Cientistas
descobrem recife oculto pelo pluma do Rio Amazonas.
Considerada uma das maiores descobertas da
Oceanografia brasileira, formação se estende por 900 km e está repleta de
espécies, como esponjas com mais de 100 kg. Foto: divulgação.
A 200 quilômetros da desembocadura do rio Amazonas,
escondido sob a espessa pluma de sedimentos transportada pelo maior rio do
mundo, há um enorme e riquíssimo recife.
Por Peter Moon, da Agência Fapesp –
Enorme porque até o momento é sabido que se estende
por, no mínimo, 900 km da costa, entre o Maranhão e a Guiana Francesa. E
riquíssimo por estar repleto de espécies endêmicas, muitas das quais
desconhecidas, como esponjas gigantes com até 2 metros de diâmetro e que pesam
mais de 100 kg.
“Encontrar esse recife foi uma grande surpresa”,
disse Michel Michaelovitch de Mahiques, professor no Instituto de Oceanografia
da Universidade de São Paulo (IO-USP) e um dos pesquisadores envolvidos na
descrição do novo hábitat marinho. “A característica mais importante é que ele
está em um local improvável. Nunca se procurou estruturas recifais em desembocadura
de rio. É uma quebra de paradigma.”
O anúncio da descoberta está no artigo An extensive reef system at the Amazon River mouth,
publicado na Science Advances, da American Association for the Advancement of
Science.
A pesquisa, liderada por Carlos Eduardo de Rezende,
da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e por Fabiano Thompson, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, conta com cientistas de diversas
universidades brasileiras.
O sonar de varredura utilizado na pesquisa foi
adquirido com apoio da Fapesp durante o projeto “Incremento da capacidade de pesquisa
em oceanografia no Estado de São Paulo”, que está inserido no
Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. A pesquisa
contou com apoio do CNPq, Capes, Faperj e de outras instituições.
Thompson também destaca o inusitado da descoberta.
“Os livros-texto ensinam que não há formação recifal na desembocadura de rios
como o Ganges, o Orinoco ou o Amazonas, por causa de suas condições. Falta luz,
por exemplo”, disse.
A falta de luminosidade se explica pela espessa
pluma de sedimentos e de matéria orgânica que esses grandes rios despejam
incessantemente nos oceanos, tornando as águas quase impenetráveis à luz solar.
Sem luz solar não pode haver fotossíntese, que é a base da cadeia alimentar nos
recifes de coral das águas tropicais.
Sem fotossíntese, há uma redução drástica na
quantidade de oxigênio em suspensão, uma vez que o processo é responsável pela
liberação do oxigênio no meio ambiente, seja ele aéreo ou aquático. Daí a ideia
de que não poderiam existir recifes em desembocaduras de rios tropicais com
grande aporte de sedimentos, os chamados rios barrentos.
Os pesquisadores contam que tal ideia permanece
válida no caso dos recifes coralinos, aqueles cujas estruturas são formadas
pelo acúmulo do esqueleto de corais mortos e que dependem da fotossíntese.
Ocorre que recifes coralinos não são os únicos tipos de recifes. Há também os
recifes formados por esponjas e algas calcárias. E é exatamente esse o caso do
grande recife que floresce entre 60 e 120 metros de profundidade, a cerca de
200 quilômetros da foz do rio Amazonas.
A maior parte dos 300 mil m3 de água barrenta que o
Amazonas despeja a cada segundo no Atlântico é carregada pelas correntes
marítimas na direção norte e isso contribui para o novo recife não ser
homogêneo, destacam os cientistas.
Corais e esponjas gigantes
O recife agora descoberto é dividido em três
setores. O setor norte, que vai do Amapá até a Guiana Francesa e além (os
pesquisadores acreditam que ele prossegue nas águas do Suriname), é o que se
formou abaixo de uma pluma permanente cuja espessura chega aos 25 metros de
profundidade.
Abaixo desta pluma, a luminosidade é de apenas 2%. Em tais
condições praticamente não há fotossíntese. Apesar disso, há coral, esponjas
gigantes, peixes e lagostas.
O setor norte é o mais interessante do ponto de
vista científico, justamente por ser o mais improvável.
Na falta de
fotossíntese, os pesquisadores já sabem que a cadeia alimentar é baseada na
quimiossíntese, a capacidade que algumas bactérias muito simples têm de usar
compostos nitrogenados e amônia para produzir energia. Essas bactérias são a
base de alimentação de microrganismos, esponjas e moluscos.
O setor central do recife, que fica diante da ilha
do Marajó, caracteriza-se por uma pluma menos espessa que aquela do setor
norte. Sua densidade é variável e decresce na direção sul. A diminuição da
pluma reduz o bloqueio aos raios solares.
Daí o setor central exibir uma transição entre os
recifes de esponjas e algas calcárias que prevalecem ao norte e os recifes de
formação coralina de águas tropicais claras que prevalecem no setor sul, entre
o Pará e o Maranhão. É nessa região que se encontra o Parcel de Manoel Luiz, o
maior recife de corais do Atlântico Sul, cuja existência é conhecida há
décadas, por ser o local do maior cemitério de navios do Brasil.
“Aparentemente, o recife que acaba de ser
descoberto começou a se formar entre 14 mil e 12 mil anos atrás. Em termos
geológicos, é recentíssimo”, disse Mahiques.
E a explicação é simples. No auge da última era do
gelo, há 21 mil anos, o nível do mar estava 130 metros abaixo do atual, com
toda a plataforma continental brasileira exposta. Com o derretimento das
grandes calotas glaciais que cobriam boa parte do hemisfério Norte, o nível dos
mares subiu, alagando toda a plataforma continental e criando ambiente propício
para a colonização pelos recifes.
O novo recife se estende por 9 mil km2. “Durante as
duas expedições que fizemos em 2012 (com ao Navio Oceanográfico Atlantis) e
2014 (com o Navio Oceanográfico Cruzeiro do Sul), ficamos ao todos 15 dias no
mar e mapeamos apenas 10% dessa área. Precisaríamos de mais 100 dias, ou três
meses de mar, para mapear o que resta do recife,” disse Thompson. “A gente está
longe de entender aquele sistema. Há inúmeros aspectos do recife que precisam
ser estudado.”
A equipe pretende voltar em breve ao recife, usando
o navio oceanográfico Alpha Crucis, o Cruzeiro do Sul, da Marinha
brasileira, ou outra embarcação do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação.
O artigo An extensive
reef system at the Amazon River mouth (doi:
10.1126/sciadv.1501252), de Rodrigo Moura e outros,
publicado na Science Advances, pode ser lido em: aqui.
Fonte: Agência Fapesp
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