Mulheres indígenas e a sustentabilidade.
Indígenas brasileiros durante protesto cobrando o
cumprimento de seus direitos como povos originários, na cidade do Rio de
Janeiro. Foto: Mario Osava/IPS
Por Valentina Ieri, da IPS –
Nações Unidas, 23/3/2016 – “Nós, as indígenas,
queremos ser consideradas como parte da solução para o desenvolvimento
sustentável, porque temos capacidades e conhecimentos”, afirmou a jornalista
quéchua Tarcila Rivera, defensora dos direitos das comunidades indígenas do
Peru, em uma entrevista coletiva sobre o empoderamento das mulheres indígenas.
Rivera, como muitas outras mulheres que lutam pelos
direitos das comunidades autóctones na América Latina, norte da Europa, Canadá,
Ásia, Austrália, Nova Zelândia e África, participa da 60ª sessão anual da
intergovernamental Comissão sobre a Condição Jurídica e Social da Mulher
(CSW60), que terminará no dia 24.A CSW se reúne com representantes dos países
membros da ONU, agências das Nações Unidas e organizações não governamentais
internacionais, bem como outras entidades da sociedade civil para o progresso
político, econômico e social das mulheres, e eliminação e prevenção de todas as
formas de violência contra a população feminina.
A jornalista quéchua Tarcila Rivera, defensora dos direitos das comunidades
indígenas do Peru, em março de 2015. Foto: Mark Garten/ONU Media
Na abertura da CSW60, o secretário-geral da ONU,
Ban Ki-moon, que em seus nove anos no cargo designou mais de 150 mulheres como
secretárias-gerais adjuntas ou subsecretárias-gerais, pediu urgência aos
governantes no sentido de tomarem medidas para acabar com a desigualdade de
gênero.
“Nos países onde há meninos e meninas
‘desaparecidos’, as avós organizadas reclamam justiça. Em zonas assoladas pela
aids, as mães com HIV substituem o estigma pela esperança. Nas sociedades
homofóbicas, lésbicas vítimas de violação sobreviveram e se organizaram.
Enquanto forem violados os direitos humanos de uma mulher, nossa luta não
acaba”, destacou Ban.
No contexto do lema da convocação deste ano, O
Empoderamento da Mulher e Seu Vínculo Com o Desenvolvimento Sustentável, e da
Agenda 2030, as indígenas reclamam dos governos que as reconheçam comoforça
para conseguir o desenvolvimento econômico e social.
No Quênia, são principalmente as mulheres que
desempenham um papel fundamental na manutenção das famílias, apesar de viverem
em uma sociedade patriarcal, explicou Valerie Kasaiyian, uma advogada maasai e
educadora de direitos sexuais e reprodutivos. Há grupos de mulheres indígenas
como as de Samburu, que há 20 anos se ocupam da comunidade construindo casas e
escolas. Também criaram atividades econômicas autossustentáveis, mediante a
venda de gado e joias tradicionais para tirar suas famílias da pobreza,
apontou.
Mulheres de Marsabit, no norte do Quênia, criaram
propriedades sustentáveis onde cultivam tomates e outros produtos em estufas,
que depois vendem em sua comunidade sem a participação dos homens. “O
desenvolvimento sustentável trata de preservar os recursos e a terra para as
gerações futuras. As comunidades indígenas, que durante séculos viveram em
isolamento, encontraram seu próprio sistema para trabalhar e conservar a
terra”, ressaltou Kasaiyian à IPS.
A advogada afirmou que “está em nossa identidade e
nossa cultura ancestral. No entanto, vemos um etnocídio sistemático de nossa
cultura indígena pelas mãos do governo, no qual se pretende homogeneizar as
mulheres indígenas e integrá-las a uma cultura dominante”.
Desde a adoção da Declaração e Plataforma de Ação
de Pequim, em 1995, junto com a resolução da ONU 1325 sobre a importância das
mulheres nas negociações de paz, bem como a Declaração dos Direitos dos Povos
Indígenas, de 2007, houve vários avanços importantes para elevar as vozes das
mulheres indígenas no concerto internacional. Porém, em ritmo lento.
A indígena mixteca Myrna Cunningham, da comunidade
Waspam, na Nicarágua, em maio de 2013. Foto: Evan Schneider/ONU Media
As mulheres e as meninas indígenas, que não são
camponesas, têm sua própria identidade, definida por sua própria língua,
educação, valores socioeconômicos e conhecimentos tradicionais, pontuouRivera,
fundadora do Centro de Culturas Indígenas do Peru (Chirapaq). Entretanto elas
costumam ficar fora das políticas governamentais, pois não são tratadas com
dignidade humana, lamentou a ativista peruana.
Segundo Rivera, “muitos programas nos consideram
como sujeitos de assistência. Mas não queremos depender desse tipo de programa
de alimentação. Procuramos fazer com que nos considerem como sujeitos de
mudança e desenvolvimento a partir de dentro, graças à nossa capacidade”.Apesar
da falta de estatísticas nacionais exaustivas, as indígenas sofrem uma enorme
discriminação, violência sexual e doméstica, pobreza extrema, tráfico, falta de
acesso aos direitos à terra e à educação, e má atenção materna e infantil.
A indígena mixteca Myrna Cunningham, da comunidade
Waspam, na Nicarágua, conversou com a IPS sobre o problema da falta de dados
estatísticos em certos países, nos quais as populações indígenas não são
consideradas, ou acabam excluídas de alguns indicadores.
“Ao falar sobre estatísticas, a autodeterminação
deveria ser o principal indicador, que poderia ser usado para complementar
outro tipo de perguntas”, observou Cunningham, que preside o Centro para a
Autonomia e o Desenvolvimento dos Povos Indígenas (Cadpi)e também presidiu o
Fórum Permanente para as Questões Indígenas da ONU. “Além disso, as
estatísticas oficiais deveriam utilizar indicadores culturalmente mais
sensíveis, o que ajudaria a definir e implantar as políticas públicas”,
acrescentou.
Com a adoção da Declaração dos Direitos dos Povos
Indígenas, a ONU criou um contexto que impulsionará a associação entre os
Estados membros e as comunidades indígenas por meio do diálogo, de propostas e
de projetos para implementar o texto do documento, e o reconhecimento, assim
como a proteção, das mulheres indígenas, opinou à IPS a secretária do Fórum
Permanente para as Questões Indígenas, Chandra Roy-Henriksen.
“Vamos defender uma declaração da ONU sobre os
direitos das mulheres indígenas, em especial, para que se possa manter demandas
em tribunais internacionais em casos de violação de seus direitos”, enfatizou
Kasaiyian. As mulheres indígenas devem reduzir a brecha entre acadêmicos,
profissionais e ativistas, criando sua própria jurisprudência e suas teorias do
direito,em que se respeita a erradicação da violência contra as mulheres e o
empoderamento das futuras gerações.
Fonte: ENVOLVERDE
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