segunda-feira, 2 de maio de 2016

Mudanças climáticas atingem do Peru a Porto Alegre.
Foto: Shutterstock

Por Larissa Oliveira – 

As mudanças climáticas finalmente têm sido reconhecidas como parte das ameaças à conservação das espécies e, principalmente, que elas foram aceleradas pela ação do homem. Como cientista, sempre acompanhei na literatura mundial as pesquisas relacionadas a esse tema, mas nunca imaginei que seria testemunha ocular de tal fenômeno e que ele impactaria diretamente minhas pesquisas e história acadêmica.

Em novembro de 1997, fui realizar as atividades de campo do meu mestrado na costa do sul Peru, a fim de estudar os lobos-marinhos da região, quando ocorreu o evento de El Niño mais forte da história até então registrado. Ele é um fenômeno oceanográfico, em que ocorre o aquecimento superficial das águas do oceano Pacífico, causando uma diminuição da produtividade primária e, consequentemente, afetando toda a teia alimentar local.

Em função do aumento médio da temperatura do mar daquele ano ter sido acima de 4oC e começado ainda no início do ano (ao invés de dezembro), a presa fundamental de inúmeros vertebrados marinhos da região (golfinhos, pelicanos, lobos e leões-marinhos e aves marinhas em geral), uma sardinha chamada “anchoveta” (Eugraulis rigens), desapareceu em busca de águas mais frias, possivelmente refugiando-se em maiores profundidades ou ao sul, em direção ao Chile. 

Consequentemente, muitos animais marinhos que se alimentavam desse peixe morreram de inanição, transformando a costa peruana em um grande cemitério, justamente o litoral tido como o mais produtivo do mundo. Essa imagem impactou toda uma geração de pesquisadores daquele país e, em especial, a brasileira que redige estas linhas.

Mas qual é a relação entre o El Niño, as mudanças climáticas e o homem? Acredita-se que a frequência e a magnitude dos eventos de El Niño têm sido intensificadas como efeito direto das mudanças climáticas. E o homem, nisso tudo, é um agente promotor e acelerador dessas mudanças climáticas e, simultaneamente, sofre com os efeitos das teleconexões atmosféricas do El Niño, tendo em vista os recentes períodos de seca e enchentes ocorridos em toda a América do Sul e, em especial, no Brasil.

A combinação dos efeitos diretos do El Niño e da sobre-exploração de recursos naturais pelo homem pode levar a resultados mais catastróficos ainda, inclusive economicamente, como foi o colapso da pesca da anchoveta no Peru, durante o El Niño de 1997. Dessa forma, os peruanos deram-se conta de que a crise ambiental dentro do cenário das mudanças climáticas estava muito mais perto da sua vida cotidiana do que imaginavam. Contudo, podemos olhar para o nosso próprio “quintal”, pois essa história poderia se repetir nas nossas cidades. 

Recentemente, em janeiro de 2016, fomos testemunhas (pela segunda vez, no meu caso) de um evento climático formalmente identificado como ciclone tipo I em Porto Alegre. O resultado de sua passagem foi a devastação de inúmeros bairros da cidade, devido ao tombamento de milhares de árvores e da perda de energia por vários dias em parte desses locais – felizmente, sem vítimas fatais.

De acordo com os especialistas, foi um episódio sem precedentes e com magnitude pouco previsível. Isso alertou-me para a nossa fragilidade diante dos fenômenos climáticos e nossa (total) dependência das atuais fontes de energia dentro das cidades também. São nesses momentos que a crise ambiental no planeta ocorre também no âmbito do espaço urbano.

Metade da população mundial habita as cidades, as quais também estão à mercê dos fenômenos climáticos. Nossa linda arborização da cidade, com grandes (e frágeis) árvores exóticas, tornou-se uma ameaça permanente à população, e também transformou a cidade em zona de guerra pela presença de inúmeras “barricadas verdes”, formadas pelos galhos reunidos nas esquinas, à espera de recolhimento.
Porto Alegre vista da Ilha da Pintada. Foto: Ricardo André Frantz/WikimediaCC

Contudo, segundo a própria população, a falta de energia elétrica foi apontada como a situação mais traumática após o episódio do temporal. Esse relato é mais uma evidência de que o espaço urbano também está em crise socioambiental devido à busca incessante de energia (ex. água, gás, combustíveis fósseis etc.), dificuldade no tratamento dos seus resíduos, além da necessidade de expansão ininterrupta nas áreas periféricas.

Dessa forma, questões como eficiência energética, conforto ambiental, uso sustentável dos recursos naturais e mitigação de impactos ambientais tornaram-se condições imperativas na tomada de decisões no planejamento urbano, a fim de compatibilizar o crescimento econômico de uma cidade com este novo cenário ecológico que se descortina no século XXI.

Um modelo de cidade que estimula o consumo e não prioriza o meio ambiente não pode ser chamado de cidade “sustentável”. A partir dessa premissa, faz-se necessária uma série de readequações de espaço nas cidades para favorecer a restauração e a real sustentabilidade dos ecossistemas urbanos.

A discussão dessa problemática faz-se urgente e necessária em várias esferas da sociedade. Por isso, durante o evento Virada Sustentável Porto Alegre 2016, devemos ser os pioneiros no sul do Brasil a discutir a sustentabilidade urbana, nossa “pegada ecológica”, a implementação de medidas urbanas mais realistas que tornam nossas cidades verdadeiramente sustentáveis e, principalmente, quem daria o primeiro passo em direção a esse caminho. Venha descobrir tudo isso nos dias 01 e 02 de abril, no Auditório Araújo Vianna.

* Larissa Oliveira bióloga, é professora e pesquisadora do Programa de pós-graduação em Biologia UNISINOS. Membro do Grupo de Estudos de Mamíferos do Rio Grande do Sul.(GEMARS). 


Fonte: ENVOLVERDE

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