O impacto
que está na mesa.
Para o superintendente de Conservação do
WWF-Brasil, Mario Barroso, precisamos ser mais exigentes em relação a
transparência quanto a produção e origem dos alimentos. Foto: © WWF-Brasil.
Por Mario Barroso*
Se somos o reflexo do que comemos, a Terra é a
expressão de nossos hábitos alimentares. Ao longo dos últimos 10 mil anos, o
homem vem transformando as paisagens naturais com as atividades de agricultura
e pastoreio, moldando os ecossistemas. Digitais dessa dinâmica insustentável,
as alterações feitas apenas nas últimas cinco décadas no Cerrado brasileiro
impressionam e preocupam.
Uma das áreas mais importantes para a conservação
da biodiversidade do planeta, os cerrados cobriam originalmente cerca de 24% do
território nacional. Mas isso mudou bastante. Segundo o Terraclass – sistema do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que mapeia o uso da terra e da
cobertura vegetal no bioma – cerca de metade desse território havia sido
alterado até 2013, sendo que mais de 90% dessa transformação ocorrera em função
da produção de alimentos, sobretudo carne e soja.
Enquanto a expansão da agricultura ocorre em solos
com maior aptidão agrícola, a expansão das pastagens plantadas se dá de forma
generalizada. Hoje, a taxa média anual de desmatamento no Cerrado está em torno
de 6 mil quilômetros quadrados, mais que a perda de cobertura nativa na
Amazônia em 2014, que foi de 4,8 mil quilômetros quadrados.
O avanço sobre as áreas naturais do Cerrado
resultou num excepcional crescimento da produção agrícola no Brasil, a ponto de
possibilitar que o país se torne em pouco tempo o maior produtor de alimentos
do mundo, se continuar o mesmo ritmo. Os impactos positivos são bastante
evidenciados, principalmente pelo setor que se orgulha de “puxar a economia
nacional”.
Pouco se fala, porém, dos impactos negativos da
expansão sobre o Cerrado. E não só para o Brasil. Uma das maiores estudiosas do
bioma, a pesquisadora da Universidade de Brasília Mercedes Bustamante alerta
que o Cerrado passa por um intenso processo de fragmentação que compromete
importantes funções ecológicas.
Pense no ambiente natural como um grande organismo,
sendo o bioma Cerrado um dos seus “órgãos vitais”. Uma das funções que o
Cerrado desempenha no equilíbrio ecológico é justamente a manutenção do sistema
hídrico do país. O Cerrado abriga as nascentes de três grandes bacias do
continente sul-americano (Tocantins-Araguaia, Paraná-Prata e São Francisco).
Apesar dos alertas dos cientistas sobre a
importância de se conservar essa imensa “caixa d’água”, o desmatamento avança e
compromete esse serviço ambiental que o Cerrado presta gratuitamente à nação.
Para Mercedes Bustamante, estamos “fechando a torneira” que fornece água para a
cidade e o campo.
Do ponto de vista climático – e aí a escala de
impacto já é global –, as transformações no Cerrado já fizeram acender a luz
amarela entre os cientistas.
Entre 2005-2010, as emissões brasileiras de CO2
oriundas do desmatamento e mudanças de uso da terra foram reduzidas em 83%. Tal
decréscimo ocorreu sobretudo pela redução do desmatamento na Amazônia. No
Cerrado a história é diferente. A contribuição do desmatamento do Cerrado,
aumentou. Entre 1994-2002, as emissões do bioma atingiram 1704 Teragramas
(milhão de toneladas) e aumentaram para 1845 Teragramas no período entre
2002-2010.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil já ultrapassou os Estados Unidos em
emissões agrícolas, estando em terceiro lugar, atrás apenas da China e Índia.
Vale mencionar também outros impactos ainda não entendidos plenamente, mas que
têm um potencial imenso de gerar danos no curto, médio e longo prazos.
Segundo a FAO, o uso de pesticidas no Brasil pulou
de 117 mil toneladas para 353 mil toneladas entre 1999 e 2014, principalmente
pelo aumento no uso de inseticidas. E anualmente mais de 3 milhões de toneladas
de fertilizantes são necessárias para manter a produtividade. A maior parte dos
pesticidas foi lançada sobre as lavouras localizadas no Cerrado. Além dos
alimentos, a água, o solo, o ar e a biodiversidade são contaminados pela
pulverização de agrotóxicos.
Parece razoável, em termos econômicos, que o Brasil
continue com o caminho de expansão da produção agrícola. Mas é preciso fugir da
lógica da expansão territorial da agropecuária e passarmos para a
intensificação ecológica. Para isso, a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuárias (Embrapa) vem trabalhado com novos pacotes tecnológicos, como a
integração lavoura-pecuária-floresta. O desafio é reverter a baixa
produtividade das áreas consideradas degradadas – um pasto abandonado, por
exemplo – e incorporá-las novamente à produção.
Com esse caminho, passaremos a viabilizar os
compromissos de desmatamento zero por parte das cadeias de produção
agropecuária, e poderemos cada vez mais desenvolver mecanismos de
rastreabilidade e transparência para o meio rural.
Mas podemos ir além. Nós, consumidores, temos um
poder de transformação que muitos sequer suspeitam. Nossos hábitos de consumo
podem mudar as indústrias e influenciar o desenvolvimento de novas tecnologias.
Foi por pressão do mercado que conseguimos banir o clorofluorcarbono (CFC), por
muito tempo utilizado nas indústrias de refrigeração e ar condicionado,
espumas, aerossóis, extintores de incêndio. E com isso, recuperamos nada menos
do que a Camada de Ozônio, antes depauperada pela emissão desses gases.
Por que, então, não fazemos o mesmo em relação aos
alimentos? Informações corretas sobre procedência, qualidade e forma de
produção permitem melhor escolhas, ou pelo menos uma maior consciência de nosso
impacto. Os grandes compradores internacionais de commoditiesagrícolas já se
movimentam para cobrar que os produtos venham livres de desmatamento ao longo
de suas cadeias produtivas. Isso é resultado da pressão dos consumidores.
Assim como existe uma rotulagem para os valores nutricionais,
já há padrões estabelecidos para a rotulagem ambiental, só que isso ainda é
pouco utilizado. Precisamos ser mais exigentes em relação a transparência
quanto a produção e origem dos alimentos. E isso se faz cobrando de quem compra
e vende os produtos agrícolas e pecuários. Com essa chave na mão, poderemos
abrir as portas de um cenário em que a produção de alimentos seja aliada da
conservação do meio ambiente. E não mais um fator de degradação da natureza.
Fonte: WWF Brasil
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