Titica de
galinha: o combustível improvável.
Excrementos de galinhas e também de suínos e
bovinos se transformam em biometano para gerar energia em Itaipu.
Por Reinaldo Canto*
Segundo o Dicionário Aurélio, a expressão titica de
galinha tem provável origem africana, mas não se sabe ao certo. Já o seu
significado é de fácil compreensão: simplesmente excrementos de aves. Por outro
lado, a cultura popular denominou a expressão “titica de galinha na cabeça”
para exprimir rejeição a alguma bobagem dita por alguém. Quem já não ouviu ou
disse: O que é isso? Por acaso você tem titica de galinha na cabeça? Pois é!
Portanto, a tal da titica sempre esteve associada ao que não presta em sua
forma literal ou mesmo simbólica.
Mas além de porcaria ou bobagem essa titica é, há
muitos anos, motivo de grande preocupação para as pequenas e médias
propriedades rurais localizadas no Oeste do Paraná, estado que é o maior
produtor de carne de frango do país (quase 33%) e importante produtor de ovos
do Brasil (em torno de 6%). Nessa região, uma pequena parcela dessa verdadeira
montanha de excrementos tradicionalmente se transforma em biofertilizante a ser
usado nas lavouras. O restante sempre foi descartado e na maioria das vezes, da
pior maneira possível, ou seja, despejado em rios e no solo com seu nada
benéfico potencial contaminante.
Mas de lixo e problema ambiental, uma solução tem
tomado forma graças a um projeto desenvolvido pela Cibiogás – Centro
Internacional de Energias Renováveis–Biogás que é uma instituição científica, tecnológica
e de inovação localizada no Parque Tecnológico Itaipu e tem como a sua
principal financiadora, a gigante Itaipu Binacional (leia-se Usina Hidrelétrica
de Itaipu). Excrementos de galinhas e também de suínos e bovinos se transformam
em biogás para gerar energia e o que é mais interessante também acaba virando
biometano, um combustível para veículos.Hoje, já são 43 carros à disposição da
Itaipu movidos à titica de galinha.
A utilização desse material para os veículos ainda
se dá numa quantidade ínfima em relação ao que é produzido diariamente nas
granjas paranaenses, mas pode começar a mudar a realidade da região. O projeto
já deixou a sua fase experimental e pretende ser ampliado em breve, mas no
momento apenas uma granja de médio porte é a responsável por manter os carros
em movimento.
Rodrigo Regis de Almeida Galvão, diretor-presidente
da Cibiogás conta que o projeto começou há 10 anos e foi se aprimorando ao
longo do tempo, “vamos aprendendo com os erros e melhorando o rendimento e
agora estamos na fase de consolidação e acreditamos no potencial, pois é uma
tecnologia barata com um bom custo-benefício para o produtor”.
Granja Haacke
Nada mais natural do que percorrer os 120 kms que
separam a gigante Itaipu e a Granja Haacke localizada no município de Santa
Helena num carro movido a coco de galinha. Na verdade para chegar até lá
fizemos o caminho de volta percorrido pelos cilindros que desde 2013, são
transportados para a estação de abastecimento localizada no interior da Usina
de Itaipu. O desempenho do Siena Tetrafuel (carro movido a quatro tipos de
combustíveis diferentes) é o mesmo de um veículo abastecido com os combustíveis
tradicionais e, claro, sem qualquer odor.
O orgulhoso proprietário da granja, Nilson Haacke
possui no local 84 mil galinhas poedeiras (as que produzem ovos) e 750 bovinos
de corte.Além de fornecer o biocombustível, mantêm a energia estável e ainda
produz o biofertilizante que vai servir de adubo natural para plantações e
pastos. Quando perguntado se o investimento de R$ 700 mil (R$ 400 mil desse
total veio da Cibiogás) valeu a pena, se o Nilson demonstra irritação, “não
pode fazer só pra recuperar dinheiro, afinal que planeta nós vamos deixar para
os nossos filhos?”. O certo é que mais do que o retorno financeiro é fundamental
para o negócio garantir o fornecimento de energia estável, coisa que nem sempre
a Copel, concessionária de energia do Paraná consegue fazer. Há três anos a
granja perdeu 1.400 galinhas por uma queda de energia. Sem a refrigeração
necessária, as penosas não resistiram ao calor e morreram.
Mas o orgulho mesmo é transformar essa titica em
combustível. “O projeto do biometano me fez conhecido até no Paraguai”, ele
conta sorridente, pois vende também no país vizinho, os agora famosos,ovos
Santa Helena.
Outro problema resolvido com o tratamento dos
excrementos foi o do o mau cheiro, situação comum a todas as granjas da região
e uma vergonha para os proprietários na hora de receber visitas.
Fornecimento energético estável, solução para o
odor ruim e até a transformação dos excrementos em lucro não seriam razões
suficientes para convencer os vizinhos de se o Haacke a aderir ao projeto?
Parece que, por enquanto, a resposta é não! “Os outros só querem ganhar
dinheiro fácil, mas a gente precisa antes ter saúde e qualidade de vida”,
responde o granjeiro.Ele acredita que é importante aumentar a escala e
convencer os vizinhos a fazer o mesmo, “quanto mais gente fizer, mais viável
vai ficar”. Hoje os 100 m³ produzidos por dia de efluente líquido na Granja
Haacke vão para um biodigestor, que realiza a digestão anaeróbia dos resíduos,
que resultam em mil m³ de biogás.O combustível é todo preparado na propriedade
rural passando por filtros para ficar apto a se transformar em biometano.
Depois esse gás é comprimido em cilindros e transportado para abastecimento dos
veículos.
A granja também tem um sistema de stand by que
garante a constância no fornecimento da energia elétrica, principalmente para
garantir a refrigeração das aves, evitando quedas repentinas e a consequente
morte dos animais.
Mesmo com a difícil tarefa de convencer outros
proprietários a entrar para o projeto, o que anima os técnicos da Cibiogás para
continuar a investir na ideia é o também constante aumento no custo da energia.
Marcelo Alves de Sousa, gerente de relações institucionais da Cibiogás diz que
os valores da energia passaram em um ano e meio de R$ 0,19 para R$ 0,36.
“Energia significa 30% de todo o custo de uma propriedade rural no Oeste
paranaense”, enfatiza Marcelo. Seja para aquecimento, iluminação e transporte,
Rodrigo Galvão acredita que chegou a hora de “estimular a criação de uma cadeia
de fornecedores nacionais” com potencial capaz de criar um círculo virtuoso que
englobe tecnologia e sustentabilidade na mesma equação.
O futuro irá dizer se o projeto poderá se expandir
no Paraná e quem sabe para outras regiões do país. Afinal, algo que o
agronegócio brasileiro precisa é de boas ideias, tecnologia e muita energia. No
oeste do Paraná as galináceas estão prontas para ajudar nessa tarefa.
* Reinaldo Canto viajou a convite da
Itaipu Binacional. É jornalista especializado em Sustentabilidade e
Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do
Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País.
Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do
Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos.
Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, colunista de Carta Capital e
assessor de imprensa e consultor da ONG Iniciativa Verde.
Fonte:
ENVOLVERDE
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