Agonia
política pode se prolongar no Brasil.
Não ao golpe, diz um cartaz durante manifestação a favor da democracia no Rio
de Janeiro, no dia 31 de março, no contexto das mobilizações contra o
impeachment da presidente Dilma Rousseff, realizadas em muitas cidades do
Brasil, na emblemática data de aniversário do golpe militar de 1964. Foto:
Fernando Frazão/Agência Brasil.
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 4/4/2016 – A crise política
no Brasil ainda reserva muitas surpresas, começando pela provável frustração da
ampla maioria que quer o impeachment da presidente Dilma Rousseff, dessa forma
prolongando a chegada a um desenlace. O isolamento da presidente parece
terminal, desde que o Partido do Movimento Democrático Brasileiro(PMDB) decidiu
deixar a coalizão oficial, em uma reunião de seu diretório no dia 29 de março.
O PMDB é a maior agrupação parlamentar, com 68
deputados em um total de 513, e 18 senadores entre 81, que, em consequência,
detém a presidência das duas casas legislativas. O Partido dos Trabalhadores
(PT) tem apenas 58 deputados e 11 senadores. A dificuldade será conseguir a
maioria de dois terços, ou 342 deputados, exigida pela Constituição para
aprovar o julgamento político da presidente. Um cálculo enganoso faz a conta ao
contrário, atribuindo à presidente a necessidade de obter 172 votos, isto é,
mais de um terço do total para rejeitar o impeachment.
Porém, ausências e abstenções contam a favor de sua
sobrevivência no poder, e será possivelmente a atitude que adotarão muitos que
defendem a presidente, mas temem desafiar a opinião pública. Na última pesquisa
realizada pelo Instituto Datafolha, 68% dos entrevistados são a favor do
impeachment. Um parlamento fragmentado em 25 partidos dificulta a mobilização
de uma maioria de dois terços.
“É impossível”, afirmou Ibsen Pinheiro, deputado do
PMDB, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, argumentando que não
há um consenso nacional pela destituição de Dilma Rousseff. O deputado é
considerado um especialista porque, em 1992, presidia a Câmara Federal que
aprovou o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor, acusado
de corrupção. Naquele caso, o único “impeachment” (palavra anglo-saxã pela qual
é conhecido o processo para a inabilitação), houve “um sentimento de unanimidade”
que Pinheiro não identifica agora na população.
Vista do coração da manifestação em defesa de
democracia no centro de São Paulo, parte das mobilizações ocorridas em muitas
cidades brasileiras no dia 31 de março, contra a destituição da presidente
Dilma Rousseff. Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula.
Atualmente, nem mesmo o PMDB garante sua unidade
para destituir a presidente. Seis ministros do partido decidiram permanecer em
seus cargos, ignorando o rompimento com o governo.“No meio em que vivo, há um
pensamento comum contra o governo, mas não em relação ao impeachment, que
divide opiniões”, afirmou à IPS o advogado HaneriBlumenschein, de 43 anos, que
reside próximo à avenida Paulista, na cidade de São Paulo, um símbolo da
oposição a Dilma e ao PT.
“Há dúvidas sobre se tirar a presidenteé a solução
para o país”, ponderouBlumenschein, que participou dos protestos opositores.
Mas ele lamentou ter a companhia de setores de extrema direita que pedem a
intervenção militar como ocorreu em 1964, quando foi instalada no Brasil uma
ditadura que durou até 1985.A mobilização de vários setores nos últimos dias
aponta para uma surpreendente reação do governo, até agora encurralado pelas
denúncias de corrupção, investigações policias e por noticiários negativos nos
grandes meios de comunicação.
No dia 31 de março, manifestações em todas as
grandes cidades brasileiras, encabeçadas por centrais sindicais e movimentos
sociais, reafirmaram que o governo do PT ainda conta com uma importante base
social de apoio, embora com números muito inferiores aos dos protestos
opositores. Mas, na guerrilha pela sobrevivência, o governo obteve apoios
variados. Um grupo de atores e intelectuais famosos visitou a presidente no dia
31 de março para manifestar apoio.
Uma condenação à corrupção, mas reclamando combate
a todos os corruptos, não só aos “vermelhos”, e condenando como “golpismo” a
campanha para destituir a presidente, integram um vídeo e um manifesto da
Democracia Corintiana.O ator Wagner Moura, conhecido por filmes, novelas e pela
série Narcos, publicou na véspera, no jornal Folha de S. Paulo,
um artigo de conteúdo semelhante.
“Pela democracia”, contra a corrupção, mas também
contra o impeachment, foi a manifestação da Articulação do Semiárido, um
movimento de aproximadamente três mil organizações da sociedade civil que
transformou a vida de milhões de famílias da região Nordeste, afetada por secas
intermitentes.
“Não haverá golpe”, é o lema oficialista que
insiste no argumento de que não existe um crime claro, uma base jurídica para
justificar o impeachment de Dilma. A acusação no processo que está na Câmara
dos Deputados é que o governo cometeu fraudes fiscais, disfarçando déficit com
créditos de bancos estatais. “Não é um “crime de responsabilidade”, previsto na
Constituição para desqualificar um presidente, afirmaram porta-vozes do
governo, como o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.
Mas a Constituição é genérica ao apontar os crimes
que podem levar ao impeachment do presidente da República. Estes ocorrem quando
violam o “livre exercício” de outros poderes, a segurança interna do país ou a
probidade administrativa, por exemplo. A presidente pode ser acusada de ter
violado a Lei Orçamentária.De todo modo, é o ponto fraco que o governo escolheu
como alvo para invalidar o julgamento, que é mais político do que judicial.
Se a Câmara o aprovar, Dilma deixará a chefia do
governo enquanto o Senado julga o pedido de seu impeachment, pelo prazo de até
180 dias.A confrontação entre os que estão a favor e contra o governo petista
parecida tender à radicalização e violência. Atos isolados – como pessoas
agredidas nas ruas de São Paulo apenas por usarem roupa vermelha, a cor do PT,
ou o verde e amarelo adotado por opositores – prenunciavam sangue.Celebridades
conhecidas por apoiarem o PT, como Chico Buarque, sofreram hostilidades em
locais públicos, como restaurantes.
Até agora surpreende a forma pacífica em que se
desenvolvem os frequentes protestos, sem casos graves de vandalismo ou
distúrbios. Além disso, as manifestações dos dois lados não obedecem a um
comando ou objetivos únicos e contemplam uma ampla participação
crítica.Enquanto defensores do impeachment vaiam líderes de partidos
opositores, expulsando-os de seus protestos, entre seus antípodas muitos
disseram estar mobilizados em “defesa da democracia, não do governo” e menos
ainda da corrupção.
“Não sou do PT, inclusive tenho críticas graves a
esse partido, mas está em jogo algo muito mais importante”, disse Beatriz
Bissio, professora de Política Internacional na Universidade Federal do Rio de
Janeiro.“Há antecedentes de atentados similares contra a democracia, como a
destituição do então presidente Fernando Lugo, no Paraguai, e do ex-governador
do Maranhão, Jackson Lago”, destituído em 2012 pela Justiça Eleitoral, por
pressão da oligarquia local, sem contar com a defesa do PT, recordou Bissio à
IPS.
Um estudo da Fundação Getulio Vargas, do Rio de
Janeiro, identificou um abrandamento da polarização entre a oposição e os
defensores do governo, ao avaliar as mensagens nas redes sociais usadas para
convocar manifestantes.Entre os protestos de março de 2015 e os deste ano,
diminuíram as mensagens dos que se definiam como favoráveis ou contrários ao
governo, passando a dominar os “independentes”, não alinhados aos partidos, que
rechaçam os políticos e o sistema eleitoral que fomentou a corrupção.
Isso tenderia a diluir as confrontações
partidárias, mas também a promover novos atores supostamente não políticos,
como o juiz Sergio Moro, que coordena a investigação sobre essa rede de
corrupção, que envolve políticos e empresários da construção no desvio de
recursos da Petrobras.
Fonte: ENVOLVERDE
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