terça-feira, 24 de maio de 2016

Proteger áreas em risco ou fontes de renda?
Pescadores capturando barracudas, um peixe de crescimento relativamente rápido. Foto: Mark Chipps/WWF.

Apenas 9% dos ecossistemas costeiros estão bem protegidos. A maioria, na realidade, goza de um cuidado moderado, o que destaca o fato de muitas áreas marinhas protegidas não estarem bem cuidadas em relação aos efeitos da pesca.

Por Munyaradzi Makoni, da IPS – 

Cidade do Cabo, África do Sul, 6/4/2016 – No ano passado, quando as autoridades da África do Sul permitiram uma experiência-piloto de pesca na área marinha protegida e mais antiga da África, Tsitsikamma, houve grande indignação porque é a maior do mundo, com 80 quilômetros de uma rochosa faixa costeira e abundante variedade de espécies em perigo. Além disso, atribui-se a essa área protegida a recuperação das superexploradas reservas pesqueiras do país.

A Associação de Amigos de Tsitsikamma queixou-se de que não foi consultada, como deveria. Os cientistas marinhos sentem que a decisão do Departamento de Assuntos Ambientais “abrirá o coração” de uma área protegida à exploração. Os pescadores artesanais ameaçarão a segurança dos turistas se não tiverem direitos de pesca garantidos, com a finalidade de que esse órgão destine cotas de pesca em algumas partes de Tsitsikamma.

Em novembro de 2015, a ministra de Assuntos Ambientais, Edna Molewa, divulgou normas sobre as mudanças na Área Marinha Protegida de Tsitsikamma, como a que levanta a proibição de pesca para quem reside no raio de oito quilômetros do lugar. A decisão foi revogada em janeiro deste ano pela justiça. Os protestos e a decisão judicial destacaram a necessidade de realizar consultas adequadas sobre um assunto que frequentemente é controvertido, como o é o equilíbrio.

Mas as duas partes buscam uma solução amigável. Molewa publicou,no dia 9 de fevereiro no diário oficial, rascunhos de novas normas para declarar uma rede de 22 novas áreas marinhas protegidas. As áreas integram a Iniciativa Operação Phakisa, um programa lançado em outubro de 2014 para maximizar o enorme potencial econômico dos oceanos, e ao mesmo tempo protegê-los. Ficou muito difícil conseguir um equilíbrio entre as necessidades econômicas e sociais.

Molewa apontou que a iniciativa procura criar cerca de 70 mil quilômetros quadrados de áreas marinhas protegidas, aumentando para mais de 5% a superfície sob proteção dentro da Zona Econômica Exclusiva da África do Sul. Menos de 0,5% dos ecossistemas oceânicos estão protegidos formalmente, em comparação com os 8% em terra firme, como o Parque Nacional Kruger e o Parque Nacional Montanha da Mesa, acrescentou.

Segundo a ministra, “a rede cobrirá todo o espectro da biodiversidade, garantirá a obtenção de benefícios dos oceanos e oferecerá importantes áreas de referência para compreender e administrar a mudança em nossos oceanos”.As novas áreas protegidas assegurarão o cuidado de ecossistemas marinhos como arrecifes, mangues e terras úmidas costeiras, que ajudam a proteger as comunidades costeiras das tempestades mais fortes, do aumento do nível do mar e de outros eventos climáticos extremos, destacou.

“Mar adentro, as áreas protegidas resguardarão ecossistemas vulneráveis e garantirão zonas de criação para várias espécies, contribuindo para manter a pesca e assegurando os benefícios de longo prazo, que são importantes para a alimentação e a segurança trabalhista”, explicou Molewa. As autoridades deram à população 90 dias para comentar a proposta de áreas protegidas.

Um informe do Instituto Nacional de Biodiversidade da África do Sul indica que 64 dos 136 ecossistemas marinhos e costeiros estão ameaçados, ou cerca de 47%, e, além disso, 17% do total estão, de fato, em grave perigo. Segundo o documento, 54 áreas, 40% do total, nem mesmo estão representadas na rede de áreas protegidas. A maioria dos ecossistemas não protegidos está mar adentro. Isto significa que quase todas as áreas protegidas estão a pouca distância da costa.

Apenas 9% dos ecossistemas costeiros estão bem protegidos. A maioria, na realidade, goza de um cuidado moderado, o que destaca o fato de muitas áreas marinhas protegidas não estarem bem cuidadas em relação aos efeitos da pesca.“Não há muita consciência sobre o papel que cumprem as áreas marinhas protegidas na conservação da biodiversidade, na gestão da pesca, na adaptação à mudança climática e na obtenção de benefícios socioeconômicos”, destaca o informe.

A pesca é um motor de mudança crucial para os ecossistemas marinhos e costeiros. “Os principais desafios são a superexploração de recursos, a substancial captura acessória não administrada em alguns setores, a acidental mortalidade de aves marinhas, o dano ambiental, a preocupação pela oferta alimentar para outras espécies e o impacto da pesca em outros ecossistemas”, acrescenta o documento. A pesca ilegal continua pondo em risco a biodiversidade, a sustentabilidade dos recursos e o sustento dos pescadores habilitados.

A diretora de programas ambientais do Fundo Mundial para a Natureza da África do Sul, Theresa Frantz, aprova a criação de novas áreas marinhas protegidas porque são uma ferramenta importante para conservar as zonas de pesca. “Há uma razão para a proteção de cada área, pode ser que ali os peixes sejam únicos ou que o fundo marinho tenha características únicas que não são encontradas em outro lugar, por isso é necessário preservar a biodiversidade”, explicou.

Ao mencionar o caso de Tsitsikamma, onde os pescadores podem sofrer o impacto da nova norma, Frantz pontuou que o assunto ficou delicado porque a área resultou ser útil para recuperar algumas reservas pesqueiras da África do Sul. A especialista recordou que, quando se declarou Tsitsikamma como área protegida,“não houve um processo de consulta prévio, e sua publicação no Diário Oficial permitirá a proteção pública”.

A África do Sul consome 312 milhões de toneladas de produtos marinhos por ano, informou Samantha Petersen, responsável pelos programas de pesca do WWF desde seu início, em fevereiro de 2007. A indústria pesqueira emprega centenas de pessoas, mas, na medida em que aumenta a população, a capacidade dos oceanos não pode mudar para atender a demanda de nossa sociedade, ressaltou Petersen à IPS. “Uma vez que desapareçam as espécies especiais dos oceanos, não poderemos recriá-las”, enfatizou.


Fonte: ENVOLVERDE

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