Comida
desperdiçada e a pobreza crescendo.
Por Washington Novaes*
Quando chegarão as políticas capazes de mudar
esse panorama universal?
Nas últimas semanas têm sido muito
frequentes na comunicação e nas cartas e artigos de leitores manifestações
sobre uma foto estampada em jornais de um menino brasileiro sentado numa cadeira,
com o rosto ensanguentado e as roupas rasgadas, após haver ficado debaixo das
ruínas de sua casa que desabara – a própria imagem da desolação e da
impotência. Nos mesmos dias, outra notícia informava (O Popular, 19/8): a
milhares de quilômetros, na Colômbia, autoridades de Bogotá “disseram que a
chuva torrencial que caiu na cidade na madrugada de ontem arrastou ao menos 30
moradores de rua que dormiam em duto de esgoto” – a morte nas cloacas, no mundo
povoado de pobreza e de
notícias tristes.
Que fazer? O Brasil precisa (Estado, 18/5) de
mais US$ 7,2 bilhões ou R$ 25 bilhões extras por ano para acabar com a pobreza
até 2030. O mundo precisará de US$ 10 trilhões (ou mais de U$S 600 bilhões por
ano) para a mesma tarefa, em 15 anos. Mas não há recursos disponíveis, lá e cá,
para prover os direitos sociais, criar emprego e renda, etc. O Brasil está em
sexto lugar entre os países que mais precisam de recursos para tarefas como
essas (em primeiro lugar, a Índia, com US$ 61 bilhões anuais; em segundo, a
China, com US$ 37 bilhões; em terceiro, a Nigéria, com US$ 36 bilhões; depois,
a Etiópia e a Indonésia).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho
(OIT), “a pobreza nos países em desenvolvimento está aumentando”, em 1950
viviam com menos de US$ 1,90 por dia cerca de 47% da população mundial, em 2012
eram 15%. “Mas o progresso é frágil: 40% dos africanos vivem na pobreza; e nos
próprios países ricos a pobreza também aumentou; 30% da população mundial tem
apenas 2% da renda total”. No Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento
Social (MDS), a proporção de pobres caiu de 23,4% em 2001 para 7% em 2014; 26,3
milhões de pessoas saíram da linha de pobreza: eram 40,5 milhões e baixaram
para 14,2 milhões em 12 anos E para assegurar US$ 3,1 por dia seriam
necessários 0,3% do produto interno bruto; para garantir renda diária de US$ 5
a todos o Brasil precisaria ampliar os gastos sociais para US$ 23,2 bilhões
anuais, ou 2% do PIB nacional.
Estamos longe, com a taxa de desemprego em 11%, com
possibilidade de aumentar até o fim de 2016. Menos de 40% da renda da camada
mais pobre da população vem de trabalho remunerado, lembra Guy Ryder, diretor
da OIT (Estado, 19/5). Mas no ano passado 343 mil famílias deixaram o programa
Bolsa Família por haverem aumentado sua renda (MDS, 12/5); 261,3 mil reduziram
o benefício, pela mesma razão; 467,1 mil não se recadastraram. A bolsa
contempla 14 milhões de famílias com renda média de R$ 163,57, que significa no
total R$ 2,3 bilhões mensais. Entre os beneficiados, 10 milhões de pessoas, ou
5% da população (Estado, 28/4) . Apesar de nossos problemas sociais serem muito
maiores que os de países “desenvolvidos”, nossos gastos sociais são menores
(edivanbatista@yahoo.com.br, 21/7). Aplicamos 21,3% do PIB em 2013, por
exemplo, quando a Alemanha aplicou 27,1% e a Suécia, 29,8%.
Resultado importante é o que mostra (Pnad 2014)
que vem caindo desde 2003 o número de famílias da zona rural em situação de
pobreza e pobreza extrema (renda mensal até R$ 77), abaixo da meta dos Objetivo
do Desenvolvimento Sustentável, que é de 3% (MDS, 20/11/15). Dado preocupante,
porém, é o de que a taxa de desemprego entre jovens da Grande São Paulo está em
36% (Estado, 27/6), quando o desemprego médio na área está em 16%. O desemprego
total no País anda pela casa dos 11%; e quase metade desses desempregados é
constituída de jovens (Estado, 27/6). A concentração da renda é evidenciada
pelo fato de os 10% mas ricos da população deterem, em 2014 (O Popular, 7/5),
38% da renda tributável e 39% dos bens e direitos líquidos totais. A
vulnerabilidade dos mais pobres é apontada pelo professor Ladislaw Dowbor: 19%
da renda familiar é destinada ao pagamento de dívidas (terra.com.br).
Em abril último a Assembleia-Geral da ONU decidiu
criar (FAO, 4/4) o Decênio de Ação sobre a Nutrição, já que 800 milhões de
pessoas no mundo passam fome e mais de 2 bilhões sofrem com deficiência de
nutrientes; 159 milhões de crianças com menos de 5 anos têm déficit no
crescimento; 50 milhões estão abaixo do peso recomendável, enquanto na
população geral 600 milhões são obesos.
Nesta mesma hora, diz o site Oxfam
(21/1) que a concentração da renda continua a aumentar; 62 pessoas têm tanto
capital quanto a metade mais pobre da população mundial. Mas há dados
diferentes. O Departamento de Informação Pública da ONU relata que 13% da
população mundial vive em extrema pobreza e 2,4 bilhões não dispõem de
saneamento adequado – embora as pessoas em pobreza extrema tenham diminuído
mais de 50% desde 2002 e a mortalidade materna tenha diminuído 44%; a
mortalidade de crianças baixou mais de 50%.
Com tantos problemas, tanta fome, a América
Latina continua desperdiçando até 348 mil toneladas por dia de alimentos (FAO,
30/2). Cerca de 36 milhões de pessoas (mais que a população do Peru) poderiam
suprir suas necessidades com o que é perdido nos pontos de venda direta ao
consumidor. A Argentina perde 12% do que produz. A Unicef alerta (28/6) para o
risco de 60 milhões de crianças com menos de 5 anos de idade morrerem até 2030
de doenças que poderiam ser evitadas. E 167 milhões viverão na pobreza, apesar
de 36% dos cereais, 20% das sementes, carnes e laticínios, 35% dos peixes, 40%
a 50% dos vegetais e frutas irem para o lixo ou outros formatos desperdiçadores
(Folha de S.Paulo, 20/7). Os Estados Unidos desperdiçam um terço do que
plantam. O paradoxo maior talvez seja o da África, que, juntamente com a fome,
tem 65% das terras férteis não cultivadas do planeta e 10% da água doce
(Eco-Finanças, 22/8).
* Washington Novaes
é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).
Fonte: O
Estado de S. Paulo
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