Teria o
capitalismo matado a democracia?
Por Liliane Rocha*
Dēmokratía “governo do povo”.
“Vivemos em uma democracia”, “Avançamos na
democracia e não podemos regredir”. Em tempos de complexidade política, pressões
da sociedade civil e um governo que tem sido fortemente questionado, frases
como estas estão na agenda do dia a dia do brasileiro. E mais do que isso, a
democracia como base fundamental para a promoção do desenvolvimento alcançado
pelo país ao longo dos últimos anos. Essa linha de livre pensamento é quase
unanimidade, mas o que você diria se eu te contasse que ao longo da história da
humanidade nem sempre a democracia foi consenso entre os pensadores, filósofos
e políticos? Pode ser difícil acreditar, mas grandes referências que tem
norteado a reflexão e o imaginário coletivo tais como Platão, Aristóteles,
Locke, Montesquieu e mesmo Rousseau não eram a favor da democracia.
Simplesmente porque não consideravam que este sistema seria capaz de manter a ordem
e a segurança tão necessárias a nossa convivência coletiva.
O que mencionei te surpreender, principalmente
porque foi dito de súbito, por isso, voltemos alguns passos atrás e analisemos
tanto a democracia como o desenvolvimento de forma gradativa e ao longo da
linha do tempo. Se hoje todos bradam a democracia como valor e base
social, por vezes usando o termo a exaustão e mesmo esvaziando-o de sentido,
nem sempre foi assim. O termo foi criado no século V A.C, na Grécia antiga, e
significa em sua análise semântica “governo do povo” ou “poder que emana do
povo”. Demos significa povo e cratos poder. Surgiu como uma definição oposta ao
termo aristocrata “organização sociopolítica baseada em privilégios de uma
classe social formada por nobres. Ou seja, um governo de poucos”.
Contudo, o entendimento de povo na Grécia antiga
estava muito distante do que aplicamos na atualidade. Eram excluídos mulheres,
estrangeiros e escravos (pobres). Neste sentido, já poderíamos fazer aqui uma
crítica à democracia da época. No entanto, o que fazia com que filósofos como
Platão e Aristóteles fossem contra a democracia, não era este aspecto da
inclusão versus a exclusão que salta aos nossos olhos. E sim, eram contra a
democracia, devido ao fato de acreditarem que esta não era a forma mais eficaz
de se obter ordem social e segurança. Ambos os filósofos consideravam os
regimes autoritários mais eficientes quando o assunto era a regulamentação
social entre ricos e pobres, por isso defendiam a aristocracia ou a monarquia
como regime adequado à melhor governança, gestão da sociedade e capaz de
assegurar condições básicas de convivência social.
A partir do século XIX, a Revolução Francesa
torna a difundir a democracia, desta vez fortemente atrelada à conceituação de
Direitos Humanos, contudo o discurso permanecia longe da prática ou de se
tornar uma realidade efetiva. Há inclusive referências que mencionam a
democracia como “uma ditadura da maioria”. A expressão evidencia o pânico que
havia (e há até hoje) entre as classes sociais mais abastadas de que o
empoderamento da coletividade representasse a implantação de um governo
autoritário conduzido pelo povo.
Contudo, para refletir a democracia e o
capitalista tal qual temos hoje no Brasil e no mundo é essencial analisar
também a influência americana sobre esse conceito ao longo do século XX.
Principalmente porque ao longo destes anos os Estados Unidos porque certamente
podemos afirmar que este país influenciou muito a estrutura política e social
do Brasil. Neste sentido o documentário da BBC de 2002, “O século do Ego”, traz
uma contribuição brilhante para este diálogo, pois traça uma linha do tempo
associando a democracia à construção da sociedade americana.
Nos anos 20, Edward Bernays, sobrinho de Freud,
sim o pai da psicanalise, era o Relações Públicas oficial do Governo Americano
e clamava ter desenvolvido as técnicas, estimulando os desejos das pessoas e
associando-os a produtos de consumo. Criava-se naquele momento um novo modo de
controlar a força irracional das massas, conhecido como engenharia do
consentimento. A democracia para ele era um conceito maravilhoso, mas ele não
via as massas como tendo um julgamento confiável, por isso a massa tinha que
ser guiada por cima. “O que surgiu no século 20 nos EUA foi uma nova
ideia de como lidar com democracia de massa. Ao centro estava o sujeito do
consumo que não só fazia a economia funcionar, mas que também era feliz e
dócil, criando assim uma sociedade estável. A noção fundamental de democracia é
sobre mudar as relações de poder que dominaram o mundo por tanto tempo. E o
conceito de democracia lançado pelos Estados Unidos nos 20 é sobre manter as
relações de poder.” Século do Ego, 2002.
]O ápice desta concepção ocorreu em meados de
1936 quando Edward Berneys, desta vez contratado pelas grandes empresas
americanas com o objetivo de deflagrar guerra ideológica ao New Deal, começou a
trabalhar exaltando ligação entre a democracia e os negócios na América. Em
1939 na Feira Mundial de negócios, construiu ao centro um monumento enorme
chamado DemoraCity.
Mas afinal, trazendo essa reflexão para o Brasil
de 2015, após refletir a gênesis. Como anda a democracia na atualidade? Será
que quanto mais avançada for uma economia, mais democrática ela tenderá a ser?
Para reforçar essa perspectiva, analisemos ponto
a ponto o Brasil de 2015. O cenário já começa a ficar nebuloso quando falamos
dos Direitos Civis, lembrando, propriedade, vida, liberdade e respeito.
Neste
aspecto o país está claramente em progresso, mas não consolidado, pois persiste
ainda a problemática de qual a camada social a qual o indivíduo pertence, sendo
quanto mais pobre mais seus direitos civis são fragilizados e desrespeitados.
Certamente ainda não há educação, saúde e segurança para todos. A depender da
cidade em qual o cidadão vive, da sua etnia, da sua renda e até do seu gênero,
as vulnerabilidades em termos de direitos civis são gritantes.
Façamos um breve recorte de Direitos Civis para
gênero (mulheres) e etnia (afrodescendentes). Segundo o fórum mundial dentre
189 países o Brasil ocupa a Brasil ocupa 62ª posição no Ranking de desigualdade
de gênero do Fórum Econômico Mundial, 76% da renda dos homens, e se esta
desigualdade permanecer a tal almejada igualdade chegará somente em 2095.
Mulheres brasileiras ocupam 8,6% da Câmara dos Deputados. No Senado 16%. Em
2014 foram cerca de 480 mil denuncias feitas por mulheres que estão sofrendo
violência doméstica são agressões físicas, violência psicológica, moral,
cárcere privado e violência sexual. E a cada 12 segundos uma mulher sofre
violência no Brasil.
Para afrodescendentes temos que no Congresso
brasileiro temos 5% de negros. Segundo dados de 2010 há uma epidemia de morte
de jovens negros no Brasil, pois apesar de negros/as comporem pouco mais da
metade da população brasileira, eles representam 75% dos casos de homicídio no
país.
Sabemos que ainda hoje no Brasil a renda dos negros chega a ser 60% menor
do que a dos brancos.
Segundo o IBGE 2012, do total de 16 milhões de
brasileiros na extrema pobreza, a grande maioria é negra ou parda.
Ainda no Brasil 0,9% mais ricos do País detêm
entre 59,90% e 68,49% da riqueza dos brasileiros. E dados as notícias de
corrupção que tivemos no país esse ano, a exemplo da Operação Lava Jato,
podemos inferir que os detentores da riqueza do país tem negociado entre si,
representantes do governo e das empresas, para manter os privilégios de poucos,
em detrimento dos direitos de muitos, ou melhor, dizendo do povo.
Concluindo e reforçando, os dados históricos
realmente elucidam o desenvolvimento capitalista como propulsor da democracia
como forma de governo. E sim, temos no Brasil uma democracia que tem se
fortalecido e efetivado ao longo dos anos. Todavia hoje, possivelmente não seja
o fortalecimento do desenvolvimento capitalista que reforçará a democracia
definida. Simplesmente porque o desenvolvimento capitalista enquanto
crescimento econômico (sistema econômico baseado na legitimidade dos bens
privados e na irrestrita liberdade de comércio e indústria, com o principal
objetivo de adquirir lucro) tem servido aos interesses de poucos. E se
persistimos nesta trajetória poderemos ter certeza que se o
capitalismo ainda não matou deliberadamente a democracia, o fim está
próximo.
Fonte: ENVOLVERDE
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