segunda-feira, 30 de maio de 2016

Crise desmascara cordialidade brasileira.
Em um ambiente nervoso e dividido, começou no dia 15, na Câmara Federal, a histórica votação sobre a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

“As pessoas se aferram a uma posição, esquecendo seus próprios interesses e se sujeitando a uma discussão emocional, irracional”, observou à IPS a socióloga Bárbara Mourão.

Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil, 18/4/2016 – Uma pediatra que deixa de atender um bebê por discrepâncias políticas com a mãe, ciclistas agredidos por usarem bicicletas vermelhas, celebridades hostilizadas por seu apoio ao governo. Esses são casos de violência que proliferaram no Brasil ultimamente. A agressividade nas relações interpessoais, desatada pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, nega o mito dos brasileiros como personalidades tolerantes que priorizam a alegria e a afetividade.

Acumulam-se relatos de brigas familiares, amizades rompidas, hostilidades no ambiente privado que acompanham as manifestações de rua pró e contra o governo, que se tornaram maciças e frequentes em todo o país desde março, com enfrentamentos marginais, até agora sem vítimas fatais. Mas um longo muro metálico dividindo a Esplanada dos Ministérios em Brasília, para evitar enfrentamentos entre ativistas dos dois lados, alerta para o risco de tragédias ao se aproximar o desenlace da controvertida luta pelo poder.

Antes da sessão do dia 17, na Câmara dos Deputados para decidir se o processo de impeachment deveria ser enviado ao Senado para julgamento, a professora de antropologia na Universidade de Brasília, Lia Zanotta Machado, afirmou que “nenhum dos lados tem argumentos políticos sustentáveis, ambos são vulneráveis a críticas e recorrem à agressividade porque a única forma de se defender é atacar o adversário, buscando destruí-lo”.

“Predominam os adjetivos negativos e as acusações personalizadas, desqualificadoras”, diante da fragilidade das políticas que as forças em confrontação poderiam apresentar como suas bandeiras, acrescentou a professora. O movimento que pretende derrubar a presidente reclama o combate sem trégua à corrupção, tentando identificar como fonte desse mal os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), iniciados em 2003 com Luiz Inácio Lula da Silva e seguido por Dilma desde 2011.

Mas os herdeiros do poder Executivo, em caso de impeachment da presidente, estão todos envolvidos no escândalo de corrupção que agravou a crise política e econômica do Brasil desde o ano passado, sobre desvio de milhares de milhões de dólares da Petrobras. O vice-presidente, Michel Temer, que já se apresenta como novo chefe de um governo de união nacional, aparece como receptor de fundos de grandes construtoras nos depoimentos de vários empresários processados, que decidiram colaborar com a justiça para abrandar suas penas.

Em pior situação está o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acusado de ocultar contas em bancos suíços onde teria depositado milhões de dólares ilegais. Ele seria o vice de Temer, se a presidente Dilma cair. Mas pode ser julgado a qualquer momento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e também pela Comissão de Ética da Câmara, com o risco de ficar inabilitado politicamente por oito anos. O terceiro na cadeia de sucessão presidencial seria o presidente do Senado, Renan Calheiros, também denunciado como beneficiário da corrupção.

Os três são dirigentes da maior força legislativa, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que deixou a coalizão governamental em 29 de março, como um passo para ocupar o centro do poder. Corrupto é um estigma forte, mas a desclassificação do oponente se faz com muitas acusações que fomentam o ódio que penetrou as relações pessoais e familiares, pontuou Zanotta.

Dilma é acusada de ser “inábil, ineficiente e irresponsável” e seus partidários de “petralhas”, combinação de PT com os irmãos Metralha, conhecidos ladrões nas histórias de Walt Disney. A resposta é rotular os opositores de “golpistas e antidemocráticos”, além do apelido de “coxinha”, para identificar pessoas conservadoras.

Dilma se defende destacando que não é afetada por nenhuma acusação de corrupção, ao contrário dos líderes “traidores”. Sua inabilidade foi requerida por três juristas, acusando-a de fraudes fiscais, por ter ordenado gastos sem autorização parlamentar, violando o orçamento oficial de 2015.

Os blocos em confronto “são muito heterogêneos, contraditórios”, fatalmente se dividiriam ao definir uma estratégia, um programa, por isso “buscam uma unificação ilusória, construindo um inimigo comum”, apontou Benilton Bezerra Júnior, pesquisador de Medicina Social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Manter unidas as forças exige também uma “simplificação que evita numerosos conflitos não assumidos explicitamente”, dentro dos grupos, acrescentou.
O muro (direita) e outras barreiras levantadas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para evitar enfrentamentos entre manifestantes pró e contra a presidente Dilma Rousseff. Ao fundo, o prédio da Câmara dos Deputados. Foto: Lula Marques/Agência PT.

O bloco opositor se assenhorou da bandeira da anticorrupção, aproveitando os erros do PT, mas a corrupção é “um peão no jogo do xadrez”, pontuou Bezerra à IPS. Segundo este pesquisador, “apesar da pluralidade de posições nos dois lados, há centros de gravidade que identificam seus diferentes interesses em jogo”, conservadores entre os que querem o afastamento da presidente contra a defesa dos avanços sociais, como mais escolas e menos desigualdade, conquistados durante os governos do PT.

Os brasileiros praticam uma “autoavaliação positiva de que são afáveis, tolerantes e simpáticos”, e de fato “são reais os sinais de afeto, boa acolhida aos estrangeiros, de ausência de ódio racial embora haja racismo”, mas se trata de “uma sociedade violenta, de estruturas hierárquicas nada democráticas”, afirmou Bezerra.

A cordialidade atribuída aos brasileiros, que significa subordinar a razão ao afeto, compreende a informalidade e “a dificuldade de lidar com o conflito de forma pública e ordenada. Inclusive no meio universitário é difícil discutir opiniões discordantes, mesmo teóricas”, enfatizou Bezerra, que é doutor em saúde coletiva e identidades culturais. “Se personaliza tudo, se entende a crítica como feita às pessoas e não às ideias”, concluiu.

É assim que a disputa política se converte em conflito pessoal, realçou Machado. “As pessoas se aferram a uma posição, esquecendo seus próprios interesses e se sujeitando a uma discussão emocional, irracional”, observou à IPS a socióloga Bárbara Mourão, comparando seus estudos sobre mediação de conflitos no âmbito da justiça com a disputa política vivida pelos brasileiros.

“A dificuldade do mediador é buscar consenso, enquanto os lados só querem o adversário para reforçar suas posições, sua necessidade de certeza, sem admitir que outras visões possam ter algo não equivocado”, pontuou a pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes. Sonia Correa, coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política, destacou dois fatores que causam ou agravam essa intolerância política. A violência social é tradicional no Brasil, que concentra 10% dos assassinatos do mundo, segundo a entidade pública brasileira Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

“O mito da cordialidade serviu para ocultar essa violência, que não se via antes na política devido ao controle das elites, mas se evidenciou com a democratização e a entrada do povo na vida política”, indicou Correa à IPS. “Outro fator a considerar é a intensificação do dogmatismo religioso pela expansão das novas igrejas evangélicas, contrastando com a moderação com que a Igreja Católica regulava a sociedade no passado, com raros momentos de radicalização”, comparou.

Os novos evangélicos “insuflaram concepções binárias, de bom e mau, criando condições para a direita sair do armário, a suspensão do diálogo e, por exemplo, do debate sobre aborto”, lamentou Correa. “A sociedade brasileira não desenvolveu práticas de deliberação democrática, incluindo visões diferentes, o PT também é binário e no poder demoliu alternativas à esquerda”, criticou.


Fonte: ENVOLVERDE
Brasil começa a implementar estratégia nacional para reduzir emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e degradação.
Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD) se reuniu ontem pela primeira vez para definir como fará para coordenar, acompanhar e monitorar a implantação da estratégia Nacional para REDD+. Foto: © Divulgação

Uma comissão formada por representantes dos governos federal, estaduais e municipais e sociedade civil começa a traçar o caminho para pôr em prática os requisitos de acesso a pagamentos por resultados de políticas e ações de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, o REDD+.

Por Redação do WWF Brasil –

Instituída pelo Decreto nº 8.576/15, a Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD) se reuniu no último dia 8 para definir como fará para coordenar, acompanhar e monitorar a implantação da estratégia Nacional para REDD+, lançada no dia anterior tem, em Brasília.

Com um nome extenso, a Estratégia Nacional para Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal, Conservação dos Estoques de Carbono Florestal, Manejo Sustentável das Florestas e Aumento de Estoques de Carbono Florestal (ENREDD+) tem pela frente inúmeros desafios.

O primeiro deles é ajudar o país a internalizar o mecanismo chamado REDD+, criado no âmbito da Convenção do Clima da ONU, para incentivar economicamente os países em desenvolvimento a reduzirem as emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmate e degradação das florestas e aumentarem seus estoques de carbono. O manejo sustentável de florestas também faz parte da ideia.

Uma vez verificados e comprovados, os resultados positivos obtidos pelos países os credenciarão a receber recursos financeiros de fontes internacionais, em especial o Fundo Verde para o Clima (GEF, na sigla em inglês). Antes, porém, os países interessados em obter as vantagens do REDD+ precisam demonstrar que têm capacidade de mensurar o que se passa na floresta.

E o Brasil já mostrou que consegue. O país é o primeiro a ser reconhecido internacionalmente para pagamentos por resultados de REDD+ pela Convenção do Clima.

As políticas de combate ao desmatamento e o mecanismo de fiscalização e controle já consolidados ajudaram a credenciar o país. “Temos um sistema consolidado e confiável de monitoramento”, disse a diretora de Políticas para o Combate ao Desmatamento do MMA, Thelma Krug, ao lançar a estratégia brasileira de REDD+.

Metas brasileiras

Segundo Krug, faz parte da estratégia aprimorar o monitoramento e a análise de impacto das políticas públicas para o alcance dos resultados de REDD+ e contribuir para frear o aquecimento global.

A ENREDD+ também deve integrar as estruturas de gestão do Plano Nacional sobre Mudança do Clima e dos Planos de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento nos biomas, à luz das políticas voltadas para a mudanças climáticas, a biodiversidade e as florestas nos níveis federal, estadual e municipal.

A estratégia contribuirá, ainda, para a mobilizar recursos internacionais em escala compatível com a meta nacional voluntária de corte de emissões até 2020.

“O REDD+ é uma das oportunidades para o Brasil promover o desenvolvimento sustentável e estimular a economia florestal, com vistas ao cumprimento do Acordo de Paris”, disse Henrique Lian, Superintendente de Políticas Públicas e Relações Externas do WWF-Brasil.


Fonte: WWF Brasil
A mídia está na berlinda, mas os governantes também.
Em entrevista feita ao vivo na Casa Pública, Tatiana Farah e o público questionam Eugênio Bucci e Laura Capriglione sobre o papel da imprensa no processo de impeachment.

Por Redação da Agência Pública –

Foi dia de casa cheia. No último sábado, 9 de abril, cerca de cem pessoas estiveram na Casa Pública em Botafogo, Rio de Janeiro, para ouvir uma conversa necessária sobre a cobertura do impeachment. De um lado, Eugênio Bucci, pensador e jornalista, professor da Universidade de São Paulo e diretor da edição brasileira da Columbia Journalism Review; do outro, Laura Capriglione, uma das mais conhecidas repórteres brasileiras, que depois de ter passado por veículos como Folha de S.Paulo e Veja, abraçou o jornalismo independente, tendo fundado a organização Ponte e o coletivo Jornalistas Livres, do qual é uma das principais vozes.

São visões dissonantes, em alguns pontos opostas, sobre o papel que a mídia tem cumprido na evolução do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Durante a Conversa Pública, ambos foram entrevistados pela jornalista Tatiana Farah, ex-repórter do Globo e colaboradora da Pública – e pelo público presente. Uma conversa e tanto.

A seguir, alguns trechos dos pontos abordados pelos nossos entrevistados,

Tatiana Farah: Como este momento da imprensa vai ser visto daqui a 20 anos?

Laura Capriglione: Nós estamos vivendo um momento de crise profunda na imprensa tradicional. Sabemos que no Brasil temos uma concentração de mídia que afeta um direito humano básico que é o de manifestação e expressão. Só que nunca isso foi tão evidente. Na época da ditadura, a gente tinha os jornais da imprensa alternativa, que eram chamados de imprensa nanica. Hoje em dia, a gente tem uma multiplicação de audiências absolutamente impressionantes. As pessoas descontentes com as narrativas que elas acham tendenciosas estão buscando outras coisas. É isso que explica o surgimento de tantos coletivos novos.

Quando eu trabalhei na Veja, a Veja falava, e eram as tábuas da lei. Hoje em dia, sai a Veja, mas vem junto um ponto de interrogação imenso. E não é uma coisa que o PT desconfia, é mais do que isso. É a periferia, é a favela que não se sente representada. Sem entrar no mérito se é justo ou não, o fato é o seguinte: ninguém tem o direito mais de ler o jornal ingenuamente. Cada um de nós é um ombudsman, um superego, é um crítico.

Eugênio Bucci: A eficácia da direção de uma grande rede, de um grande jornal, em surtir um efeito de concordância na sociedade ficou muito relativizada. O poder do aparato dos meios de comunicação de sonegar uma informação para o público é muito menor hoje. Mesmo que as chamadas publicações fora do mainstream não tenham muita credibilidade, elas têm credibilidade suficiente para dar um grito, para dizer “olha, tem alguma coisa de errado ali”. E isso atrai a atenção da sociedade, e isso distorce a intenção original de cobertura dos grandes veículos. Eles não falam mais sozinhos.
Eugênio Bucci, Laura Capriglione e Tatiana Farah discutem o papel da imprensa no processo de impeachment.

Tatiana Farah: Mas isso não diminui a importância, por exemplo, de um Jornal Nacional colocar 40 minutos sobre Lula e os grampos e dizer que não tem tempo para falar sobre a lista da Odebrecht que fala dos demais partidos. Você avalia, por exemplo, a imprensa como um ator desse movimento pró ou anti-impeachment, e que peso ela tem?

Eugênio Bucci: Eu vi em certos momentos do Jornal Nacional – não tenho elementos para dizer se é intencional ou não – uma tendência em reforçar o lado que fala pelo impeachment. Dou um exemplo técnico: quando foram divulgadas as gravações ilegais, a meu ver. A legalidade daquilo era no mínimo discutível. E em vários momentos houve em vários veículos, inclusive da Globo, uma insistência em dizer que era legal, a despeito da controvérsia. Ao mesmo tempo, eu me lembro de ter visto no Jornal Nacional o Chico Buarque falando “de novo não, não vai ter golpe”. Eu me lembro de ter visto o ministro José Eduardo Cardozo falando. Vamos lembrar que 20 anos, 30 anos atrás não era assim. Esse dever de pelo menos procurar o equilíbrio penetrou na elaboração desses jornais.

Laura Capriglione: Eu já acho que não precisamos de tanta firula pra admitir que o Jornal Nacional é uma peça de propaganda do impeachment, é uma peça de propaganda de criminalização do PT, do Lula, da Dilma. É uma coisa grotesca aquela transmissão daquela gravação, o William Bonner e sua parceira falando “e aí eles pronunciaram um palavrão”. É uma coisa grotesca, no sentido de exatamente tratá-los como pessoas grosseiras, toscas… Os jornalistas, aliás, são uma das categorias mais mal-educadas que existem ̶ quem já trabalhou numa redação sabe a quantidade de palavrões que se fala ̶ , e de assédio moral que há. Isso é uma hipocrisia. Desde o início dessa cobertura, há uma assimetria nos tratamentos, que, para mim, é o principal. Você tem um cara que foi pego com conta na Suíça, e que… ele é “só” o presidente da Câmara. Como assim? Ele é o chefe de um dos poderes da República!

A direita foi para as ruas em março do ano passado e foi muito mobilizada. Aquela primeira manifestação da direita era sensacional, porque todas as tomadas eram aéreas. Os Jornalistas Livres tinham surgido naquela semana e, até por causa do susto que a gente tomou, decidimos fazer jornalismo daquele jeito que a gente sempre fez. Vamos a pé, entrando na manifestação e perguntando para as pessoas por que estão ali. E você tinha cinco carros alegóricos pedindo intervenção militar já. Vocês viram isso na Globo? Não viram. Agora, você falar que você viu o ministro Cardozo na Globo… Sim, porque, se não tiver o mínimo do contraponto que seja, as pessoas vão embora, porque as pessoas já estão indo embora para ver os 10 Mandamentos.

Tatiana Farah: Essa é a primeira vez que a gente tem uma investigação judicial cujos dados são abertos desde o início, é a grande novidade do juiz Moro. Às vezes ele coloca o testemunho dos acusados no mesmo dia. Isso não deixou os repórteres um pouco mal-acostumados e está faltando um pouco de investigação, sair pra colher dado, cruzar informações?

Laura Capriglione: Eu acho que o problema mais grave é que nós estamos jogando no lixo as garantias individuais. Vocês não pensem que, quando uma notícia é publicada no Jornal Nacional, as pessoas vão pensar: “Isso aí é um depoimento, ainda haverá todos os contraditórios, e todo mundo é inocente até que se prove o contrário”. Não é essa a mensagem que está sendo passada. Cada uma dessas delações é uma condenação, é um carimbo de corrupto que você põe na testa do cara. Quando teve a Operação Mãos Limpas na Itália, que é a grande inspiração do juiz Sergio Moro, ele escreveu um texto que é uma das peças mais sensacionais, todo mundo tem de ler (veja aqui o link). Ele vai falando quais eram os problemas e como a Mãos Limpas tinha funcionado. E fala que você tem que vazar porque as denúncias deixam o cara acuado e o cara perde a capacidade de se defender. Agora, eu lutei para este país ter uma democracia justamente para que as pessoas pudessem se defender. Quando a Justiça está se comportando de uma maneira justiceira e você simplesmente põe um alto-falante para isso, você está apoiando o ponto de vista justiceiro.

Eugênio Bucci: Não estou discordando do que a Laurinha está falando, mas eu quero problematizar uma passagem, que é a manipulação. Nós precisamos prestar atenção ao poder real dos meios de comunicação de manipular de fato o comportamento da sociedade. Quando a gente imputa um programa, um jornal, uma responsabilidade sobre isso, está dizendo que, em função daquilo que foi publicado, o país foi naquela ou para aquela outra direção. Isso acontece? Se o poder de manipulação fosse real, não estaríamos vendo tantas manifestações, às vezes até em apoio ao governo. Será que se a manipulação fosse tão eficaz ela aconteceria?

No tempo das Diretas-Já, era muito pior, porque não havia nem internet nem celular. E não aparecia na televisão. No Jornal Nacional do dia 25 de janeiro de 1984, se diz que o comício das Diretas era um capítulo das comemorações de aniversário de São Paulo. E no final da reportagem há uma mensagem à campanha pelo voto direto. Não obstante, as pessoas foram para as ruas, e a campanha aconteceu.

Hoje o país inteiro discute isso, o país inteiro duvida da imprensa. Então a manipulação, eu questiono, não funciona desse jeito.

O segundo ponto que eu queria lembrar sobre a cobertura da Lava Jato é que é um processo muito salutar para o Brasil. Há momentos de abuso, mas de um modo geral isso está escancarando coisas. Assim como as pessoas têm dúvida em relação à imprensa, hoje elas têm dúvida em relação às autoridades. O PT nunca apresentou um balanço aberto, real, do que aconteceu no mensalão! O presidente Lula, cuja figura eu respeito, não explicou a situação daquele sítio de Atibaia. Essas perguntas ficam na cabeça das pessoas. Agora, o governo se pôr no papel de vítima é uma coisa que deveríamos questionar, porque estamos falando de um governo que está aí há quase 14 anos. Como é vítima? Eles são o poder! Eu já escrevi sobre o preconceito de classe contra o Lula, não retiro uma linha do que eu escrevi. Mas hoje o Lula não é um retirante, é um milionário, leva uma vida de milionário e deve também explicações para o país.

Flora, aluna de jornalismo da UFRJ: Vocês são pessoas que foram estudantes em 1964, eram da grande mídia nas Diretas-Já e agora estão fora, e estão fazendo a crítica da mídia. O que acontece entre a universidade e a redação para que essa crítica não seja feita dentro da redação?

Laura Capriglione: Na redação da Folha, quando eu comecei, era uma virtude muito valorizada o que se chamava de “ter uma ampla biodiversidade”. Eu acho que houve nas redações uma uniformização muito maior do perfil do jornalista. Todos estudaram em escolas A, B, C, D, trabalharam em ONGs assim e assim… E existe o hábito de premiar com bolsa para Nova York, com prestígio, aquele jornalista que tem maior afinação com a direção do jornal. Isso junto com o enxugamento das redações, as pessoas trabalhando no limite… As pessoas têm pouco tempo para pensar. O que se traduz numa angústia brutal. Eu muitas vezes recebo ligações de caras que estão dentro das redações e falam: “Eu não aguento mais”. E ainda agora você tem medo de ir a manifestações e o cara jogar uma latinha de refrigerante na sua cabeça.

Significa que o outro lado está bom? Não, eu acho que esse outro lado tem que melhorar tudo. Sou uma das pessoas mais críticas em relação a essa contranarrativa que está sendo feita pela mídia independente. É amadorística, é ainda precária, domina pouco os termos técnicos da cobertura jornalística. Tem vários problemas. Mas ela está sendo bombada por quem não está se sentindo representado. Na semana passada, nós, Jornalistas Livres, atingimos a bagatela de 18 milhões de timelines. Pô, é gente pra caramba!
Com a Casa lotada, público fez intervenções durante o debate.

Tatiana Farah: Só vou fazer uma pergunta de sim ou não para o Eugênio porque a Laura já se posicionou. É golpe?

Eugênio Bucci: Olha… [risos]. Este é um desses momentos que não basta o “sim” ou “não”, e eu acho que um dos problemas da nossa imprensa tem sido buscar o sim ou não quando não é. O sentido clássico do termo “golpe” na teoria política é você faze terra arrasada do marco legal e instaurar outro a partir da força. Mais recentemente surgiu uma figura que pode ser chamada de golpe institucional ou “golpe constitucional”. Dentro das regras estabelecidas, você cria um golpe que, embora formalmente seja feito dentro das regras, golpeia a expectativa de direito postas naquele ordenamento. Por isso a resposta é difícil. O impeachment é previsto na Constituição com crimes descritos, é previsto o crime de responsabilidade, e existe uma argumentação de boa-fé falando que pedalada fiscal é, sim, crime de responsabilidade previsto na legislação. Agora, se aquilo valer para presidente da República, teria que valer para uma série de governadores e antecessores. Então tem uma questão de gradação. Isso, se levado ao extremo, pode se consumar num desastre institucional para nós, porque vai banalizar a figura do impeachment, porque aí entra o Temer, daí derruba, daí entra outro… Mas eu também acho que há uma enorme banalização desse negócio ̶ “golpismo, golpismo” ̶ que pode empobrecer a discussão e até frustrar as massas mais adiante.

Tatiana Farah: Então foi “não”, né, Eugênio?

Eugênio Bucci: Um golpe nos termos clássicos não é. Não dá para falar que é como 1964. O problema não é esse. O problema é que, se não houver uma demonstração cabal de crime de responsabilidade, nós poderemos produzir um cenário de desastre.

Caetano, jornalista independente: Eu estive na semana passada trabalhando pela primeira vez dentro do Congresso como jornalista independente e percebi uma dificuldade muito grande nas minhas perguntas para alguns dos líderes desse processo. Por exemplo, Romero Jucá, Eduardo Cunha. Eles tinham uma defesa que me enrolou e me engoliu todas as vezes. Como é que faz para entrevistar essa gente?

Eugênio Bucci: Sabe como você entrevista o Romero Jucá, o Renan Calheiros, a Dilma Rousseff, o Lula? Com um profissional que tenha a mesma bagagem do que eles. Nós precisamos de jornalistas experientes. O jornalista precisa estudar a vida toda, ele tem prática, ele tem escola, ele tem vivência e ele consegue olhar para um desses caras de igual para igual. Se você não tem uma redação que mantém os seus jornalistas experientes, você não tem como cobrir o poder olhando de igual para igual.

Laura Capriglione: A gente gosta de imaginar que vai chegar lá na entrevista e o cara vai falar uma abóbora. Não é assim. O espaço da entrevista é o espaço do entrevistado. O espaço da entrevista é muito isto: é você conseguir capturar o cara numa armadilha que ele mesmo monta para ele, porque ele é vaidoso, quer se exibir para o jornalista. Mas não adianta o cara ser vaidoso. Tem que ter um jornalista que vai fazer um milhão de entrevistas, cruzar um milhão de informações, cruzar isso tudo, pôr no forno. O jornalismo ainda é uma profissão que dá muito trabalho.


A guerra dos números na restauração florestal.
Mata Atlântica.  Foto: Wellington Pedro/Imprensa MG (29/05/2014).

Recentemente, especialistas têm discordado sobre o custo por hectare para a restauração florestal no Brasil em declarações e análises publicadas na imprensa. Entretanto, a divulgação de dados divergentes e errôneos gera problemas para o setor e impacta diretamente a aplicação de políticas públicas, muitas delas já falhas.

Por Mario Mantovani e Rafael Bitante Fernandes*

A meta apresentada pela presidente Dilma Rousseff no Acordo de Paris foi a de restaurar 12 milhões de hectares até 2030. Considerando apenas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal, para as quais o novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) exige a recomposição florestal em todo território brasileiro, o passivo estimado é de 21 milhões de hectares.

O movimento “Pacto pela Restauração da Mata Atlântica”, que conta com a participação de ONGs, empresas, institutos de pesquisa e poder público, mapeou 15 milhões de hectares a serem restaurados apenas no Bioma Mata Atlântica. Para chegar a este número, o levantamento considerou as áreas de baixa aptidão agrícola, além daquelas já obrigatórias por lei a serem restauradas. Agora, uma fotografia precisa do passivo só será possível com a conclusão do Cadastro Ambiental Rural e a validação de todas as informações ali inseridas.

Partindo dessa perspectiva, alguns números sobre o custo de restauração foram estimados ou simulados em cenários extremamente otimistas. Como exemplo, podemos citar o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o PLANAVEG, ainda em sua versão preliminar, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e que apresenta a meta de restauração de 12,5 milhões de hectares em 20 anos.

Entretanto, antes de estimarmos os custos, é preciso mergulharmos mais a fundo na restauração florestal para compreendermos melhor como esse processo acontece.

A restauração florestal, comumente chamada de reflorestamento, não consiste unicamente no plantio de mudas de espécies nativas da região, mas reproduzir, de fato, um ambiente nativo funcional. Quando abordamos a Mata Atlântica, por exemplo, estamos falando da recomposição de um ambiente com o mínimo de ocorrência da biodiversidade regional e que exerça os serviços ecossistêmicos, tais como: sequestro de carbono, melhoria na qualidade e quantidade de água e recomposição de paisagens naturais, exatamente como a floresta exercia em seu estado original.

Para explicar todos os processos envolvidos é possível fazermos a seguinte analogia: áreas degradadas seriam os doentes a serem tratados. Para cada doente é necessário identificar qual a doença (fatores que levaram a área a se degradar, tempo de degradação e intensidade), para só então elaborar um diagnóstico e propor o melhor tratamento.

As metodologias são as mais diversas. Um exemplo é a simples remoção do fator de degradação, como o isolamento de áreas com cercas para evitar a entrada de gado (neste caso, a área expressaria seu potencial de regeneração natural). Outras técnicas possíveis são: enriquecimento, que consiste basicamente na introdução de uma diversidade florística maior; adensamento, no qual a diversidade florística é boa e a cobertura da área pela flora nativa insuficiente; chegando até aos doentes que estão na CTI e que demandam um tratamento mais enérgico. Para esse último caso, muitas vezes é preciso plantar mudas e monitorar seu desenvolvimento até que elas criem um ambiente propício para atingir uma dinâmica natural de floresta – árvores maduras, condições para estabelecimento de um sub-bosque, árvores juvenis, adolescentes, entre outras formas vegetais. São justamente nessas diferentes metodologias que os custos se diferenciam de forma exponencial.

Fica evidente a complexidade do processo em qualquer metodologia que venha a ser adotada, o que por sua vez demanda uma cadeia de profissionais para o diagnóstico e aplicação da técnica mais adequada. Podemos somar a isso toda a complexidade econômica do Brasil, já que incertezas e instabilidades limitam as projeções de cenários reais. Mas, então, quais os riscos destas projeções, mesmo elas sendo otimistas?

A questão é que diante desta perspectiva apontada e toda complexidade do tema, políticas públicas podem ser desenhadas de forma equivocada, a exemplo de editais públicos com valores insuficientes para trabalhos de qualidade satisfatória, manutenção do mercado incipiente e planejamentos que não saem do papel.

O fato é que as metodologias para restauração florestal não permitem que prorrogações ou pausas sejam feitos. Vamos imaginar o plantio de uma área. Após sua realização, a área precisará de intervenções para que a vegetação plantada se estabeleça e se desenvolva.

Outro aspecto muito negativo é que os custos, em geral, são apresentados como se não houvesse benefício nenhum associado.

É necessário ficar cada vez mais claro que a restauração florestal é um investimento, com potencial de geração de milhares de empregos, impostos e benefícios difusos por meio dos serviços ecossistêmicos que este tipo de projeto resgata, com destaque, nesse ponto, para compromissos globais de mitigação às mudanças climáticas – pois a restauração florestal é uma ferramenta eficaz para neutralização do carbono na atmosfera. Também não poderíamos nos esquecer da crise hídrica que ainda vivenciamos, já que as florestas exercerem papel crucial no ciclo hidrológico.

Outro forte fator a favor da restauração é a condução de tal processo para levar a agricultura brasileira verdadeiramente para o século XXI, agregando valor a commodities e alimentos aqui produzidos. A tal dicotomia aparente entre conservação e produção de fato não existe – o que há é uma grande sinergia entre elas.

Projeções, estudos e dados devem colaborar para um planejamento sólido e factível. Devemos não só buscar responder o quanto o reflorestamento irá custar, mas também trazer à tona todos os benefícios que estão agregados à cadeia da restauração florestal no país.

* Mario Mantovani e Rafael Bitante Fernandes são, respectivamente, diretor de Políticas Públicas e gerente de Restauração Florestal da Fundação SOS Mata Atlântica.


8 vídeos para aprender mais sobre o momento político do país.

Entenda como funciona o sistema político brasileiro e outros temas atuais, como impeachment, crimes de responsabilidade e fatores estruturais da crise política.

Por Redação do Porvir –

A votação na Câmara dos Deputados, que decidiu pelo prosseguimento do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, fez com que muitos voltassem suas atenções para Brasília. Junto com o placar de 367 x 137, também surgiram muitas dúvidas sobre o momento político do país. Pensando nisso, o Porvir separou vídeos que ajudam educadores explicarem para seus alunos o funcionamento do sistema político brasileiro e outros temas atuais, como impeachment, crimes de responsabilidade e fatores estruturais da crise política.

Você sabe o que é impeachment?
De maneira didática, a videoaula do site Descomplica mostra o que significa impeachment e também resgata outros momentos históricos do país, como a tentativa de interromper o segundo governo de Getúlio Vargas e o afastamento de Fernando Collor de Mello.

Quais são os caminhos do impeachment?
Uma animação produzida pela Agência Pública mostra quais são as etapas necessárias para que o processo de impeachment seja aprovado. O vídeo ainda aponta qual seria a linha de sucessão do governo em caso de saída da presidente Dilma Rousseff.

O que são crimes de responsabilidade?
Para ocorrer um impeachment é necessário comprovar a existência de crimes de responsabilidade. Mas você o que é isso? O professor Cristiano Lopes, que ministra aulas de direito constitucional para concursos, explica sobre isso em uma videoaula.

E o que são exatamente são as pedaladas fiscais?
Com uma linguagem bastante acessível, o Nexo Jornal produziu uma animação para explicar o que são as pedaladas fiscais, um dos argumentos que estão sendo utilizados para justificar o processo de impeachment.

Como funciona o Congresso Nacional?
Em uma série de cinco episódios sobre o sistema político brasileiro, chamada de E eu c/ isso?, o vídeo fala sobre o poder Legislativo e mostra os funcionamento do Congresso Nacional.

De que forma são escolhidos os deputados federais, estaduais e vereadores?
Quem acompanhou a votação do impeachment na Câmara dos Deputados pôde conhecer quase todos os integrantes da casa legislativa. E você sabia que a escolha dos deputados federais, estaduais e vereadores é diferente da votação para presidente? Um vídeo do canal Política Sem Mistérios explica como funciona o voto proporcional e voto distrital.

Quais são os fatores estruturais que levaram o Brasil a uma crise política?
Uma série de fatores estruturais agravam a crise política brasileira. Em uma aula de atualidades, o canal Stoodi fala sobre democracia, estrutura social, construção do Estado e concentração de poder.
https://www.youtube.com/watch?v=TQe9uj2naVg


Fonte: Porvir

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Taxa de feminicídios no Brasil é quinta maior do mundo.
Sentimento de posse sobre a mulher, controle sobre seu corpo, desejo e autonomia e limitação de sua emancipação profissional, econômica, social ou intelectual são citados nas Diretrizes como motivações de gênero para o crime de feminicídio. Foto: Agência Brasil / Arquivo / Marcelo Camargo.

Lançadas nesta semana, diretrizes nacionais sobre feminicídio querem acabar com violência de gênero. O objetivo é incluir a perspectiva de gênero nos processos de investigação e julgamento de crimes de feminicídio, aprimorando as condutas dos diversos profissionais envolvidos.

Por Redação da ONU Brasil – 

Em parceria com o governo brasileiro e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), a ONU Mulheres publicou na sexta-feira (8) as “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres – Feminicídios”.

O documento contém recomendações para a revisão dos procedimentos de perícia, polícia, saúde e justiça que lidam com ocorrências de feminicídio. O objetivo é adequar a resposta de indivíduos e instituições aos assassinatos de mulheres, a fim de assegurar os direitos humanos das vítimas à justiça, à verdade e à memória.

Acesse as Diretrizes Nacionais aqui.

No Brasil, a taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres – a quinta maior no mundo, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revelou que, de 2003 a 2013, o número de assassinatos de mulheres negras cresceu 54%, passando de 1.864 para 2.875.

Na mesma década, foi registrado um aumento de 190,9% na vitimização de negras, índice que resulta da relação entre as taxas de mortalidade branca e negra. Para o mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013. Do total de feminicídios registrados em 2013, 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.

“As Diretrizes Nacionais buscam eliminar as discriminações a que as mulheres são alvo pelo machismo, pelo racismo, pelo etnocentrismo, pela lesbofobia e por outras formas de desigualdades que se manifestam desde a maneira como elas vivem, a deflagração de conflitos com base em gênero e os ciclos de violência, que culminam com as mortes violentas”, explicou a representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman.

“Feminicídios são assassinatos cruéis e marcados por impossibilidade de defesa da vítima, torturas, mutilações e degradações do corpo e da memória. E, na maioria das vezes, não se encerram com o assassinato. Mantém-se pela impunidade e pela dificuldade do poder público em garantir a justiça às vítimas e a punição aos agressores”, disse.

Lei de 2015 tipificou crime

A ONU Mulheres e o governo esperam que a publicação contribua para a implementação da Lei do Feminicídio (13.104/2015), que alterou o Código Penal brasileiro ao tipificar esse crime – homicídio cometido com requintes de crueldade contra mulheres por motivações de gênero. O lançamento das Diretrizes quer Incluir a perspectiva de gênero como hipótese inicial das investigações dos assassinatos.

Segundo a secretária nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, Regina Miki, as diretrizes proporcionarão a capacitação de policiais e peritos para que tenham uma visão diferenciada. “Terá aquele olhar de que aquela mulher morreu pela condição de ser mulher”, afirmou.

Para a secretária especial de Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos, Eleonora Menicucci, as diretrizes provocarão mudanças nas condenações e prisões dos agressores de mulheres. “A Lei do Feminicídio representa uma mudança cultural numa sociedade patriarcal”, destacou.

Menicucci também afirmou que o governo promoverá uma sensibilização a nível nacional para que todos os estados apliquem as Diretrizes.

Motivações de gênero e condutas adequadas

Na nova legislação, a violência doméstica e familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher são descritos como elementos de violência de gênero e integram o crime de feminicídio.

As Diretrizes Nacionais detalham as motivações baseadas em gênero que podem estar por trás de episódios violentos: sentimento de posse sobre a mulher; controle sobre seu corpo, desejo e autonomia; limitação da sua emancipação profissional, econômica, social ou intelectual; tratamento da mulher como objeto sexual; e manifestações de desprezo e ódio pela mulher e por sua condição de gênero.

O documento também apresenta recomendações específicas para cada fase da investigação policial e do processo judicial e seus respectivos encarregados.

As etapas são dirigidas por diversos profissionais, como bombeiros, socorristas e demais profissionais de saúde, guardas municipais, policiais civis, militares e federais, peritos, médicos legistas, funcionários cartoriais, promotores de justiça, defensores públicos, magistrados, jornalistas, entre outros.

Brasil é protagonista na implementação nacional de protocolo regional

As Diretrizes Nacionais são baseadas no Modelo de Protocolo Latino-Americano de Investigação de Mortes Violentas de Mulheres por Razões de Gênero. O Brasil foi escolhido como país-piloto para o processo de adaptação do documento internacional e de sua incorporação às normativas e diretrizes nacionais.

Os critérios de seleção do país incluíram a prevalência e relevância das mortes violentas de mulheres por razões de gênero no território nacional, a capacidade de implementação das Diretrizes no sistema de justiça criminal, a existência prévia de relações interinstitucionais entre os parceiros, a capacidade técnica dos escritórios da ONU Mulheres e do ACNUDH para desenvolver o projeto no Brasil e a presença de representação diplomática da Áustria, cujo governo apoia a iniciativa.

A elaboração das Diretrizes mobilizou não apenas os organismos da ONU já citados, mas também a campanha do secretário-geral da ONU “UNA-SE pelo Fim da Violência contra as Mulheres”.

O governo do Brasil participou da concepção do documento por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos e do Ministério da Justiça.


Fonte: ONU Brasil