Panama
papers e a transparência.
Foto: Kristin Palitza/IPS
Poucos países não foram salpicados pelos documentos
vazados este mês pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação
(Icij). Os chamados Panama Papers (Papéis do Panamá) revelam que há cerca de 12
chefes de Estado, alguns no cargo e outros não, entre os 143 dirigentes
políticos, familiares e pessoas próximas que utilizaram paraísos fiscais de
forma secreta.
Por Maddie Felts, da IPS –
Roma, Itália, 14/4/2016 – O Icij divulgou, no
dia 3 deste mês, documentos que revelam obscuros e secretos acordos financeiros
envolvendo algumas conhecidas figuras endinheiradas, além de outras em cargos
de poder. O escândalo mostra as verdadeiras vítimas do sistema financeiro
global, e não são os amigos de nenhum primeiro-ministro. As desigualdades
econômicas seguem prejudicando e atentando contra o progresso e a coesão
social.
A organização Oxfam calculou, em 2015, que algumas
das 62 pessoas mais ricas concentravam tanta riqueza quanto as 3,6 bilhões mais
pobres. Para combater a desigualdade, o Fórum Econômico Mundial identificou
algumas soluções que incluem educação, reformas das políticas tributárias e de
bem-estar social, bem como desenvolvimento da força de trabalho. São
alternativas reais e fundamentais para milhares de milhões de pessoas.
Para reduzir a brecha entre privilegiados e
desfavorecidos, a elite global deve saldar algumas velhas dívidas. ATax Justice
Network (Rede de Justiça Tributária)estima que as pessoas mais ricas concentrem
entre US$ 21 trilhões e US$ 35 trilhões de valores que não pagam impostos.O
extraordinário número de governantes envolvidos nos Papéis do Panamá reflete o
alcance da corrupção existente nos governos em escala local e nacional.
Os bilhões de dólares roubados ou escondidos das
autoridades fiscais pelas figuras públicas envolvidas, e às vezes ambos, são os
que faltam para estradas, escolas e saúde pública. Não só os ricos ficam mais
ricos, mas os pobres sofrem uma opressão sistêmica.Quando o Estado não pode ou
não atende as necessidades básicas dos setores mais vulneráveis, a
criminalidade prospera. As organizações criminosas podem se transformar nos
principais fornecedores de serviços sociais, e acabam criando raízes nas
comunidades a ponto de ganharem a confiança da população e se infiltrarem no
governo local.
Assim, funcionários mal pagos ficam vulneráveis e
cedem à tentação da corrupção, pois os Estados sem dinheiro não podem lhes
pagar o que ganham com os subornos.O Banco Mundial estima que cerca de US$ 1
trilhão são destinados todos os anos ao pagamento de subornos. Não podemos nos
permitir continuar ignorando a corrupção, que representa aproximadamente 5% do
produto interno bruto anual, em torno de US$ 2,6 trilhões, quase 20 vezes mais
do que os US$ 134,8 bilhões destinados à assistência oficial ao
desenvolvimento.
Os leitores deste artigo podem não estar entre as
62 pessoas mais ricas, mas têm acesso a educação, internet e imprensa gratuita,
que é mais do que têm mais de bilhões de pessoas no mundo.Devemos reconhecer e
defender o jornalismo que expõe e denuncia as grandes desigualdades e
injustiças. Não podemos dar como certas as liberdades e as oportunidades que
temos.
Além disso, devemos lutar, não pelo que temos, mas
pelo que merecemos, e, para começar,“pela honestidade, a transparência e a
integridade de nossos governantes”, o que levou Birgitta Jónsdóttir, uma
manifestante da Islândia, a cobrar uma mudança.Ela não é a única descontente.
Os protestos continuaram nesse país europeu, mesmo depois da renúncia do primeiro-ministro
Sigmundur Davið Gunnlaugsson, dois dias depois de surgir o escândalo dos Papéis
do Panamá e se conhecer seus investimentos em paraísos fiscais.
Na África do Sul, a população continua protestando
pelos negócios em que estão envolvidas suas autoridades e suas famílias e,
agora que os Papéis do Panamá revelaram a participação do sobrinho do
presidente Jacob Zuma em contratos petroleiros na República Democrática do
Congo, as manifestações continuarão.
Os cidadãos que gozam da liberdade de realizar protestos
pacíficos devem lutar pela transparência para os milhares de milhões de pessoas
que não podem erguer sua voz.
As próximas eleições presidenciais nos Estados
Unidos deverão ser analisadas de uma nova perspectiva, com a informação
apresentada pelos Papéis do Panamá. Os candidatos procuram se distanciar de
Washington e seus enredos institucionais, mas os eleitores devem começar a
reclamar que, em troca, se afastem dos duvidosos fundos que financiam suas
campanhas.
O sistema de financiamento das campanhas eleitorais
nos Estados Unidos deixa muitos vazios legais, que permitem às corporações e
fundações esconderem milhões de dólares, não muito diferente dos paraísos
fiscais que ocultam bilhões de dólares para dirigentes políticos e
empresariais.
Mesmo em um país tão rico como os Estados Unidos,
15% da população é pobre. O custo dos serviços sociais que frequentemente se
considera inviável é ínfimo ao lado dos trilhões de dólares escondidos por meio
da evasão fiscal. Até onde se sabe, não há nenhum dirigente político
norte-americano implicado nos Papéis do Panamá, mas os documentos vazados dão
aos eleitores a possibilidade de reavaliar o sistema econômico e político de
seu país.
Para os que não têm bilhões de dólares no bolso,
ainda resta uma ferramenta preciosa: nossas vozes.
Devemos erguer a voz por
meio da imprensa e nos expressarmos mediante os processos eleitorais para
garantir a transparência de nossos governos.
Os Papéis do Panamá são como uma caderneta de
qualificações global, e há muitos dirigentes políticos e institucionais com
nota ruim. Que esta informação nos faça, a todos, lutar sem trégua por
processos políticos justos e transparentes em todas as partes.
Fonte: ENVOLVERDE
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