Estudo vê
conexão amazônica na crise hídrica.
Represa do Sistema Cantareira, em São Paulo. Foto:
EBC.
Estiagem recorde em São Paulo em 2014 teve mesma
raiz que enchentes em Rondônia, mostram pesquisadores do Cemaden e do Inpe;
prejuízo no ano foi de US$ 5 bilhões.
Por Claudio Angelo, do OC –
Uma radiografia completa da estiagem que secou o
Sistema Cantareira e levou a maior cidade da América do Sul ao racionamento de
água foi publicada no fim do mês passado por um grupo de cientistas de duas
instituições de pesquisa federais.
No trabalho, o grupo liderado por José Marengo, do
Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) mostra que a
seca paulista de 2014, em seu conjunto, é um fenômeno sem precedentes. E está
diretamente relacionada a outro desastre natural que atingiu o país naquele
ano: as enchentes em Rondônia e no Acre, que isolaram a região e causaram
prejuízos na casa dos R$ 200 milhões aos acreanos ao cortarem a única ligação
terrestre do Estado com o resto do Brasil, a BR-364.
Segundo Marengo e colegas do Cemaden e do Inpe
(Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), a bolha gigante de ar quente que
ficou um mês e meio estacionada sobre o Sudeste do Brasil teve um efeito
colateral: ela bloqueou as correntes de ar úmido que vêm da Amazônia para o
Sudeste, os chamados jatos de baixos níveis.
Essas massas de ar, que ganharam o nome popular de
“rios voadores”, ajudam a trazer chuva para São Paulo, Minas Gerais e parte do
Centro-Oeste. Porém, em 2014, elas foram barradas pela região de alta pressão
(ou seja, uma massa de ar mais próxima da superfície) formada no Sudeste e
Centro-Oeste, o que desviou as chuvas para Rondônia. Outra parte do jato
bloqueado foi bater no Rio Grande do Sul, que também teve chuva acima da média
naquele ano.
A observação não chega a ser um endosso da hipótese
de que o desmatamento na Amazônia é um dos fatores por trás da falta d’água em
São Paulo, que ganhou popularidade na época. Segundo o grupo, com os dados
disponíveis não é possível fazer relação direta entre o desmatamento da
Amazônia e a falta d’água em São Paulo. “São necessários estudos com modelos
climáticos globais complexos, nos quais se simule o clima com vários níveis de
concentração de gases-estufa e de mudanças no uso da terra, por exemplo, urbanização
ou desmatamento da Amazônia, para detectar impactos no transporte de umidade
fora da bacia amazônica e nas chuvas nas bacias no Sul e Sudeste do Brasil”,
escreveram os cientistas.
No entanto, eles também dizem que, mesmo diante da
incerteza, reduzir o desmatamento e recuperar florestas são provavelmente uma
boa ideia para aumentar a resiliência do país à seca: “Considerando a
complexidade das relações entre floresta e chuva nas regiões a leste dos Andes,
uma possível solução para não alterar o ciclo hidrológico da Amazônia seria
reduzir o desmatamento e reflorestar áreas em várias regiões do Brasil”.
Bloqueio
Da mesma forma, o artigo do grupo, publicado num
dossiê sobre a crise hídrica da Revista USP, evita atribuir o problema à
mudança climática. Para Marengo e colegas, o que deixou São Paulo a seco foi
uma combinação entre uma estiagem anormal, o crescimento da demanda e o mau
gerenciamento dos recursos hídricos.
O estudo enumera, porém, uma série de anomalias
climáticas enormes entre as causas da estiagem. A estação chuvosa de 2013/2014
foi a mais seca na região do Cantareira desde 1962, quando começou a série
histórica. A temperatura na região em janeiro de 2014 também foi recorde –
2,5oC acima da média histórica, ou mais do que duas vezes e meia o aquecimento
médio do planeta no último século.
O bloqueio atmosférico, a tal zona de alta pressão
que barrou a entrada de frentes frias, de pancadas de chuva e da umidade da
Amazônia, também foi para lá de anormal: esses fenômenos geralmente duram de 7
a 15 dias, nos piores casos. O bloqueio de janeiro e fevereiro de 2014 durou
45. Ele foi reforçado por temperaturas também anormalmente altas da superfície
do mar no Atlântico Sul naquela época.
O resultado dessa combinação incomum de fatores
atmosféricos e oceânicos, mais o despreparo do governo paulista para lidar com
a situação, é algo que os paulistanos estão vendo em suas torneiras até agora,
mesmo depois que os reservatórios do Sistema Cantareira finalmente saíram do
volume morto, dois anos após o início da estiagem. O evento foi considerado o
quinto desastre natural mais caro de 2014 no mundo, com um prejuízo estimado em
US$ 5 bilhões (R$ 20 bilhões em valores de hoje). A falta de chuva em 2014
secou o solo, impediu a umidade que alimentaria os reservatórios em 2015 e fez
a situação se arrastar durante todo o ano passado.
Marengo afirma que não há estudos conclusivos sobre
o comportamento dos bloqueios atmosféricos num cenário de aquecimento global.
Além disso, nota uma situação aparentemente paradoxal: nas últimas décadas há
uma aparente diminuição das chuvas na região do Cantareira, mas uma elevação da
precipitação na cidade de São Paulo. Isso pode estar relacionado a um fenômeno
totalmente dissociado da mudança climática – a ilha de calor urbana.
“A seca é consequência da variabilidade natural do
clima, não da mudança climática. O que teria a ver com a mudança do clima seria
a [crise] hídrica, onde as altas temperaturas, a falta de chuva e o aumento da
população determinaram um maior consumo de água”, disse o cientista ao OC.
No entanto, ele alerta que a previsão dos modelos
climáticos para o Sudeste é de períodos secos mais longos e mais calor nas
próximas décadas, intercalados com períodos de chuva intensa. “Ou seja, a seca
pode voltar e, se nada for feito para nos adaptarmos, a crise hídrica voltará
também, e será mais intensa e longa no futuro mais quente”, diz o
climatologista peruano radicado no Brasil.
“Escapamos do apagão em 2001, parece que vamos a
escapar também agora em 2016, se continuar chovendo neste verão. Mas parece que
não aprendemos nada da crise de 2001, e só espero que os tomadores de decisões
tenha aprendido a lição desta seca em 2014-15, para não sermos pegos de
surpresa por uma nova seca e uma nova crise hídrica no futuro.”
Fonte: Observatório do Clima
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