México
quer exportar técnica de grãos.
O milho é cozido com água e cal para eliminar as
aflatoxinas causadoras de câncer hepático e do colo uterino. Na foto, um
trabalhador da empresa Grulin mexe o milho antes de ser lavado, escorrido e
moído, em San Luís Huexotla, no México. Foto: Emilio Godoy/IPS.
Por Emilio Godoy, da IPS –
Texcoco, México, 6/1/2016 – Diariamente, nas
madrugadas, a extensa família de Verónica Reyes moi milho, cuja massa alimenta
seu ponto de venda nos mercados ambulantes que existem em diferentes pontos da
capital do México. Filhos, sobrinhos e noras dividem tarefas no negócio
familiar de venda de tacos de cecina (carne salgada) e linguiça, quesadillas
(espécie de pastel de queijo) e tlacoyos (massa recheada com purê de
fava ou feijão e requeijão.
“Cozinhamos o milho umanoite antes e bem cedo o
moemos, para atender as pessoas a partir das oito da manhã”, contou Reyes, que
vende comida há anos. Em um caminhão médio, a família acomoda fogão, botijão de
gás, mesas, cadeiras, ingredientes e mais de 60 quilos de massa para seguirem
até San Jerónimo Acazulco, 46 quilômetros a sudoeste da Cidade do México, local
escolhido nesse dia para realizar as vendas.
Quando a banca sobre rodas começa a ser montada, o
cardápio praticamente esgotou. Ao cozinhar os diferentes pratos, a massa ganha
uma tonalidade amarela, efeito causado pelo acréscimo de hidróxido de cálcio,
ou cal, no cozimento do milho. É a técnica conhecida como nixtamalização,
combinação dos vocábulos da língua náhuatlnextli (cinza) e tamalli
(massa de milho).
Essa prática remonta aos tempos anteriores à
chegada dos conquistadores espanhóis ao México no século 15, quando os
habitantes indígenas já cozinhavam o grão dessa forma. A mistura serve para
neutralizar as aflatoxinas, um tipo de micotoxina produzida por certos fungos
em cultivos agrícolas como milho, amendoim ou frutos secos que podem ser
contaminados no campo, durante a colheita ou no armazenamento. Esse mofo pode
causar câncer hepático e de colo uterino.
“O México tem um problema forte de aflatoxinas. Se
trabalhou muito para se desenvolver formas de eliminá-las. A mais eficaz é a
nixtamalização tradicional”, explicou à IPS a acadêmica OfeliaBuendía, do
Departamento de Engenharia Agroindustrial da estatal Universidade Autônoma de
Chapingo. Ela se especializou em nixtamalizar outros grãos, como feijão,quinoa,
aveia, amaranto e cevada, e na produção de alimentos nutritivos.
A indústria dessa massa e datortilla
mexicanas tem mais de 78 mil estabelecimentos, entre moinhos e fabricantes de tortillas
ou as duas modalidades, com sete Estados concentrando mais da metade das
unidades nacionais e da produção e do emprego. Cerca de 60% das tortillas
provêm do nixtamal e o restante é preparado com farinha de milho nixtamalizado.
O milho é a base alimentar da Mesoamérica, a região
compreendida entre o centro do México e a Costa Rica, onde o processo está
estendido. Mas o consumo de tortillas diminuiu nesse país, passando de
170 quilos anuais por pessoa, na década de 1970, para cerca de 75 quilos atualmente,
devido ao avanço dos fastfood.
Para capitalizar essa tradição, o México coopera
com o Quênia na transferência de conhecimento e tecnologia para introduzir a
técnica e suprimir as aflatoxinas. Os dois países assinaram dois convênios de
cooperação, um deles contendo apoio técnico e envio de moinhos pela Agência
Mexicana de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento. O Quênia necessita
de 45 milhões de sacas (de 90 quilos) de milho por ano, e só produz 40 milhões.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), 25% dos cultivos mundiais de alimentos estão
contaminados por aflatoxinas, e os Centros para Controle e Prevenção de
Enfermidades dos Estados Unidos estimam que mais de 4,5 bilhões de pessoas no
Sul em desenvolvimento estão expostas a elas.Dados do Instituto Internacional
de Pesquisas Sobre Políticas Alimentares sugerem que cerca de 26 mil pessoas na
África subsaariana morrem a cada ano de câncer no fígado, em razão da exposição
crônica às aflatoxinas.
Às três horas da manhã são ligadas as máquinas na
unidade processadora da empresa Comercializadora e Distribuidora de Alimentos
Grulin, na localidade de San Luís Huexotla, 50 quilômetros a leste da Cidade do
México. Com o grão cozido na noite anterior, as tarefas consistem em lavar o
milho, escorrer e moer para obter massa, elaborar tortillas e torradas,
empacotá-las e enviar aos pontos de venda da região.
“A nixtamalização respeita os nutrientes do grão,
embora se perca um pouco durante a lavagem. Há sistemas que nixtamalizam mais
rápido, mas são mais caros. A tecnologia virá para um uso mais eficiente da
água e um processo mais rápido”, pontuou à IPS José Linares, diretor geral da
Grulin. Seu pai iniciou com uma fábrica de tortillas, o negócio cresceu
até ser fundada a companhia, em 2013.A Grulin processa diariamente entre 32 e
36 recipientes demassa de 50 quilos. Um quilo de milho rende 1,9 quilo de
massa.
O milho é cozido durante 90 minutos, depois passa
por uma instalação cheia de água e cal durante 30 segundos e a mistura é levada
para recipientes com capacidade de 750 quilos, onde permanece por 24 horas. Daí
os grãos são enxaguados e estão prontos para a moagem, em um aparelho dotado de
dois discos de pedra que giram em sentidos contrários.
Funcionários da Organização Queniana de Pesquisa
Agropecuária visitaram o México para conhecer e entender a nixtamalização e
provar os produtos do milho. Para os especialistas, que conversaram com os
funcionários quenianos, a técnica pode ser adotada em nações africanas. “Na
África querem conhecer o processo, por seus usos para a alimentação. Algumas
variáveis podem influir, como textura e sabor. Os chineses comem tortillas,
assim, podem ser adaptadas. Não se pode perder essas oportunidades”,
ressaltouBuendía.
Além da questão cultural, a disponibilidade de água
e a geração de resíduos líquidos podem ser problemáticas. Para cada 50 quilos
de milho processado, são necessários 75 litros de água. O resíduo é lançado em
um esgoto, com alto poder contaminante devido ao seu grau alcalino. Por isso, a
academia pesquisa como aproveitar os resíduos para gerar adubo e reutilizar na
lavagem do grão, resultando em um consumo mais eficiente de água.“Seria preciso
superar barreiras culturais, que não se perceba o sabor da cal e que esta iniba
as toxinas. A técnica é replicável”, destacou Linares.
Em 2009, o Instituto Internacional de Agricultura
Tropical, a Fundação Africana pelas Tecnologias Agrícolas e o Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos – Serviço de Pesquisa Agrícola desenvolveram uma
tecnologia autóctone de controle biológico, chamada AflaSafe, para mitigar a
contaminação por aflatoxinas no milho e no amendoim, que já está disponível na
Nigéria, Burkina Faso, Gâmbia, Quênia, Senegal e Zâmbia.
Fonte: ENVOLVERDE
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