Mudança
climática seca a Nicarágua.
Duas barcas permanecem perdidas no rachado fundo da
principal laguna de Moyúa, um conjunto lacustre do norte da Nicarágua, que
perdeu 60% de seu volume de água pela pertinaz seca que sufoca o país desde
2014. Foto: Cortesia de Rezayé Álvarez.
Uma seca de três anos e o desmatamento maciço de
suas florestas nas últimas décadas secaram a maioria das fontes superficiais
hídricas da Nicarágua, e afundaram sua população em uma crise cada dia mais
angustiante de acesso a água potável.
Por José Adán Silva, da IPS –
Manágua, Nicarágua, 1/4/2016 – Desde janeiro, as
redes sociais, imprensa local, blogs e boletins eletrônicos de organizações
ambientais e usuários comuns publicam fotografias e vídeos que mostram grandes
rios, lagoas e outras fontes superficiais como poços e riachos, todos secos.
Jaime Incer Barquero, ex-ministro de Ambiente e
Recursos Naturais e presidente da Fundação Nicaraguense para o Desenvolvimento
Sustentável (Fundenic-SOS), é uma das vozes que mais denunciam a acelerada
deterioração ambiental do país. Incer afirmou à IPS que, até o final de março,
o país perdeu 60% das fontes superficiais, seja por terem secado ou estarem
contaminadas, e que, possivelmente, até 50% das fontes subterrâneas tiveram o
mesmo destino.
Incer apontou como exemplo o desaparecimento de
pelo menos cem rios e seus afluentes no país, e a contaminação das lagoas de
Tiscapa e Nejapa, na área de Manágua, bem como as de Venecia, no departamento
costeiro de Masaya, e as de Moyúa, no departamento de Matagalpa.
O cientista destaca que os grandes corpos de água
também estão sofrendo a deterioração de seus volumes e bacias: o rio Coco, o
mais longo da América Central, com 680 quilômetros, que serve de fronteira
norte com Honduras, está completamente seco em vários trechos de até oito
quilômetros de distância. Seu volume baixou a níveis históricos, ao extremo de
ser possível atravessá-lo a pé com profundidades que não superam o tornozelo.
Também se denuncia que outro grande rio, o San
Juan, na fronteira sul com a Costa Rica, apesar dos trabalhos de dragagem nos
últimos anos, apresenta grandes praias e bancos de areia que impedem a passagem
de lanchas e barcos. Seu principal afluente, o grande lago Cocibolca – maior
reserva de água doce potável da região centro-americana, com 8.624 quilômetros
quadrados – apresenta graves perdas desde 2012, que afetam o uso de
embarcações, porque a água se afasta das costas e dos embarcadouros.
Fenômeno igual afeta outro grande lago do país, o
Xolotlán, que tem Manágua em sua margem sudoeste. Apesar de ter sido iniciado
um processo de saneamento de suas águas contaminadas em 2009, até agora se
desconhece o resultado de tal investimento, mas é visível que, desde o início
da seca em 2014, suas costas se afastaram até 200 metros em algumas zonas
costeiras, segundo os informes da Fundenic-SOS.
Assim eram as lagoas de Moyúa, no norte da
Nicarágua, antes de secarem pelos efeitos do fenômeno El Niño, que no caso
desse país centro-americano equivale à seca. Foto: Matagalpa.org.
Essa organização não só atribui a crise ao impacto
da mudança climática, que afeta a Nicarágua desde 2014 mediante o fenômeno El
Niño/Oscilação do Sul, mas também à falta de políticas públicas para deter o
desmatamento das florestas do país.As grandes reservas florestais do sul
nicaraguense perderam até 40% de sua vegetação, segundo uma pesquisa da
consultoria britânica Environmental Resources Management (ERM), contratada pelo
consórcio chinês HKND Group para fazer os estudos de viabilidade do projetado
canal interoceânico da Nicarágua.
A deterioração ambiental da Reserva Biológica
IndioMaíz, no sudeste do país, e as reservas naturais Cerro Silva e Punta
Gorda, na mesma área, foi maior entre 2009 e 2011 do que nos 26 anos
anteriores, revelou a ERM no ano passado. Segundo o estudo, entre 1983 e
2011,“quase 40% da cobertura terrestre natural no sudeste da Nicarágua se
perdeu”.
Outras organizações, como o não governamental
Centro Humboldt, denunciam que a mesma deterioração afeta 40% de Bosawas, a
maior reserva florestal da América Central, declarada em 1997 como reserva de
biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco).O impacto da seca já afeta a economia e a segurança alimentar
de grande parte do país de 6,2 milhões de habitantes, dos quais 2,5 milhões
sobrevivem com menos de US$ 2 por dia e que em 20% estão subnutridos, segundo
organismos internacionais.
Entidades de produtores agrícolas, pecuaristas e do
setor turístico começam a se queixar dos danos econômicos pelo desaparecimento
do recurso hídrico. Por exemplo, a Comissão Nacional Pecuarista da Nicarágua
confirmou, em fevereiro, que existe uma profunda preocupação do setor pela
escassez de água em várias áreas, onde se encontra pelo menos 30% do gado
nacional. O que mais preocupa é que, segundo informes internacionais e
nacionais de meteorologia, a seca provocada pelo El Niño poderia se estender
até agosto, quando se espera que caiam as primeiras chuvas de 2016.
Do mesmo modo, a União de Produtores Agropecuários
da Nicarágua calculou,em março, em até US$ 200 milhões as perdas ocasionadas
pela seca em 2015. Em fevereiro,o Banco Central do país reconheceu que a seca
afetou a produção de energia hidrelétrica no ano passado, considerada a energia
mais barata em seus custos de produção.
Porém, para o sociólogo e diretor do Centro de
Iniciativas de Políticas Ambientais Cirilo Otero, a parte mais afetada pela
escassez de água é o chamado corredor seco da Nicarágua, uma faixa extensa e
árida de florestas secas onde se localizam até 35 municípios dos 153 existentes
no país. Segundo seus estudos, o impacto da seca e da falta de água nessa
região, que atravessa o país de norte ao centro-sul, é tão forte que se
perderam 100% das colheitas e secaram 90% das fontes de água.
“As medidas adotadas pelo governo são
assistencialistas, água e alimentos para determinados dias, mas as políticas
públicas para frear o corte de florestas das cordilheiras de Dipilto e Jalapa
não existem e essa é uma das principais causas para o desaparecimento de rios e
poços”, denunciou Otero à IPS.De acordo com suas estimativas, já existe uma
realidade de insegurança alimentar na zona seca, onde os mais afetados são as
populações infantil e idosa. “Há famílias inteiras que só têm milho e sal para
comer. É uma situação grave”, destacou.
O governo, que recebeu queixas por não declarar
emergência nacional pela seca, não parou de ajudar as famílias afetadas com
remédios, alimentos e água. ErvinBarreda, presidente da estatal Empresa
Nicaraguense de Aquedutos e Esgotos, informou que diariamente estão sendo
abastecidas, com cerca de 65 caminhões-tanque, as zonas mais críticas, à razão
de duas mil famílias por dia. Segundo dados oficiais, em fevereiro deste ano,
havia 51.527 famílias assentadas em 34 localidades que se abastecem de
aquíferos com alta vulnerabilidade.
Fonte: ENVOLVERDE
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