O papel
do jornalismo nas sociedades democráticas.
Congresso Gife 2016 – Painel “O papel do jornalismo
em sociedades democráticas”.
O jornalismo editorialmente independente e
economicamente sustentável é a melhor garantia que uma sociedade pode ter para a
manutenção da democracia.
Por Dal Marcondes, da Envolverde*
Em qualquer lugar onde dois ou mais jornalistas se
reúnem, o jornalismo se torna o assunto principal. A crise do jornalismo, as
demissões nos grandes jornais, as novas mídias e as mídias sociais. Afinal,
qual seria o papel do jornalismo nesse mundo em transição? Uma definição
corrente é que o jornalismo é o principal instrumento da sociedade para a
garantia da democracia. No entanto, de que jornalismo se está falando?
Daquilo que se pratica nas redações dos grandes jornais, nos telejornais, nos
blogs, nos meios alternativos ou nas mídias sociais? Segundo os
participantes da mesa de debates “O Papel do Jornalismo nas sociedades
democráticas”, que aconteceu no segundo dia do 9º Congresso GIFE, emblematicamente
31 de março, não importa muito onde se está praticando o jornalismo. O
fundamental é que seja independente.
O jornalismo independente, segundo Ricardo Gandour,
diretor de conteúdos do Grupo Estado, é fundamental não apenas para a
democracia, mas também para a qualidade do ambiente de negócios no país. “A
transparência e o fortalecimento do ambiente informativo estão entre os
fundamentos de uma sociedade livre”, explicou. No entanto, essa independência
editorial está umbilicalmente ligada à independência financeira dos
veículos. Ele acredita que o jornalismo “é uma atividade privada de alto
interesse público”, e que a crise de modelo de negócios que a mídia vem
atravessando exige das organizações muita criatividade para bancar uma
atividade fundamental para a sociedade, mas cara para os empreendedores.
Em um debate com plateia formada principalmente por
gestores de organizações filantrópicas empresarias, o financiamento ao
jornalismo emergiu como pauta, principalmente pelos diagnósticos dos
participantes, que apontaram para a necessidade de um jornalismo capaz de
oferecer uma visão plural à sociedade, no entanto incapaz de abraçar essa
tarefa por falta de investimentos. Para Pedro Abramovay, representante da Open
Society Foundations, os institutos e fundações empresariais estão
bastante habituados a financiar “causas”, aportar recursos em projetos ou mesmo
contratar jornalistas para que escrevam sobre um determinado assunto de
interesse da organização. “Mas não conseguem ver, ainda, o próprio jornalismo
como uma causa”, explicou.
Abramovay frisou a importância do jornalismo
independente para o fortalecimento das instituições democráticas, e pontuou que
não há como se avançar nesse debate sem se falar em dinheiro. E alertou:
“Um negócio que tem poder, mas não dá dinheiro pode ficar à mercê de interesses
econômicos e não a serviço dos interesses da sociedade”. Para o
representante da Open Society, a sociedade está preocupada com a
democracia mas ainda não se apercebeu que a crise do jornalismo é um risco para
a independência dos conteúdos que se oferece para a sociedade e, portanto,
um risco para a própria democracia.
E a efervescência das mídias sociais e da internet,
que por um lado retirou dos jornalistas o protagonismo como curadores de
informações para a sociedade, por outro também montou uma armadilha
informativa, que dá às pessoas a falsa sensação de que estão sendo informadas
sobre tudo o que interessa, mas que na verdade rodam em círculos com poucos
conteúdos apurados de forma profissional, com fontes e com credibilidade. Esse
foi o alerta feito por Bruno Torturra, um dos fundadores do grupo Mídia Ninja e
que atualmente atua no Fluxo.
A internet tornou-se nos últimos anos o principal
fator de desestabilização do modelo de negócios dos grandes jornais e revistas,
ao mesmo tempo em que acenou para a sociedade como um vetor de democratização
da informação, na medida em que tornou cada cidadão um hub
informativo. A imprensa tem como a mais importante fonte de recursos a
publicidade, e isso era também a garantia de independência financeira e
editorial. No entanto, as empresas anunciavam nos jornais e revistas porque
esse era o único meio que tinham para alcançar grandes públicos. Não havia
alternativa, agora há, como explicaram os debatedores.
Sem essa fonte de recursos os jornais minguaram em
equipes e em número de páginas. Uma lacuna se formou em relação à apuração de
pautas complexas, principalmente as investigativas, que demandam além de
dinheiro, tempo de dedicação de jornalistas para entrevistas e para chafurdar
arquivos e bancos de dados. Nesse nicho, graças à inventividade de algumas
jornalistas, se desenvolveu a Agência Pública, representada neste debate por
uma de suas fundadoras, Natália Viana. A Pública não apenas tem buscado
recursos para se manter como, também, para apoiar projetos de outras
iniciativas e jornalistas, através de ofertas de minibolsas e concursos para a
construção de pautas relevantes, principalmente na área de direitos humanos.
Recentemente realizou um importante mapeamento das
mídias independentes que atuam no Brasil.
“É um momento de transição onde a atuação em rede e
a colaboração entre as iniciativas é importante para fortalecer a cobertura de
temas normalmente relegados a notas de pé de página nos grandes meios, ou nem
isso”, disse Natália a um público que também se preocupa com a partidarização
ou a ideologização dos meios. Para a editora da Pública esse viés
ideológico não é um problema se houver transparência. “É preciso que o leitor
saiba que este ou aquele meio carrega a bandeira de uma causa, ou de um
partido”, disse.
A Pública tem se destacado não apenas pela produção
de um jornalismo de qualidade, que já é reconhecido por grandes meios em
parcerias editoriais, mas também por se propor a alavancar um debate mais
profundo sobre o jornalismo, através de diálogos e workshops em sua “Casa Pública”,
no Rio de Janeiro, que reúne com regularidade profissionais, estudantes e
interessados no tema.
Outro modelo de jornalismo foi apresentado por
Leandro Beguoci, da Fundação Lemann, organização que atua com pautas em
educação, que estruturou uma parceria com a Fundação Victor Civita para manter
atuantes as revistas Nova Escola e Gestão Escolar, publicações já clássicas no
cenário brasileiro da educação. Um modelo que segundo Beguoci vem dando certo,
com os jornalistas mantendo sua independência e liberdade e pautas e análises.
Esse é um caso de financiamento direto de fundações empresariais a um meio,
mesmo que temático, neste caso, dedicado a professores e à gestão escolar, um
modelo importante a ser observado por outras organizações presentes ao
Congresso GIFE.
Colocar o jornalismo no centro da pauta tem sido um
grande desafio para as empresas e para os profissionais, agora também
para uma miríade de empreendedores que acreditam na importância da
informação independente para a construção de uma sociedade livre. A aproximação
do tema junto a organizações que tradicionalmente financiam causas é
fundamental para o avanço da democracia no Brasil. Segundo Ricardo Gandour, a
participação dessas organizações no financiamento do jornalismo pode ser uma
contribuição fundamental para o futuro da imprensa livre.
* Dal Marcondes é jornalista, diretor da
Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência
Estado, Gazeta Mercantil, revistas IstoÉ e Exame. Desde 1998 dedica-se à
cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento
sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial.
Fonte: ENVOLVERDE
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