do trabalho: “No primeiro momento, as
interferências dessa apontada funcionária da CNEC na fase de consolidação dos
textos e, em um segundo momento, as alterações verificadas nos textos
entregues”, afirmou. O biólogo contou que, em reunião com representantes da
CNEC em São Paulo, ouviu que os trabalhos apresentados não atendiam ao padrão
CNEC e que o texto ou a avaliação de impactos feita pela equipe não
interessavam ao empreendedor. Dos 17 impactos relacionados pelos estudiosos dos
peixes, apenas três foram mantidos no documento final ou EIA/Rima, de acordo
com ele.
O mesmo ocorreu com os dados apresentados pelo
biólogo especialista em biologia vegetal Alexandre Uhlmann, que também
constatou que parte do seu relatório foi omitida no EIA. Ele descreveu 14
impactos positivos e negativos, mas alguns foram omitidos e outros,
minimizados. Ao MPF, o biólogo ornitólogo Marcos Ricardo Borsnschein declarou
que o trabalho apresentado pelo IAP é “completamente diferente” do desenvolvido
por ele. Segundo Marcos, o trabalho do EIA entregue ao órgão ambiental “é
paupérrimo dado que as consultas bibliográficas foram restritas a menos de 10
fontes”, e ele havia levantado mais de 90 fontes de informações sobre aves na
bacia do rio Tibagi. O relatório diz que ele esteve em campo três dias, mas
Marcos afirmou ter ficado na região atingida por 24 dias. Ainda segundo o
biólogo, o EIA apontou apenas uma espécie ameaçada de extinção, enquanto ele
elencou cinco.
Devido a isso, a CNEC Engenharia foi multada em R$
40 milhões por danos coletivos. Além dela, o deputado estadual Rasca Rodrigues
(PV) chegou a ser condenado, em primeira instância, à perda de mandato por ter
ocupado, simultaneamente, dois cargos públicos durante a liberação do
licenciamento da usina, em 2005: presidente do IAP (e membro conselho fiscal da
Copel, empresa majoritária no consórcio construtor da hidrelétrica). Em 2013, o
político conseguiu reverter a decisão. A reportagem entrou em contato com a
Camargo Corrêa, que ficou responsável pelo passivo, mas não obteve retorno.
A CNEC elaborou também os estudos
ambientais das hidrelétricas Baguari (MG), Estreito (TO/MA), Itá (RS/SC),
Tijuco Alto (SP/PR) e Segredo (PR). Ainda na área de meio ambiente, a empresa
fez o EIA/Rima do metrô de São Paulo, da rodovia Castelo Branco, no estado de
São Paulo, e da ferrovia Norte-Sul, nos estados de Minas Gerais e Espírito
Santo.
A CNEC já projetou mais de 60 usinas. Ela atua
também nos setores de óleo e gás, mineração e transporte. Presta serviços de
consultoria e gerenciamento de projetos que vão desde estudos de viabilidade
até o início da operação do empreendimento.
A Leme Engenharia
“O governo constrói barragens com estudos
apressados e incompletos, sem buscar entender as consequências da destruição da
natureza para nossas vidas, autorizando o funcionamento das barragens sem dar
uma resposta aos indígenas de como seguirão suas vidas sem peixe, sem água, sem
caça. Tenta esconder seus impactos negativos sobre nossas vidas, nossos rios e
nossos territórios. O governo não traz informações que entendemos, nas nossas
aldeias e nas nossas línguas, não oferece alternativas para a nossa
sobrevivência física e cultural. O governo federal não tem respeitado o nosso
direito a consulta e consentimento livre, prévio e informado, garantido pela
Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT, antes de tomar suas decisões
políticas sobre a construção de barragens no rio Teles Pires. Jamais fomos
consultados ou demos nosso consentimento para a destruição de nossos rios,
nossas florestas e nossos lugares sagrados, como a cachoeira de Sete Quedas e o
Morro do Macaco.” Essas palavras fazem parte de uma carta dos povos indígenas Apiaká, Kayabi e Munduruku, do
baixo Teles Pires, e Rikbaktsa, do baixo Juruena, publicada em abril. No
documento, eles exigem que se cumpra a consulta sobre os projetos hidrelétricos
em curso.
Segundo o Ministério Público do Pará, os impactos
sobre esses povos nem sequer foram citados no EIA/Rima, de autoria da Leme
Engenharia em consórcio com a Concremat, que serviu para o Ibama emitir a
licença prévia e de instalação da usina hidrelétrica de Teles Pires, no Mato
Grosso. “É fato que a UHE Teles Pires vai impactar os povos indígenas Kayabi,
Apiaká e Mundurukui. Ocorre que o Ibama aceitou o EIA/Rima e emitiu Licença
Prévia (LP) e Licença de Instalação (LI) da usina, respectivamente, sem o
Estudo de Componente Indígena (ECI), parte integrante do EIA/Rima. Vale dizer,
os impactos sobre os povos indígenas não foram mensurados. O Estudo de
Componente Indígena (ECI) está previsto no Termo de Referência, emitido pelo
próprio Ibama. Há evidências concretas de danos iminentes e irreversíveis para
a qualidade de vida e patrimônio cultural dos povos indígenas”, aponta a denúncia feita pelo MPF.
A hidrelétrica contou com financiamento do BNDES de
R$ 2,8 bilhões. A construção da usina começou em agosto de 2011 e 98% das obras
já foram concluídas. De acordo com os índios, na carta-manifesto, “as barragens
de Teles Pires já mataram toneladas de peixes e milhares de animais”. Eles
contam ainda que não conseguem mais pescar com arco e flecha, por causa da água
suja, e que os problemas de saúde estão aumentando devido à contaminação da
água.
No rio Madeira, em Rondônia, as usinas de Santo
Antônio (R$ 6,13 bilhões financiados pelo BNDES) e Jirau (R$ 9,5 bilhões
financiados pelo BNDES), que entraram em operação em 2012 e 2013,
respectivamente, também acumulam processos contestando os estudos de impacto
ambientais e sociais assinados pela Leme.
Em fevereiro de 2014, a Justiça Federal determinou
que os consórcios Santo Antônio Energia e Energia Sustentável do Brasil,
responsáveis pela construção das duas usinas, refizessem o EIA/Rima depois de
uma enchente histórica no rio Madeira. A decisão atendeu a uma ação civil pública
movida pelo Ministério Público Federal e Estadual de Rondônia, pelas
Defensorias Públicas da União e do Estado e da Ordem dos Advogados do Brasil –
Seccional de Rondônia. “Neste momento de crise, é fato notório que a área de
influência direta dos lagos dos AHE ultrapassou e muito as previsões dos
estudos realizados pelos consórcios. Dizem os empreendimentos que se trata de
enchente que, segundo seus cálculos, remete a um tempo de recorrência de 100
anos, daí os impactos vivenciados na infraestrutura regional, na floresta que
margeia os reservatórios, nas comunidades ribeirinhas, nos reassentamentos,
etc.”, diz o MPF na ação . A empresa Energia Sustentável afirmou que não
comenta as ações ajuizadas. A Santo Antônio Energia respondeu que atendeu a
determinação do Ibama e do Judiciário e incorporou novos dados aos estudos do
EIA/Rima. “Prontamente, e respeitando os prazos determinados judicialmente, a
Santo Antônio Energia encaminhou os dados complementares ao juiz da 5ª Vara
Federal de Porto Velho, que englobam novos levantamentos topobatimétricos,
detalhamento da área afetada na BR 364 e da Área de Preservação Permanente
(APP) do distrito de Jacy-Paraná. Juntamente com estas informações, a empresa
encaminhou algumas proposições de ações que buscam evitar ou amenizar impactos
nestas áreas, caso uma nova cheia semelhante à de 2014 venha a ocorrer”,
acrescentou a empresa. Já a Leme Engenharia não retornou aos pedidos de
informação, assim como o Ibama.
A Leme Engenharia esteve à frente também do
EIA/Rima da maior hidrelétrica do país, a de Belo Monte. Os estudos ambientais
da usina contam ainda com a participação da Themag Engenharia, da Engevix
Engenharia e da Intertechne, responsáveis pelos estudos de comunidades em
terras e áreas indígenas.
O MPF do Pará já ajuizou 23 ações contra Belo
Monte. De acordo com informações da Procuradoria, há problemas com o estudo de
viabilidade da hidrelétrica, com o procedimento de licenciamento ambiental e
com o EIA da obra. Segundo o MPF do Pará, o próprio Ibama identificou que o
EIA/Rima entregue pela Norte Energia deixou de apresentar documentos
importantes, como estudos de qualidade da água e informações sobre populações
indígenas, mas aceitou os relatórios técnicos.
“Os estudos do licenciamento
restaram prejudicados e, consequentemente, não se tem a real dimensão dos
impactos sociais, étnicos, ambientais e econômicos que serão causados na região
pelo empreendimento”, alertou o órgão ao Judiciário. A Leme fez também estudos
ambientais das hidrelétricas de Capim Branco I e II, Dardanelos, Salto Caxias e
São Manoel.
Além de elaborar estudos de impacto ambiental, a
empresa atua nos setores de hidroenergia, geração térmica, energias renováveis
(biomassa, eólica e solar), sistemas eletrônicos (subestações, linhas de
transmissão e telecomunicações associadas aos sistemas de transmissão), gás,
edificações complexas, transporte (ferrovias, hidrovias), portos e drenagem
urbana. Ela desenvolve e gerencia as obras, atuando desde as fases preliminares
de estudos e projetos até a implantação final do empreendimento.
A Leme Engenharia foi fundada no mesmo ano da
Engevix, durante o regime militar, em 1965. Ela nasceu com a função de
desenvolver os projetos básico e executivo das usinas hidrelétricas de
Mascarenhas, no Espírito Santo, e de Volta Grande, em Minas Gerais, para a
Cemig, empresa de energia de Minas Gerais. Em 2000, a Leme foi adquirida pela
Tractebel Engineering, que tem sede em Bruxelas, na Bélgica, e atua na América
Latina, Europa, África e Ásia.
A Tractebel integra o grupo francês GDF Suez – que
no início de maio passou a se chamar Engie –, um dos maiores grupos de energia
e infraestrutura do mundo.
“Até hoje, não tem onde por uma pá de areia”. Foto:
Luiz Paulo Mairink
Para MPF, interesse econômico prevalece
O MPF comprovou, em levantamento feito em 2004, que
nos estudos de impacto ambiental prevalecem os aspectos econômicos sobre os
ambientais. O diagnóstico, intitulado “Deficiências em Estudos de Impacto
Ambiental”, apontou falhas em 12 EIAs de usinas hidrelétricas que resultaram em
impactos ambientais não previstos, insuficiência na mitigação de impactos e
conflitos entre o empreendedor e a população.
Segundo o MPF, o levantamento mostra que os estudos
tendem a privilegiar os aspectos positivos dos empreendimentos. “Esta é uma
falha grave em um documento que deve tratar a matéria com o máximo de
imparcialidade, visto que o seu objetivo não poderia ser a viabilização, a
qualquer preço, de um empreendimento, mas, sobretudo, informar com clareza à
sociedade os benefícios e os ônus previsíveis.”
De acordo com o diagnóstico, os benefícios do
empreendimento são muitas vezes afirmados sem clara fundamentação, quando não
superestimados. “Sem uma coerência interna, o Estudo de Impacto Ambiental deixa
de situar-se na esfera da prevenção de danos ambientais para se tornar apenas
um documento formal no processo de licenciamento ambiental. Ao não
identificarem e analisarem suficientemente os potenciais impactos dos
empreendimentos, os Estudos deixam de revelar a equação completa de benefícios
e ônus”, diz o documento.
Ao longo de todo o período de análise, não foi
encontrado nenhum estudo em que os autores concluíram pela inviabilidade
ambiental do empreendimento. Foi verificado que, desde a fase de elaboração do
EIA até a fase de execução de medidas mitigadoras e de programas de
monitoramento, prevalece a preocupação com os investimentos, “o que pode levar
à adoção de soluções que representem menor aplicação de recursos”.
O relatório do MP mostrou também que os prazos para
a realização de pesquisas de campo são insuficientes. “Em alguns casos, os
próprios autores dos diagnósticos reconhecem nos textos as limitações de tempo
para pesquisa primária.”
O órgão apontou ainda como deficiência dos estudos
ambientais a apresentação de informações inexatas, imprecisas ou
contraditórias. “Há casos em que os Estudos citam espécies reconhecidamente
inexistentes na região”, conclui. No EIA da UHE Estreito, no rio Tocantins
(TO/MA), realizado pela CNEC Engenharia, foi mencionada a possibilidade de
ocorrência da ararinha-azul em savanas nos estados do Maranhão e Tocantins,
apesar de a espécie ser considerada extinta pelo Ibama.
Para o ambientalista e conselheiro da Associação de
Preservação do Meio Ambiente e da Vida (Apremavi) Wigold Schaffer, quando o
processo de elaboração do Eia/Rima é iniciado, já “é sinal de que a obra será
aprovada”. “O Eia/Rima tornou-se um instrumento de viabilização da obra. É tudo
um faz de conta”, diz Schaffer, que acompanhou o alagamento da floresta de
araucária pela usina de Barra Grande com “uma sensação de tristeza e de muita
indignação”.
Ele reitera que o licenciamento deveria ser um
instrumento de análise séria dos impactos ambientais, apontando possibilidades
de diminuir ou precaver os impactos. “Quando não há como fazer a mitigação, o
EIA/Rima deveria negar a obra, o que não acontece.”
Segundo ele, um dos pontos mais graves do
licenciamento ambiental está na lei que permite que o empreendedor contrate o
EIA/Rima. “Os estudos deveriam ser contratados de forma independente, pelo
poder público.” De acordo com o ambientalista, os órgãos ambientais fecham os
olhos para os impactos. “O Ibama tinha a obrigação de fazer a vistoria
adequada, verificando se as informações apontadas são verdadeiras. Como não
viram, por exemplo, que a empresa estava escondendo 6 mil hectares de
floresta?”
Doações eleitorais
O confronto de interesses, que coloca em xeque o
atual sistema de licenciamento ambiental no Brasil, não para por aí. Nas
campanhas eleitorais, as mesmas empresas que deveriam executar estudos de
impacto ambiental imparciais fizeram doações para parlamentares ruralistas.
Entre as eleições de 2004 e 2014, juntas, as três investiram quase 26 milhões em
diversos comitês partidários e candidaturas pelo Brasil afora. Os principais
partidos beneficiados foram: PT, PSDB e PMDB. Nas duas últimas eleições
nacionais (2014 e 2010), pelo menos quatro deputados da bancada ruralista foram
agraciados: Espiridião Amin (PP-SC), Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS), Arnaldo
Jardim (PPS-SP), que se licenciou do mandato para assumir o cargo de secretário
de Estado de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, e Luiz Fernando Farias
(PP-MG).
Em 2014, a candidatura de Dilma Rousseff recebeu R$
1,5 milhão da Engevix. A empresa investigada pela Lava-Jato investiu mais de R$
7,6 milhões em doações para 13 partidos no ano passado. Já a Leme investiu 380
mil em candidatos ao governo e ao Congresso nas últimas eleições.
(Vejo o infográfico no link
original da reportagem).
Essa reportagem é resultado do concurso de
microbolsas para reportagens investigativas sobre Energia promovido pelo
Greenpeace em parceria com a Agência Pública. Leia também a reportagem “A
agonia de Salto da Divisa“.
* Publicado originalmente no site Agência
Pública.
Fonte: ENVOLVERDE
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