Da lama
ao caos: o País que não queremos.
Bombeiros procuram por vítimas em meio ao mar de
lama que engoliu o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) . Foto: Antônio
Cruz / Agência Brasil.
Tragédia ambiental em Mariana (MG) acontece
justamente no momento em que governo e poder econômico pressionam pela
flexibilização das regras do licenciamento ambiental, que pretendem evitar
desastres como esse.
Por Maurício Guetta, do ISA
A tragédia do rompimento das barragens de rejeitos
de mineração da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela australiana BHP
Billiton, deixa exposta a ferida brasileira sobre os descaminhos políticos que
vivemos, principalmente em relação a questões socioambientais.
Mortes de um (ainda) sem número de pessoas, uma
cidade inteira destruída, fauna e flora dizimadas, rios estéreis,
desabastecimento público de água e outros tantos danos irreparáveis poderiam e
deveriam ter sido evitados. A tônica sempre latente no Brasil é a da
insuficiência de planejamento e de prevenção, além do desrespeito aos direitos
dos vulneráveis, invisíveis aos olhos do Estado, refletindo o descaso do Poder
Público e das empresas exploradoras de recursos naturais com a mais relevante
orientação constitucional em relação ao Direito Socioambiental: sendo os danos
socioambientais de impossível ou difícil reparação, geralmente com drásticas e
duradouras consequências para a população e o equilíbrio ecológico, é preciso
sempre adotar práticas de prevenção destinadas a antecipá-los e, com isso,
evitá-los.
Por uma trágica coincidência, foi ao final do
seminário “Licenciamento Ambiental: realidade e perspectivas”, realizado, na
semana passada, pelo ISA e o Ministério Público Federal, que recebemos a triste
notícia sobre este que certamente é um dos maiores – senão o maior – desastre
ambiental da história recente brasileira. A mais contundente lição extraída das
exposições de 23 especialistas no evento foi uníssona: o Licenciamento Ambiental,
principal instrumento da Política Nacional de Meio Ambiental, é uma conquista
do povo brasileiro e deve ser aprimorado. Apesar disso, para atender à
malsinada “Agenda Brasil” – conjunto de propostas supostamente destinadas a
tirar o País da crise econômica – tramitam no Congresso 19 Projetos de Lei com
o objetivo de alterar a legislação sobre o tema, sendo a sua grande maioria
destinada a simplificar o licenciamento. Segundo esta lógica perversa, o meio
ambiente e as populações afetadas nada mais seriam do que meros entraves ao
desenvolvimento.
Entre esses Projetos de Lei, destaca-se, pelo seu
conteúdo absurdo, o 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), segundo o qual
os “empreendimentos de infraestrutura estratégicos para o interesse nacional”
(segundo o texto da proposta: rodovias, ferrovias, hidrovias, portos,
aeroportos, empreendimentos de energia e quaisquer outros destinados à
exploração de recursos naturais) seriam regidos por um diminuto rito de
Licenciamento Ambiental.
Trocando em miúdos: as obras com maior potencial de
causar significativos danos socioambientais seriam justamente aquelas com menor
controle e prevenção. O que não se percebe é que o aperfeiçoamento – e não o
desmantelamento – dos instrumentos de prevenção de danos seria altamente
benéfico não apenas ao meio ambiente e às populações afetadas por
empreendimentos potencialmente poluidores, mas também ao empresariado, que
teria maior segurança jurídica e econômica para operar, além de ver reduzidos
os conflitos e demandas a que tem de responder, inclusive judicialmente.
Será que a tragédia que observamos hoje nos Estados
de Minas Gerais e do Espírito Santo trarão lições aos governantes e
legisladores? Infelizmente, não há nenhum sinal nesse sentido. Apesar da
magnitude do desastre, nem a presidente Dilma Rousseff, nem Izabella Teixeira
ou Eduardo Braga, ministros de Meio Ambiente e de Minas e Energia,
levantaram-se de suas poltronas para ir à região impactada, ou apresentar um
plano emergencial. Omissão que não surpreende. Aliás, interessante notar que o
governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, não teve qualquer pudor ao
realizar uma coletiva de imprensa na sede da própria Samarco. Vale anotar que o
próprio governador é autor do Projeto de Lei Estadual n.º 2.946/2015, que igualmente
pretende flexibilizar as regras do Licenciamento Ambiental em seu Estado. Nada
mais comum no País em que interesse público e interesse privado andam sempre de
mãos dadas.
Na política, nada é por acaso. Para garantir sua
influência nos rumos das decisões públicas, a Vale financiou as campanhas
eleitorais tanto de Dilma Rousseff como de Aécio Neves. Financiou também a
candidatura de Fernando Pimentel, além de parlamentares. A influência diária de
grandes empresas nas decisões políticas se escancara quando constatamos que as
bancadas legislativas são classificadas não pela linha ideológica que defendem,
mas pelo setor empresarial para quem advogam (da mineração, dos bancos, da
agropecuária, da construção civil…). Trata-se do oposto ao que deveria ocorrer
num regime verdadeiramente democrático.
Daí o Projeto de Lei n.º 37/2011, que pretende
instituir o novo Código de Mineração, ter como relator o deputado federal
Leonardo Quintão (PMDB-MG), que teve cerca de 40 % de sua campanha eleitoral
financiada por mineradoras. A proposta, vale registrar, não traz qualquer
medida preventiva ou protetiva ao meio ambiente e às populações afetadas, como
vem denunciando o Comitê em Defesa dos Territórios Frente à Mineração.
Tivessem sido prevenidos, não seria necessário reparar
os danos decorrentes da lama que levou caos a dois estados. Isto, claro, se
tais danos forem, de fato, passíveis de reparação. De um modo ou de outro, o
fato é que a Samarco e suas controladoras, Vale e BHP Billiton, poderão ser
responsabilizadas nas três esferas de responsabilidade, como preconiza o artigo
225, § 3.º, da Constituição.
No âmbito civil, de índole eminentemente preventiva
e reparatória, não haverá como fugir de uma dura condenação. É que, devido à
relevância essencial do meio ambiente para toda a coletividade, a legislação
impõe ao poluidor o dever de reparação integral dos danos independente da
existência de culpa ou dolo, inclusive em casos de força maior ou caso
fortuito. Isso vale tanto para os danos ambientais de natureza difusa e coletiva,
como para os danos individuais, sofridos pelas pessoas afetadas.
Tremor de terra nenhum seria capaz de livrar a
empresa do dever de reparar. Na esfera administrativa, além da suspensão das
atividades da empresa determinadas pela Secretaria de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, ainda poderão ser aplicadas outras
sanções, que vão desde multas milionárias até o encerramento definitivo das
atividades. Por fim, é igualmente possível uma eventual condenação penal, visto
que as ações e/ou omissões da empresa poderiam ser enquadradas em dispositivos
da Lei n.º 9.605/1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais.
Um País que desconsidera o planejamento e a
prevenção necessários para evitar danos socioambientais como aqueles decorrentes
do rompimento das barragens da Samarco, aliado ao cenário de graves retrocessos
em sua legislação ambiental, é justamente o País que não queremos. Estamos
trilhando um caminho perigoso. E pode não ter volta.
Fonte: Instituto Socioambiental
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