Aquecimento
reduzirá oferta de energia.
As mais importantes usinas do país – Furnas,
Itaipu, Sobradinho e Tucuruí – teriam reduções de vazão de 38% a 57% no pior
cenário. Foto: Rubens Fraulini / Itaipu Binacional.
Estudo global com 26 mil usinas mostra que mais de
60% das hidrelétricas e 80% das termelétricas poderão ter restrições de
operação por falta d’água e perda de capacidade útil entre 2040 e 2069.
A estiagem que tem limitado a produção de energia
nas hidrelétricas brasileiras será comum nas próximas décadas, e outros países
devem enfrentar situações semelhantes. E quem acha que dá para contornar o
problema ligando termelétricas fósseis pode se dar mal: as térmicas terão
restrições de operação maiores ainda, por falta de água.
A conclusão é de um estudo feito por pesquisadores
da Holanda e da Áustria, que analisou como o aquecimento global afetará o
comportamento de 26 mil usinas hidrelétricas e termelétricas em todos os
continentes.
O grupo estima que mais de 60% das hidrelétricas
estudadas e mais de 80% das termelétricas terão alguma perda de capacidade útil
entre 2040 e 2069 devido à mudança do clima.
As hidrelétricas sofrem – como aprenderam os
brasileiros – porque chove menos ou porque os períodos de estiagem no ano ficam
maiores, o que reduz a quantidade de água dos reservatórios ou a vazão dos rios
(no caso das usinas a fio d’água). Já as térmicas têm problemas não apenas por
causa da menor vazão, mas também devido ao aumento da temperatura da água dos
rios. Como essas usinas usam água (e muita) para seu resfriamento, rios mais
quentes significam perda de eficiência na geração.
Hidrelétricas e termelétricas respondem, juntas,
por 98% da eletricidade produzida no mundo. Estima-se que o consumo de água
para alimentar o crescimento dessas duas modalidades de produção de energia vá
dobrar nos próximos 40 anos.
Os autores, liderados por Keywan Riahi, do IIASA
(Instituto Internacional de Análise Aplicada de Sistemas), na Áustria, estimam
que a perda média de capacidade útil das usinas hidrelétricas no mundo possa
ser de até 3,6% em 2050. Na América do Sul, que depende de hidrelétricas para
gerar 63% de sua eletricidade, a perda pode chegar a 5,5% no pior cenário.
Para as térmicas o dano tende a ser ainda maior: a
perda de capacidade útil é estimada em 7% a 12%, já que estas usinas são
afetadas por dois problemas correlatos.
O novo estudo, publicado nesta segunda-feira na
edição on-line do periódico Nature Climate Change, lança mão de dois modelos
computacionais. Um é físico, simulando a variação na disponibilidade de
recursos hídricos e na temperatura da água conforme dois cenários do IPCC (o
painel do clima das Nações Unidas): o mais otimista, no qual a humanidade
consegue limitar o aquecimento da Terra a menos de 2oC em relação à era
pré-industrial, e o mais pessimista, no qual o planeta esquenta mais de 4oC
neste século. A esse modelo físico foi incorporado um outro, de funcionamento
das hidrelétricas e das térmicas.
Se o leitor achar que já viu isso antes, é porque
viu, mesmo: abordagem semelhante foi utilizada no ano passado por cientistas da
Universidade Federal do Ceará e da Coppe-UFRJ para estimar a vazão das
hidrelétricas brasileiras em três períodos deste século (2040, 2070 e 2100) de
acordo com o que vaticinam os modelos do IPCC, que ganharam um “zoom” regional.
Os estudos integraram o projeto “Brasil 2040”, encomendado e depois rejeitado
pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Segundo os dados do 2040, os rios de Minas Gerais,
São Paulo, Goiás, Tocantins, Bahia e Pará poderão ter reduções de vazão de 10%
a 30% até 2040. Transpostos para as usinas, os dados de vazão trazem um desafio
para o setor de energia no Brasil: na média, a geração hidrelétrica no país
cairia de 8% a 20%.
As mais importantes usinas do país – Furnas,
Itaipu, Sobradinho e Tucuruí – teriam reduções de vazão de 38% a 57% no pior
cenário. Na Amazônia, região eleita pelo governo a nova fronteira da
hidroeletricidade no país, as quedas também seriam significativas: a vazão de
Belo Monte cairia de 25% a 55%, a de Santo Antônio, de 40% a 65%, e a da usina
planejada de São Luís do Tapajós, que teve seu leilão marcado para o meio do
ano, de 20% a 30%.
Se os planejadores de energia governo desconfiavam
dos resultados do Brasil 2040, o estudo austro-holandês deveria dar-lhes pausa
para a reflexão, já que vai na mesma linha. Os mapas do estudo apontam
inclusive reduções maiores no Sudeste-Centro-Oeste, mesma região que o Brasil
2040 considera crítica.
Riahi e colegas, no entanto, não fizeram a análise
econômica necessária ao entendimento do comportamento real das usinas – o
chamado “modelo de despacho”, feito no Brasil 2040 pelo grupo liderado por
Roberto Schaeffer, da Coppe.
Os cientistas do IIASA e da Universidade de
Wageningen, na Holanda, reconhecem que a situação climática é desafiadora, mas
apontam uma saída: um aumento de eficiência de ordem de 10% nas usinas
hidrelétricas poderia equilibrar a situação em quase todo o planeta. Menos em
dois lugares: a Austrália e a América do Sul, que ainda teriam reduções de capacidade
útil mesmo com medidas de adaptação.
Para as termelétricas o problema é maior ainda, já
que há limites econômicos para a adoção de tecnologias alternativas de
resfriamento. Estas poderiam elevar o custo de produção de energia entre 3% e
8%.
“A combinação de várias opções de adaptação (…)
poderia ser uma estratégia mais eficaz para reduzir os impactos de restrições
hídricas sobre o fornecimento global de eletricidade”, escrevem Riahi e seus
colegas. “Um foco mais forte do setor de eletricidade em adaptação, além da
mitigação, é, portanto, altamente recomendado para sustentar a segurança
hídrica e energética nas próximas décadas.”
Fonte: Observatório do Clima
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