Discutir
as cidades, sem perder tempo.
Até 2030 haverá no mundo 41 megacidades, cada uma
delas com mais de 10 milhões de pessoas. Foto: Shutterstock.
Seremos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, dois
terços dos quais em cidades.
Por Washington Novaes*
Só pode ser bem-vinda a realização nesta semana, em
São Paulo, do evento “Caminhos para as cidades”, já que estimativas calculam em
30% a população de zonas urbanas brasileiras que só se desloca a pé todos os
dias e consome para isso mais de uma hora e meia, em média, nas maiores
cidades. Para essa parcela e para deficientes físicos que se deslocam em
cadeiras de rodas a situação e as regras da “caminhabilidade” são decisivas.
Um dos caminhos em discussão é o uso de aplicativos
para registrar problemas como buracos, postes mal sinalizados, calçadas muito
estreitas, rampas de saída de garagens, degraus e outros obstáculos que impedem
ou dificultam a mobilidade de quem se move a pé ou em cadeiras de rodas, assim
como problemas nas áreas de seguranças, sinalização e outros – de modo a
orientar ações públicas. Só na Região Metropolitana de São Paulo, com 20,9
milhões de habitantes (Unicamp, 22/3), registram-se diariamente 43,7 milhões de
deslocamentos. Isso pode ser traduzido para cerca de 15 milhões de deslocamentos
por pedestres.
E embora praticamente não se ouça falar de
macroplanejamentos para essas questões, a Prefeitura de São Paulo tem
mencionado um “novo zoneamento” para a cidade que permita em certas áreas
altura máxima de 40 metros (14 andares) para prédios que hoje só podem ter, no
máximo, 28 metros (8 andares). Uma “ideia aloprada”, como qualificou editorial
deste jornal (2/3, A3). Da mesma forma que poderia ser qualificada a tese
lançada pelo prefeito de “derrubar o Minhocão” ou de fechá-lo por um , dois ou
três meses para verificar a “resposta de pedestres e condutores de veículos”
(18/3, A3).
Vai-se considerar, por exemplo, ao discutir a
expansão urbana, que São Paulo tem hoje mais de 2 milhões de metros quadrados
em imóveis sem uso – um número equivalente a duas Heliópolis, como lembrou este
jornal (22/3) ? Ou ainda que 15 bairros da cidade “encolhem” há duas décadas,
por motivo variados (Folha de S.Paulo, 27/3)? Como se pretende encarar as duas
questões? Trabalho recentemente discutido na Universidade de Campinas (24/3)
por Aparecido Soares da Cunha tratou da tese de que São Paulo, Rio de Janeiro,
Santos, Campinas e as cidades do Vale do Paraíba tendem a formar um grande e
único aglomerado.
Quando se discutem esses temas, um dos primeiros
embaraços está no problema de 40% dos domicílios urbanos brasileiros não
estarem conectados a redes de esgotos; e dos esgotos coletados, nem metade é
tratada. Grande parte das fezes humanas produzidas (15 milhões de
toneladas/ano) vai ser despejada em rios. Segundo o IBGE, menos de 50% dos
municípios dispõem de sistemas de coleta e tratamento eficientes, que recebem
cerca de 400 mil metros cúbicos diários. O déficit é enorme: pode-se lembrar
que cada ser humano gera 200 gramas diários de fezes, total de cerca de 40,8 mil
toneladas diárias. Só que apenas 40,8% dos esgotos são tratados, segundo o
Ministério do Meio Ambiente (24/3). O restante – esgotos coletados, mas não
tratados – vai, juntamente com os esgotos não recolhidos pelo sistema, poluir
os cursos d’água.
Pouco se faz também ou se planeja para enfrentar o
alto nível de poluição do ar nas zonas urbanas – muito acima do máximo
recomendado pela Organização Mundial de Saúde –, principalmente por causa de
combustíveis usados em mais de 80 milhões de veículos que já circulam. E agora,
apesar da recessão, planeja-se para este ano a venda de mais 1,68 milhão de
novos veículos – no ano passado foram vendidos 2,56 milhões; em 2012, mais de
3,8 milhões (Estado, 5/3).
O problema das águas torna-se ainda mais grave
quando se lembra a advertência do Programa Hidrológico Internacional: se nada
for feito para conter a crise que já está aí, teremos uma queda de 20% no
suprimento mundial de água potável, com uma progressão sempre que se registrar
o aumento de um grau Celsius na temperatura mundial.
Menos água e mais poluída. E ainda continuamos
desperdiçando 36,4% da água disponível no País. A principal causa –
encanamentos velhos – ocorre antes mesmo de a água chegar às casas e a outros
consumidores. Uma consulta pública está em andamento sobre o Plano Nacional de
Recursos Hídricos para 2016-2020, que se debruçará também sobre a gestão
adequada de metais pesados – para evitar problemas na água e no ar –, assim
como sobre a segurança de barragens. E ainda sobre a dessalinização de água no
Semiárido brasileiro, que já beneficia mais de 480 mil pessoas.
É preciso lembrar igualmente a questão dos
resíduos. Segundo a associação das empresas de limpeza (Abrelpe), no ano
passado foram coletados 164 milhões de toneladas (pouco mais de 450 mil por
dia), quando outras estimativas de produção de lixo domiciliar têm sido de
cerca um quilo por dia por pessoa – o que significaria mais de 200 mil
toneladas diárias. Mas grande parte disso vai para mais de mil lixões no País
todo. Brasília, a capital da República, tem um dos maiores, próximo da
Esplanada dos Ministérios e da sede do governo distrital. O Congresso Nacional
marcou para 2012 a data final para a extinção dos lixões, mas o ultimato não
foi ouvido. E mesmo onde não há lixões, a coleta costuma ser deficiente, lixo e
sujeira atravancam ruas – até mesmo com lixo orgânico, que responde por metade
do lixo total.
Já são muitos os estudos que apontam para um forte
crescimento das populações em áreas urbanas.
Seremos mais de 7 bilhões de
pessoas no mundo, dois terços dos quais em cidades. Até 2030 haverá no mundo 41
megacidades, cada uma delas com mais de 10 milhões de pessoas (Estado, 20/3),
incluídas São Paulo e Rio de Janeiro. Pode-se tentar imaginar a dimensão dos
problemas, partindo da gravidade de hoje.
* Washington Novaes é jornalista
(wlnovaes@uol.com.br).
Fonte: O Estado de S. Paulo
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