Começamos
a enfrentar o barulho.
Por Washington Novaes*
É hora de os candidatos às eleições
municipais discutirem os mapas de ruídos nas cidades.
É uma boa notícia a de que a Prefeitura de São
Paulo terá de desenvolver e implementar o Mapa de Ruído Urbano da cidade
(atelie de textos, 26/7). É verdade que a Lei 16.499, sancionada há poucos
dias, dá um prazo de sete anos para que se concretize o projeto. Mas é um
começo, melhor que o vácuo de hoje, em que não há regulamento desse tipo. E a
lei obriga as próximas gestões da cidade a estipular cronogramas, metas e
prazos para a “realização de amplo estudo sobre o ambiente acústico da cidade”.
O mapa será uma ferramenta de “apoio às decisões para o planejamento e
ordenamento urbano com vistas à gestão de ruído na cidade”.
Cumprir essas tarefas exigirá “identificar a
diversidade de fontes emissoras de ruído; fomentar o uso de novas tecnologias
para mitigar as emissões de ruídos; orientar a adoção de ações e políticas
públicas para a melhora da qualidade ambiental e urbanística da cidade”. Haverá
prazos intermediários de quatro anos para a aprovação da “macro área de urbanização
consolidada” e para os “eixos de estruturação da transformação urbana”; para as
demais áreas da cidade o prazo será de sete anos.
A decisão sobre o Mapa de Ruído é consequência de
a poluição sonora aparecer com destaque no ranking das queixas encaminhadas à
Ouvidoria Geral da cidade. E não existem legislação e fiscalização para
enfrentar as questões concretas. Além disso, as pesquisas que apontam em 60% da
população da cidade o desejo de se mudar dizem que o nível de ruídos faz parte
da insatisfação que leva a esse desejo. Mas como concretizar a mudança de 12
milhões de pessoas de uma região metropolitana de 20 milhões? Para onde?
Trabalhar em que atividades? Resta-lhes dar força ao turismo rural, que, pelo
menos por poucas horas, as leva de volta ao contato com ambientes tranquilos e
sem ruídos (como os cemitérios buscados por pessoas que desejam ficar em
silêncio, já comentados neste espaço).
São pessoas que não querem integrar-se à imensa
lista nas cinco categorias profissionais estudadas numa tese na Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp (22/6). Todas essas pessoas usavam aparelhos de
proteção auditiva (metalúrgicos, calçadistas, transportadores de cargas,
trabalhadores em cerâmicas e na indústria cervejeira). O estudo avaliou o nível
de perda auditiva significativa em cada uma e relacionada também com a idade e
com o tempo de exposição ao ruído em quatro grupos, em todas as categorias
profissionais.
A perda mais acentuada foi dos transportadores de
cargas. E em todas as categorias essa perda pode interferir na qualidade de
vida, na limitação de atividades e na socialização, ao dificultar a percepção
da fala em ambientes ruidosos e até em momentos de lazer. Essa perda, diz o
estudo, pode também limitar atividades e restringir a socialização, pela dificuldade
de entender a fala do interlocutor. Com os surdos os problemas são maiores. A
lei recomenda que haja audiometria na contratação, depois de seis meses na
atividade e anualmente para os trabalhadores expostos a ruídos. Mas quem segue?
Jundiaí, no interior de São Paulo, é uma das
raras cidades que já incluem a medição de ruídos na primeira etapa de estudos
para um projeto de plano diretor que a transforme em “cidade caminhável”.
Vem à memória do autor destas linhas a figura de
seu avô paterno, Anastácio, nascido na espanhola Galícia e que começou a perder
a audição trabalhando como operário numa mina que utilizava dinamite como
explosivo. Perdeu gradualmente a audição, foi despedido, não conseguia outro
trabalho naquele início do século 20. Emigrou sozinho para o Brasil, recrutado
por uma empresa que provia de “colonos” fazendas que se abriam no interior de
São Paulo. Guardou dinheiro, depois de dois anos voltou à Espanha e trouxe,
“num porão de navio”, a esposa e duas filhas pequenas. Depois de mais algum
tempo na mesma fazenda, passou a ser mestre pedreiro em obras na cidade –
abertura e revestimento de ruas com paralelepípedos, instalação de dutos para
esgotos e água (usados até hoje), abertura de praças públicas. Ao fim do dia,
exausto, praticamente sem audição, sem poder participar das conversas em
família, sentava-se numa cadeira de balanço, de costas para uma janela de onde
vinha luz, e lia o Correio Paulistano.
Este ano teremos eleições municipais. Seria hora
de candidatos discutirem com eleitores a questão do planejamento urbano e,
nela, os mapas de ruídos nas cidades e os formatos de enfrentá-los. Será hora
propícia para trazer ao centro da discussão o fato de o eleitor morar na
cidade, e não apenas no Estado e na Federação. Hora de caminhar para planos
diretores urbanos, a possibilidade de transformá-los em lei, obrigar os
governantes municipais a executá-los plenamente – e não dedicar os orçamentos a
obras faraônicas que costumam propiciar comissões polpudas ou a contratação de
cabos eleitorais; projetos que tragam ao centro da questão a obrigatoriedade
inscrita na Constituição federal de aprovar um plano diretor como instrumento
básico da política de expansão urbana nas cidades com mais de 20 mil
habitantes. A discussão – e, posteriormente, a continuação do eleitor nas
discussões – sobre as prioridades municipais mudará os rumos das cidades,
afastará esse eleitor de políticos oportunistas ou empresários voltados apenas
para novas “rendas”.
Isso é mais válido ainda para grandes cidades –
sabendo que, “até 2030, o mundo deve chegar a 41 megacidades”, cada uma delas
com mais de 10 milhões de habitantes, como informou este jornal (20/3). Não
cabe mais governar apenas com medidas pontuais, que só favorecem minorias. É o
caso, por exemplo – também focalizado em editorial na página 3 deste jornal –,
da autorização para fechar ruas com dinheiro público, de modo a beneficiar
apenas moradores do local modificado.
* Washington Novaes
é jornalista.
Fonte: O
Estado de S. Paulo
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