O ‘primo
pobre’ pede socorro.
Cerrado. Foto: © Bento Viana/WWF-Brasil
Por Washington Novaes*
São graves as perdas no Cerrado de águas ali
nascidas e na área da diversidade biológica.
Há sinais extremamente preocupantes no horizonte –
e não se trata de forma simbólica de expressão.
O panorama visível no País até
a olho nu mostra com extrema clareza o aumento das queimadas, que somadas a
outros fatores de devastação apontam para perdas alarmantes. E principalmente
naquele considerado ao longo do tempo o “primo pobre dos biomas brasileiros”, o
Cerrado. Como se tratasse de um bioma imenso, mais de 2 milhões de quilômetros
quadrados, mas coberto por campos sem fertilidade e sem valor.
Este jornal tem mostrado (3/8), com base em
informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que os focos de
incêndio no País, desde o começo do ano até fins de julho, cresceram 57%
comparados com igual período de 2015 – foram 40.765 (28/7). E poderão chegar a
um aumento de 80%, com uma situação de extrema gravidade também na Amazônia. No
mês de julho as queimadas no Estado de São Paulo (687) aumentaram 361%,
comparadas com julho de 2015. São os maiores números de uma série histórica que
começa em 1998. Desde o começo do ano foram 1.702.
O Ministério do Meio Ambiente dizia desde o ano
passado (Estado, 26/11/15) que “o desmatamento já atinge metade do Cerrado”,
mais exatamente 54,6%. Num dos Estados mais atingidos, Goiás, os incêndios, que
foram 172 em 1998, chegaram a 1.374 em 17 de julho deste ano. Lá “só sobraram
34,5% do Cerrado (em São Paulo, 9,8%; no Piauí 83,1%)”. Da Mata Atlântica, em
Goiás, restaram 2,7% , ou 290 km2, de acordo com o IBGE (O Popular, 20/6/15).
As perdas no Cerrado têm um dos efeitos mais graves
na redução das águas ali nascidas e que correm para as principais bacias
hidrográficas brasileiras: Araguaia-Tocantins, Paraná e São Francisco. Essas
águas podem reduzir-se em até 40%, afetando também a produção das
hidrelétricas. Tão graves quanto são as perdas na área da diversidade
biológica. O bioma (ECO21, maio de 2016) “é uma das mais ricas regiões de
savana tropical do mundo e abriga comunidades biológicas altamente diversas,
com muitas espécies únicas e variedades”. Parte delas, endêmicas. De acordo com
a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), 1.629 espécies
terrestres e de água doce estão ameaçadas – entre elas, peixes e plantas raros.
Mas também pesam ameaças sobre a pecuária, a agricultura e a produção de biocombustíveis.
Começam a ser cada vez mais frequentes os estudos
científicos sobre a importância do Cerrado.
Stephanie Spera, da Brown
University, por exemplo (Eco-Finanças, 18/4), mostrou num deles o impacto da
devastação no Cerrado no ciclo de chuvas – e os efeitos na área da agricultura.
O bioma é um hotspot da biodiversidade, com mais de 4 mil espécies endêmicas. E
“a vegetação do Cerrado recicla água para a atmosfera, que é essencial também
para a sustentabilidade da Amazônia”.
Outro cientista, Paulo Tarso Sanches Oliveira,
doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento, autor da tese Water balance and
soil erosion in the brazilian Cerrado, afirma que a substituição da vegetação
nativa do Cerrado por áreas destinadas à produção agrícola tem causado intensas
mudanças nos processos hidrológicos e acelerado a erosão do solos. Essas
mudanças são “fundamentais na tomada de decisão de uso e manejo do solo da
região”. Segundo ele, o desmatamento no Cerrado está ocorrendo “mais
rapidamente” que na Floresta Amazônica – e com isso pode até “desaparecer nos
próximos anos”. E “a substituição do Cerrado para o uso agrícola tem o
potencial de intensificar a erosão do solo de 10 a 100 vezes”. Pode haver
“alterações no balanço hídrico, intensificação dos processos erosivos, perda da
biodiversidade, desequilíbrios no ciclo do carbono, poluição hídrica, mudanças
no regime de queimadas e alteração do clima regional” (amazonia.org, 2/3/2015).
Outro estudo relevante é o Perfil do Ecossistema
Hotspot da Biodiversidade do Cerrado (don@cerrado.org.br), coordenado por
Donald Sawyer e do qual participaram mais de cem instituições. A região é uma
das maiores e biologicamente mais ricas entre as de savana tropical do mundo;
abriga comunidades biológicas “altamente diversas”; muitas espécies e
variedades únicas. É vital para o abastecimento de água e geração de energia no
Brasil; para o controle da erosão e para a redução no País da emissão de gases
de efeito estufa.
O desenvolvimento de um perfil do ecossistema, diz
o sumário executivo, relaciona 1.629 espécies terrestres e de água doce
classificadas pela UICN como globalmente ameaçadas, bem como peixes e espécies
de plantas raros. E a melhor forma de conservação para muitas espécies é a
proteção de “áreas adequadas de hábitat apropriado”. No Brasil, 761 áreas-chave
foram identificadas.
O bioma tem 43 milhões de habitantes em áreas
urbanas, mas cerca de 12,5 milhões ainda dependem de terras agrícolas,
ecossistemas naturais e zonas úmidas. As mudanças são aceleradas e acentuadas
com o processo de ocupação da fronteira agrícola “no coração do Cerrado”, após
a construção de Brasília. O estudo entende que “as principais ameaças” ao bioma
no presente e no futuro próximo são a pecuária, as culturas anuais
(principalmente soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar),
carvão vegetal, fogo e “silvicultura de monoespécies”, junto com erosão,
espécies invasoras, culturas permanentes, suínos, transporte e aquecimento
(local e global). Tudo isso leva um desmatamento anual de 6 mil km2 e já produziu
a perda de 50% da cobertura natural.
Não faltam, portanto, informações científicas
respeitáveis. Mas faltam políticas nacionais, regionais e locais adequadas que
permitam a sobrevivência de um hotspot de biodiversidade – garantia de futuro.
Que precisam ser formuladas e executadas sem perda de tempo.
* Washington Novaes é jornalista (e-mail:
wlrnovaes@uol.com.br).
Fonte: O Estado de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário