Refugiados
palestinos retornam sem glória.
O refugiado palestino IyadYusef saiu da Síria rumo
a Gaza com muitos integrantes de sua família. Na foto está ao lado de sua
esposa, Ibtisam, e de seu filho mais novo, Noor, em um apartamento em
BeitHanoun, no território palestino de Gaza. Foto: Silvia Boarini/IPS.
Por Silvia Boarini, da IPS –
Gaza, Palestina, 15/3/2016 – No departamento de sua
irmã na cidade palestina de BeitHanoun, no território de Gaza, IyadYusef, de 42
anos, ainda não consegue acreditar em como chegou junto com sua família
procedente da Síria, de onde tiveram que fugir em consequência da guerra.Em
dezembro de 2012, quase meio milhão de sírios haviam fugido de seu país. Mas,
para os refugiados palestinos que residem ali desde a guerra com Israel,em
1948, era cada dia mais difícil partir.
Em abril de 2012, como informou a organização de
direitos humanos HumanRightsWatch, a Jordânia alojava os refugiados palestinos
procedentes da Síria em instalações perto da fronteira.O Egito havia adotado
uma política de somente trânsito, e o Líbano começava a endurecer as medidas
que derivaram na proibição total de receber palestinos em 2015 e, inclusive, em
alguns casos se traduziu em deportações forçadas para o território sírio.
Por sua vez, a Turquia, onde a Agência das Nações
Unidas para os Refugiados Palestinos no Oriente Médio (Unrwa) não tinha
operações, os palestinos ficavam excluídos dos serviços, apesar de sua proteção
estar garantida em um artigo da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados, de
1951, em casos especiais.
Como destaca a rede política palestina Al Shabaka,
os Estados árabes vizinhos justificavam, desde 1948, sua reticência em receber
palestinos com o argumento da necessidade de proteger seu direito de retorno ao
território palestino e de não exonerar Israel de suas responsabilidades. Mas o
fato derivou em políticas profundamente discriminatórias, que deixaram os
palestinos sem pátria e em um limbo legal.
Yusef soube que havia famílias que regressavam a
Gaza e começou a planejar a viagem com sua mulher e os três filhos, sua mãe e a
família de sua irmã. Para eles não era apenas uma questão de segurança, mas de
retornar à sua pátria. Os integrantes partiram da Síria em diferentes momentos,
mas a travessia foi a mesma para todos.Primeiro tomaram um voo até Cairo, de
onde seguiram de ônibus para a cidade fronteiriça de Rafah, na península do
Sinai, e caminharam pelos túneis até chegarem a Gaza. Desde 2012,
aproximadamente 400 famílias palestinas, cerca de 1.800 pessoas, seguiram esse
mesmo caminho.
“Caminhar pelo túnel era como estar preso no
próprio túmulo”, disse Yusef à IPS, e sorriu quando reconheceu que pensou que
haveria gente esperando do outro lado para lhe dar as boas-vindas como
“retornado” a Gaza. Mas, quando saiu debaixo da terra e seus olhos puderam
contemplar a noite, o território idealizado chamado Palestina, que havia
ocupado seus sonhos e que em sua ausência havia definido profundamente sua
identidade, se deu conta de que estava sozinho.
“Não existe um plano de longo prazo para atender
nossa situação, ninguém pode nos oferecer ajuda de forma regular”, contouYusef
à IPS. “Na Síria, os refugiados palestinos costumavam ter o melhor padrão de
vida. Eu era funcionário público e agora tenho que pedir dinheiro emprestado
para pagar o alugue,”, acrescentou.Sua família sobreviveu ao bombardeio de
Israel contra a Faixa de Gaza em 2014, mas as coisas começaram a piorar em
janeiro deste ano, quando as consequências de não receber tratamento para
pressão alta se fizeram sentir e ele começou a perder a visão.
“Os médicos me disseram que nada podiam fazer.
Talvez possam me atender no estrangeiro e haja possibilidade de recuperar um
pouco da vista, mas não aqui”, explicouYusef. Isso é comum aqui, onde a
população civil paga as consequências do bloqueio israelense e das disputas
entre a Autoridade Nacional Palestina, que governa o território palestino da
Cisjordânia, e o Hamas (Movimento de Resistencia Árabe), que governa Gaza.
Para Yusef, o estrangeiro está muito mais longe do
que já está para a maioria da população de Gaza. Os palestinos procedentes da
Síria, que entram de forma ilegal sem serem registrados por Israel, nem mesmo
podem solicitar permissão de saída porque, de fato, não existem. Só o que podem
aspirar é uma carteira de identidade emitida pelas autoridades locais, mas sem
número de registro.
A esposa de Yusef, Ibtisam, também sofre dores
psicossomáticas em seu braço devido ao estresse, e sua sogra, que tem asma,
também está piorando.“Todos nos dizem para pedirmos ajuda a uma organização não
governamental”, afirmou. “Antes de chegar aqui nem mesmo sabia o que é uma ONG.
O governo e a Unrwa nos ajudavam na Síria”, acrescentou. Yusef explicou que “as
crianças recebem alguma ajuda por meio da Unrwa, pelo menos vão à escola, mas
para os adultos praticamente não há nada”.
Algumas poucas organizações oferecem assistência de
forma informal, mas o orçamento costuma estar ajustado a projetos específicos e
a categorias definidas de beneficiários. Entre as ONGs, existe a crença de que
a Unrwa cuida deles. “Estamos em meio à pior crise econômica de nossa
história”, afirmou à IPS Chris Gunness, porta-voz da agência, e é urgente que
os doadores revisem suas doações, porque é sete vezes mais barato atender os
refugiados nessa região do que na Europa ou no Ocidente.
Gunness entende que as pessoas possam estar
descontentes com a Unrwa e suas dificuldades para oferecer serviços essenciais,
mas recordou que há muitos atores responsáveis pela situação no território
palestino de Gaza. “Também é responsabilidade dos israelenses. As pessoas vivem
uma situação terrível em Gaza por causa do bloqueio”.
No vazio deixado pela falta de soluções políticas
para o conflito palestino-israelense e com um sistema humanitário com sérias
dificuldades para ajudá-los, os refugiados perdem a esperança. Embora alguns
refugiados palestinos na Síria tenham conseguido abrir negócios e refazer suas
vidas em Gaza, para a maioria a situação está longe de ser o idílico sonho do
retorno.
Para denunciar sua situação, um grupo de palestinos
da Síria criou a associação Hakki, cujo porta-voz, Omar Ouda, chegou a Gaza em
2012. “Mesmo quando éramos poucos, demoramos muito tempo para receber ajuda”,
contou à IPS. “Organizamos um piquete em frente do Ministério de Assuntos
Sociais, para que se dessem conta de que estamos aqui e que precisamos de uma
solução de longo prazo”, acrescentou. Mas, apesar dos protestos regulares, a
ajuda não se concretizou. Inclusive foi um problema registrar a associação
devido à falta de documentos.
Em certo momento, a Unrwa ajudou algumas famílias a
pagarem o aluguel, depois apareceram algumas oportunidades de emprego
temporário, mas nada de regular. Muitos refugiados já perderam a esperança de
poderem ficar em Gaza, e menos ainda de regressar aos seus povoados que ficaram
em território israelense.
“Somos advogados, professores e médicos, buscando
uma oportunidade para ficarmos em Gaza, na Palestina e em nossa terra”,
ressaltou à IPS Atef Ammawi, da Hakki. “Nos sentimos traídos. O direito de
retorno é uma promessa vazia. Somos tão poucos e não há ninguém que possa nos
ajudar”, acrescentou.Os que podem juntam dinheiro para sair de forma ilegal,
com a esperança de chegar à Europa, ao Canadá ou aos Estados Unidos. Já são 160
famílias, das 400 que retornaram a Gaza em 2012, que voltaram a partir.
Fonte: ENVOLVERDE
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