Inundações
exigem respostas conjuntas.
No Uruguai há 22.414 pessoas desabrigadas devido às inundações que afetam
países sul-americanos. Foto: Sistema Nacional de Emergências (Sinae).
Por Fabiana Frayssinet, da IPS –
Buenos Aires, Argentina,4/1/2016 – As inundações
que afetam quatro países sul-americanos deixaram evidente a necessidade de
combater de maneira integrada as causas e os efeitos da mudança climática. Além
dos planos conjuntos de emergência, o aquecimento global os coloca diante de
problemas comuns, como desmatamento e manejo de suas bacias hidrográficas
compartilhadas, entre outros.
Já há cerca de 180 mil evacuados desde que se
intensificaram as chuvas no final do ano, e as enchentes provocadas pelas
cheias dos rios Paraná, Paraguai e Uruguai não respeitam fronteiras entre essas
nações do Mercosul e as integra na catástrofe ambiental. Nas províncias do
litoral argentino, cidades do norte do Uruguai e do sul do Brasil, e zonas ribeirinhas
próximas à capital paraguaia, as cenas de ruas alagadas, equipes de socorro,
abrigos para desabrigados, se repetem.
“É difícil não vincular a gravidade das inundações
às modificações relacionadas à mudança climática”, afirmou Jorge Taiana,
vice-presidente do Parlasul, órgão parlamentar do Mercosul, ao qual também
aderiram Venezuela e Bolívia. “É necessária uma resposta conjunta importante em
relação às duas grandes estratégias para enfrentar a mudança climática, que são
mitigação e adaptação aos seus efeitos, e nisso me parece que é imprescindível
que existam respostas conjuntas da região”, afirmou à IPS o deputado argentino
pela opositora Frente para a Vitória.
“Existe uma indiferença em relação à problemática
ambiental no Mercosul. Tanto é assim que há poucos dias houve uma cúpula desse
mercado comum e esse tema que era uma tragédia anunciada não foi examinado”,
apontou à IPS o presidente da Associação Argentina de Advogados Ambientais,
Enrique Viale.
Inúmeros especialistas indicam que as fortes chuvas
se devem a El Niño, o fenômeno meteorológico produzido por mudanças na
temperatura das partes central e oriental do Oceano Pacífico tropical. A
Organização Meteorológica Mundial, vinculada ao sistema da Organização das
Nações Unidas (ONU), havia antecipado que seus efeitos seriam dos mais
violentos desde 1950.
Inclusive, no dia 24 de dezembro, a Assembleia
Geral da ONU exortou os Estados membros a elaborarem estratégias nacionais e
regionais para enfrentar seus impactos socioeconômicos e ambientais, sugerindo
instrumentar sistemas de alerta e medidas de prevenção, mitigação e reparação
de danos.“O fenômeno El Niño é uma realidade que estava anunciada, mas não é a
única causa”, ponderou Viale. “Os quatro países são os maiores produtores de
soja do mundo, junto com os Estados Unidos. Não é por acaso que o mapa do
desmatamento pela soja coincide com o das inundações”, acrescentou.
Um informe da Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e a Agricultura (FAO), situa Brasil, Paraguai e Argentina entre os
dez países que mais desmataram nos últimos 25 anos. Entre 1990 e 2015, a
Argentina perdeu mais de 7,6 milhões de hectares. Na Floresta Misionera, ou
Paranaense, cortada pelos rios Uruguai, Paraná e Iguaçu, restam apenas 7% da
superfície florestal original, enquanto no Paraguai e no Brasil foi
praticamente destruída.
“As florestas, além de concentrarem biodiversidade
considerável, têm um papel fundamental na regulaçãodo clima, na manutenção das
fontes e dos caudais de água, e na conservação dos solos”, diz um comunicado da
organização ambientalista Greenpeace. “São nossa esponja natural e guarda-chuva
protetor. Quando perdemos florestas, nos tornamos mais vulneráveis às intensas
chuvas e corremos sérios riscos de inundações”, destaca o documento.
“Isso somado à plantação direta, que é o método
utilizado para semear soja transgênica, converteu os campos em verdadeiros
desertos verdes sem nenhuma capacidade de absorção”, pontuou Viale. A soja, que
se expandiu desde 1999, é considerada fundamental para essas economias e um de
seus principais produtos de exportação. Mas, junto com essa suposta bonança da
soja, se estenderam terras de cultivo que substituíram outros tradicionais, já
que expulsaram a pecuária para áreas como as florestas.
“A expansão da fronteira agrícola – particularmente
aprofundada pela expansão da monocultura da soja modificada geneticamente, pelo
enorme desmatamento da FlorestaParanaense, e pela construção de represas em
escala gigantesca por parte do Brasil nos rios Paraná, Iguaçu e Uruguai, com
muitas mais em construção e projetadas – aumentou a crise ambiental em todo o
Cone Sul”, ressaltou o especialista Jorge Daneri. Diante do que considera
“ecocídio” regional, esse ambientalista da organização argentina M’Biguá,
Cidadania e Justiça Ambiental, propõe, entre outras medidas, a efetiva
articulação dos Comitês de Bacias dos rios Paraná, Iguaçu e Paraguai.
“Não existe nenhum comitê de bacia entre as três
províncias argentinas e o Estado nacional, e só existe a Caru (Comissão
Administradora do Rio Uruguai) com o Uruguai, mas sem o Brasil”, detalhou
Daneri. “Isso é grave, pela total falta de articulação. Para nós, umcomitê de
bacias é a figura fundamental a ser concretizada. Está provado que o Mercosul
não soube cumprir uma função séria de articulação de políticas ativas e
sustentáveis para os territórios”’, ressaltou.
Para Daneri, é urgente e necessária“uma nova ordem
ambiental dos territórios, para voltar a estabelecer os corredores biológicos,
um sistema de recuperação de todas as ribeiras a partir do reflorestamento com
espécies nativas, e uma recomposição da floresta nativa”. Também propôs
reformar os planos de ordenamento territorial em cada província, em conjunto
com o Estado nacional, e, em escala regional, realizar avaliações ambientais
estratégicas de toda a bacia.
De imediato, Taiana propõe que o Parlasul ajude a
coordenar planos de contingência para as vítimas das enchentes, e no longo
prazo estudar, entre todos os governos locais, projetos e obras, financiados
pelo próprio Mercosul. Para isso, recordou que o bloco conta com um Fundo de
Convergência Estrutural para financiar projetos de melhoramento de
infraestrutura, competitividade e desenvolvimento social de seus países. Taiana
destacou que “o mais importante desses fundos não reembolsáveis que facilitam o
objetivo de integração é que reconhecem as assimetrias dos países membros”.
O fundo, de aproximadamente US$ 100 milhões ao ano,
poderia ser utilizado, segundo Taiana, para investir em obras na zona de
fronteira, para mitigar ou evitar inundações, como defesas ou canais de desvio.
“Me parece que há muitos temas comuns que são de urgência, nos quais o Mercosul
em geral tem muito para trabalhar”, enfatizou.Porém, Daneri discordou, dizendo
que “não se trata de obras de concreto, não são megarrepresas ou megadefesas.
Não é canalizar os rios. Trabalhar apenas na emergência ou para as emergências
é um erro”.
“Em meio a esse desafio está a construção de uma
transição para sair do atual modelo simplificador da monocultura e caminhar
para a agroecologia. Deve-se atacar as causas”,afirmou Daneri, acrescentando
que “as causas estão em um modelo produtivo que não trabalha sobre os tempos da
natureza, mas sobre os tempos de um mercado que é demolidor dos ecossistemas”.
Fonte: ENVOLVERDE
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