Abelha
nativa brasileira é capaz de compensar o declínio de outros polinizadores.
Irapuás são capazes de se dispersar por longas
distâncias e sobreviver em ambientes fortemente alterados, indica estudo. Foto:
Thorben Schoepe).
Por Elton Alisson, da agência Fapesp –
Em quase toda a América do Sul é possível encontrar
uma espécie de abelha sem ferrão nativa do Brasil, de cor negra reluzente e
bastante agressiva, conhecida popularmente como irapuá ou arapuá (Trigona
spinipes).
Um estudo realizado no Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo (IB-USP), em colaboração com a University of Texas em
Austin, nos Estados Unidos, constatou que a onipresença da irapuá na região
sul-americana pode estar relacionada à capacidade de as abelhas reprodutoras
dessa espécie se dispersarem por longas distâncias e colonizar habitats
degradados.
Dessa forma, essa espécie de abelha pode sobreviver
em ambientes fortemente alterados e atuar como um polinizador “de resgate”,
compensando o declínio de outros polinizadores nativos.
Resultado de uma pesquisa de pós-doutorado,
realizada com Bolsa da Fapesp, e de um Projeto Temático,
financiado pela Fundação, a descoberta foi descrita em um artigo publicado na
revista Conservation Genetics.
“Já se sabia que abelhas africanizadas [Apis
mellifera] exercem a função de polinizador de resgate”, disse Rodolfo Jaffé,
primeiro autor do estudo, à Agência FAPESP. “Mas foi a primeira vez que se
observou que uma espécie de abelha nativa também possui essa capacidade”,
afirmou o pesquisador, que realizou pós-doutorado sob orientação da professora
Vera Lucia Imperatriz-Fonseca, do IB-USP e atualmente trabalhando no Instituto
Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV-DS), em Belém, no Pará, junto
com Jaffé.
De acordo com o pesquisador, as irapuás são
polinizadoras oportunistas e generalistas – se alimentam e polinizam flores de
diversas espécies de plantas nativas e culturas, como cenoura, girassol,
laranja, manga, morango, abóbora, pimentão e café –, são dominantes na maioria
das redes de interação entre abelhas e plantas e equivalentes às abelhas
africanizadas no Brasil
A fim de avaliar se a perda e a fragmentação de
áreas de floresta influenciam a dispersão e a dinâmica da população dessa
espécie de abelha, os pesquisadores coletaram exemplares do inseto em fazendas
de café associadas a fragmentos de Mata Atlântica e em áreas urbanas da cidade
de Poços de Caldas, no sul de Minas Gerais.
Por meio de ferramentas de sequenciamento genético
de última geração, eles desenvolveram novos marcadores microssatélites –
pequenas regiões do DNA, que variam de um indivíduo para outro – e utilizaram
esses marcadores para genotipar as abelhas coletadas.
Com base em uma série de softwares disponíveis em
um laboratório especializado em genética da paisagem na University of Texas em
Austin – onde Jaffé realizou um estágio com Bolsa Estágio de Pesquisa no
Exterior (BEPE), da FAPESP –, os pesquisadores estimaram o grau de
relacionamento genético entre abelhas coletadas em ambientes com diferentes
níveis de degradação.
Ao sobrepor os dados de relacionamento genético das
abelhas coletadas em mapas com alta resolução de relevo, tipo de uso da terra e
cobertura vegetal da região estudada, eles conseguiram avaliar a influência
desses fatores sobre o fluxo gênico (troca da informação genética) entre as
abelhas da região.
“Queríamos avaliar se a cobertura florestal, o tipo
de uso da terra ou a elevação influenciavam a dispersão e a diferenciação
genética das irapuás”, contou Jaffé.
Os resultados das análises estatísticas do estudo
indicaram que as irapuás são capazes de se dispersar por longas distâncias, uma
vez que não foi encontrada diferenciação genética entre as abelhas coletadas em
uma faixa de 200 quilômetros – abelhas encontradas em São Paulo e Poços de
Caldas pertenciam a uma mesma população.
Além disso, o fluxo gênico das abelhas não foi
afetado pela cobertura florestal, o tipo de uso do solo ou a elevação,
indicando que os indivíduos reprodutivos dessa espécie de abelha sem ferrão são
capazes de se dispersar tanto por áreas preservadas como também por áreas
desmatadas e em diferentes gradientes altitudinais.
“Essa espécie de abelha consegue manter um alto
fluxo gênico em diferentes tipos de ambientes. Por isso, pode ser considerada
um polinizador de resgate, ao compensar o declínio de outros polinizadores
nativos mais sensíveis ao desmatamento”, avaliou Jaffé.
Os pesquisadores também encontraram evidências de
uma expansão populacional recente das irapuás, provavelmente causada pelo
desmatamento de áreas da Mata Atlântica.
“O desmatamento recente de áreas de Mata Atlântica
pode ter causado uma expansão populacional dessas abelhas, provavelmente porque
são boas colonizadoras de áreas degradadas”, estimou Jaffé.
Um estudo recentemente publicado por outro grupo de
pesquisadores brasileiros no início de setembro, na revista PloS One,
integrante de outro Projeto Temático, apoiado
pela Fapesp, comparou redes de interação entre abelhas e plantas em todo o
Brasil.
Os resultados da pesquisa indicaram que as irapuás
se dão melhor em ambientes degradados do que preservados.
“As irapuás têm uma alta capacidade de colonizar
habitats degradados”, afirmou Jaffé.
Alta reprodução
Ainda não se sabe muito bem por que as irapuás
possuem uma capacidade de dispersão e resistência tão grande em ambientes
degradados.
Uma das hipóteses dos pesquisadores é que essa
espécie de abelha tem uma taxa de reprodução muito alta.
“Todos os anos, as irapuás produzem uma ou várias
colônias-filhas [com, em média, 90 mil operárias], que conseguem se dispersar
por longas distâncias”, explicou Jaffé.
Outra hipótese é que os machos conseguem voar a
grandes distâncias e se acasalar com rainhas de outros lugares, disse Jaffé.
Além disso, as irapuás constroem ninhos externos e
não precisam de ocos ou cavidades de árvores para fazê-los, o que permite que
consigam colonizar muitos lugares.
“Esses fatores contribuem muito para aumentar a
taxa de dispersão dessas abelhas”, avaliou.
O artigo “Landscape genetics of a tropical rescue
pollinator” (doi: 10.1007/s10592-015-0779-0), de Jaffé e outros, pode ser lido
na revista Conservation Genetics.
E o artigo “Native and
non-native supergeneralist bee species have different effects on plant-bee
networks” (doi: 10.1371/journal.pone.0137198), de Tereza Giannini e outros,
pode ser lido na revista
PLoS One.
Fonte: Agência Fapesp
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