quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O peso da pecuária para os gases-estufa.
Risto Isomäki. Foto: Cortesia do autor

Por Risto Isomäki, da IPS – 

Helsinque, Finlândia, 8/8/2016 – A produção de carne e outros produtos de origem animal responde por aproximadamente 18% a 20% de todas as emissões de gases-estufa antropogênicos, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Se este cálculo estiver correto, os resíduos animais e o uso de fertilizantes à base de nitrogênio para cultivo de forragens geram, por ano, cerca de seis milhões de toneladas de óxido nitroso, ou entre 65% e 70% das emissões totais.

O impacto disso na temperatura mundial equivale a,aproximadamente,dois bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano. Além de óxido nitroso, a indústria pecuária produz mais de cem milhões de toneladas de metano ao ano, o que esquenta o planeta tanto como 3,5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Essa situação é agravada pelo desmonte de grandes extensões de florestas tropicais para pastagens e produção de forragem, o que libera anualmente 2,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera.

O total de nossas emissões de dióxido de carbono atualmente chega a pouco mais de 35 bilhões de toneladas, além de também produzirmos pelo menos 350 milhões de toneladas de metano e nove milhões  de toneladas de óxido nitroso. Muitos governos, municípios e empresas privadas já começaram a aplicar programas para reduzir as emissões de gases-estufa a uma fração de seus níveis atuais nas próximas décadas.

Em 2015, mais de 90% dos novos investimentos em energia se deslocaram para fontes renováveis, enquanto os combustíveis fósseis e a energia nuclear atraem a duras penas os 10% restantes. Do mesmo modo, as novas soluções tecnológicas para reduzir as emissões dos veículos, bem como da produção industrial, construção, iluminação, calefação e refrigeração de edifícios, ou estão em processo de implantação, ou já foram implantadas.

Inclusive as empresas de aviação e navegação aceitaram o desafio. Alguns setores o fizeram com maior entusiasmo que outros, mas parece existir o consenso geral de que são necessárias mudanças consideráveis para evitar uma catástrofe ambiental absoluta. A exceção ao deslocamento geral para a sustentabilidade ambiental parece ser a produção de alimentos. Os governos e as organizações intergovernamentais como a FAO continuam analisando a maneira de aumentar a produção mundial de carne, de 200 milhões de toneladas para 470 milhões até 2050.

Isso seria motivo de grande preocupação, mesmo se a carne, os produtos lácteos e demais derivados de animais fossem responsáveis unicamente por 20% das emissões de gases-estufa combinados. Mesmo se fosse duplicada a contribuição da indústria, provavelmente seria impossível limitar o aquecimento global a 1,5 ou 2 graus Celsius, segundo o acordado em Paris.

É possível que o papel da indústria pecuária tenha sido seriamente subestimado. Segundo cálculos atuais, os lagos e tanques naturais provavelmente produzam cerca de 85 milhões  de toneladas de metano por ano, enquanto as represas artificiais gerariam entre 20 milhões e 100 milhões  de toneladas.Embora o metano das represas seja considerado um subproduto da indústria da energia, as emissões de lagos, tanques e rios são classificadas como “emissões naturais”.

As pesquisas demonstram que há variações significativas nos níveis de metano produzido pelos corpos de água doce. Os lagos heterótrofos, cuja água e o sedimento contêm apenas pequenas quantidades de nutrientes e matéria orgânica, produzem muito pouco metano. As menores emissões anuais por hectare medidas nesses lagos chegaram a apenas 0,78 quilo. No outro extremo do espectro, lagos sumamente eutróficos, ou ricos em nutrientes, com grandes quantidades de plantas aquáticas e algas mortas, podem liberar até 190 toneladas de metano por hectare ao ano.

Em outras palavras, há uma diferença de 243.590 vezes entre a menor e a maior emissão medida por hectare, um espectro que inclui quase seis ordens de magnitude.Podemos, então, realmente supor que a escorrência dos fertilizantes e o gado nada têm a ver com essas emissões? A maior parte do metano liberado no ar de lagos e represas eutróficos não pode, na verdade, ser considerada emissão natural, e não se deve contar como tal.

Do mesmo modo, a maior parte do óxido nitroso, que se define atualmente como emissões naturais dos oceanos ou dos solos naturais, deveria voltar a ser classificada com derivado da pecuária. Além disso, há muitas práticas agrícolas capazes de reduzir a quantidade de carbono orgânico armazenado nas árvores e nos solos, bem como o desmatamento tropical, que historicamente é o centro de atenção.

Estudos realizados no Argentina,Brasil, China, Estados Unidos, Grã-Bretanha, Cazaquistão e Mongólia, indicam que grandes extensões de pastagens que costumavam ser pradarias naturais continuam perdendo quantidades significativas de carbono orgânico devido ao pastoreio excessivo.Segundo uma análise, os seres humanos queimam anualmente 4,3 bilhões de toneladas de biomassa, classificada como carbono. Dessa quantidade, a madeira para combustível e o uso de outras formas de biocombustível representam 1,3 bilhão de toneladas, enquanto o restante está vinculado à indústria pecuária.

Isso significa que poderíamos, ao menos teoricamente, reduzir nossas emissões de carbono em quase três bilhões de toneladas ao eliminar a queima de biomassa que não está relacionada com a produção de energia e mediante o uso da biomassa economizada para substituir os combustíveis fósseis. As práticas de queima de biomassa atuais também produzem grande quantidade de fuligem, que repercute com força no aumento das temperaturas mundiais, e também geram entre 40 milhões e 50 milhões de toneladas adicionais de metano e 1,3 bilhão de toneladas de óxido nitroso.

Atualmente, 3,5 bilhões de hectares de terras de pastagem permanentes e centenas de milhões de hectares de terras de cultivo são explorados para produção de alimentos destinados a animais nas indústrias da carne e dos lácteos.

Se reduzirmos o consumo de produtos de origem animal e os substituirmos por alternativas à base de proteínas de soja, trigo, aveia ou fungos, ou mediante cultivo de células-mãe de animais, poderíamos converter grandes extensões de terreno em florestas protegidas. Estas, por sua vez, recuperadas, podem absorver grande quantidade de carbono da atmosfera. De modo alternativo, se poderia utilizar a mesma terra para cultivo de biocombustíveis.

Isso significa que deveríamos nos concentrar na degradação ambiental causada pela indústria pecuária, que por sua vez recebe pressão de uma demanda cada vez maior por carne e lácteos. Grande parte do que se mencionou merece uma atenção urgente e ampla e maior pesquisa em todo o mundo.Talvez seja impossível deter o aquecimento global sem reduzir o consumo de carne. Mas, se formos capazes de substituir uma porção substancial de carne por alternativas, alcançar as metas adotadas em Paris na verdade será muito mais fácil do que se imagina.

Risto Isomäki é escritor e militante ecológico finlandês, cujo último livro, A Carne, o Leite e o Clima, analisa o impacto ambiental da indústria pecuária.


Fonte: ENVOLVERDE

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