Da mesa
ao campo, uma revolução em movimento.
A opção alimentar não é apenas uma escolha
individual, é um ato político. Já existe uma rede voltada para transformar
essas relações de consumo.
Por Eduardo Rombauer, da Página 22 –
Nesta edição destacamos a busca por um outro
modelo de desenvolvimento da vida no campo e o seu maior desafio: como
viabilizá-lo em grande escala?
Essa pergunta remete às escolhas individuais; aos
hábitos e cultura alimentar refletidos no cotidiano. A cada vez que servimos
uma refeição, em nosso prato está um espelho da disputa de modelos de produção
que hoje coexistem no campo.
Ao cozinhar menos em casa, comprometemos a
identidade cultural e alimentar, aumentando a dependência dos alimentos
industrializados e ultra-processados. Algumas regiões tornam-se “desertos
alimentares”, áreas em que o acesso a alimentos frescos e saudáveis, como
frutas e verduras, é escasso. O alarmante e crescente índice de obesidade em
todas as classes sociais manifesta-se principalmente em grupos vulneráveis como
as crianças e os jovens.
Em contraponto, a diversificação alimentar, a
redução ou eliminação dos agrotóxicos nos processos produtivos, a interpretação
da rotulagem das embalagens são alguns dos movimentos que já estão à disposição
e podem se expandir na medida em que cresce a consciência por uma alimentação
mais saudável e em equilíbrio com o ambiente.
A sociedade entende cada vez mais que a saúde,
vista de forma integral, parte da alimentação. As prateleiras de orgânicos são
cada vez mais comuns, grandes redes de fast-food encolhem, o mercado mundial de
refrigerantes começa a ser mais restrito e as marcas de produtos naturais se
diversificam. O açaí abriu espaço para o cupuaçu e a graviola. Observamos cada
dia mais exemplos como esses.
Essa dinâmica, resultado da visão ampliada da
integração dos conceitos de saúde e alimentação, abre espaço para as
agroflorestas, o extrativismo, o cooperativismo, a agricultura familiar. Todos,
sistemas de produção mais alinhados às crescentes exigências da agenda ambiental,
socialmente mais relevantes, e alinhados aos ciclos da natureza (leia
mais sobre agroflorestas).
O ponto de tensão para que esses hábitos ganhem
escala é o preço. A grande indústria de alimentos foi desafiada a encontrar
maneiras rentáveis e escaláveis de atender à demanda crescente de qualidade de
vida.
Diante disso, as questões que se colocam são: o
que pode expandir esta mudança tornando-a mais inclusiva? Quais práticas já em
curso tornam viável esse outro modo de produzir e consumir alimentos?
No arranjo institucional, exemplos reais de
avanço nessa direção são o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o
Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde (mais sobre o guia
em reportagem Ligue os pontos).
O PNAE define a origem de parte da compra como
proveniente da agricultura familiar dando preferência aos orgânicos, e o guia
qualifica os alimentos ultraprocessados como prejudicais à saúde.
Outros exemplos mais difusos também nos levam a
mudanças de comportamento: na sociedade e nos movimentos ativistas, o slow
food, vegetarianismo, o ambientalismo, o comércio justo, a nova economia, são
ícones entre diversas outras formas de manifestação. Destaca-se ainda o papel
dos nutricionistas, ao produzir e divulgar informações valiosas que viralizam
por todos os meios de comunicação, a exemplo do blog inspirador do título deste
artigo: canaldocampoamesa.com.br.
Existem ainda práticas de fronteira que indicam
caminhos para reconfigurar inteiramente a relação entre o campo e a mesa, e
podem referenciar um outro modo de relação entre o campo e a cidade.
Uma
exemplo são as CSAs – Comunidades que Suportam Agricultura – que formam
associações diretas entre o consumidor e o produtor, têm se difundido pela
Europa e começam a se desenvolver no País.
Existe uma rede que organiza uma revolução
alimentar e, por sua vez, modifica positivamente nosso vínculo com a vida no
campo. O próximo passo para fortalecê-la é expandir essa mudança de consciência
com uma compreensão ampliada da responsabilidade de nossas escolhas de consumo.
Olhando para a frente, mais do que interpretar os
rótulos das embalagens, precisamos aprender a fazer escolhas que consideram, na
íntegra, o processo da viagem do alimento da fazenda ao nosso prato. Para
chegar aqui, este produto gastou carbono em excesso? Maltratou pessoas e
animais?
Destruiu florestas? Fez propaganda enganosa?
Promover a sustentabilidade no campo e em nossas
vidas requer mudanças coletivas de comportamento. A opção alimentar é mais que
uma escolha individual: é um ato político.
* Em colaboração com o agrônomo Gerd Sparovek
e a organização Novos Urbanos.
Fonte: Página 22
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